Dos Sonhos e coisas afins
Compreendo perfeitamente que cada ser humano tenha em si sonhos.
Eu sempre os tive. Quando era miúdo queria ser astronauta…
…e mais tarde cientista.
Depois fui crescendo e fui sonhando com muitas coisas. Ainda hoje sonho…
Sonhar é algo de bom, faz-nos ter aspirações, provoca-nos paixões, faz-nos mexer para atingir objectivos. Mas sonhar pode ter um lado mau…
Como disse atrás, quando era miúdo queria ser astronauta. Queria um dia ter a hipótese de ir a órbitra terrestre, ou mesmo para além dela, sentir o corpo sem peso, ver o planeta azul de cima…
…mas não era um sonho realizável. Apesar disso, hoje em dia estamos à beira da altura em que o meu sonho pode ser realizável, acessível a qualquer um que o possa pagar, sem ter de passar por anos de treino, sem ter de comer o pão que o diabo amassou…
…apenas pagar um bilhete e ir!
Isto, para mim, não seria realizar o sonho. Poderia ser bonito ir, ver o mundo, sentir a ausência de peso, mas, se pensar bem, é capaz de não ser algo muito diferente de pagar um bilhete para a montanha russa.
O que faz de um sonho um sonho é o seu carácter quase alcançável e o facto de, se conseguirmos vencer todas as barreiras que se nos atravessam à frente e o conseguirmos realizar sentirmos a alma cheia. Deu trabalho, foi por vezes difícil, por vezes quase impossível, mas há aquela sensação de superação quando chegamos ao fim. Quando tomamos um atalho e passamos ao lado das dificuldades, a realização do sonho deixa um tanto a desejar, é algo incompleto, acaba por não ter significado duradouro. Há aquele momento… e depois o momento passou e fica o vazio de já não se ter aquele sonho.
Compreendo perfeitamente aqueles que sonham ser estrelas musicais ou escritores. Eu, embora toque desde os catorze anos e esteja em constante aprendizagem desde então, nunca sonhei ser um “Rockstar”, ter o mundo aos meus pés e ter as gajas todas que quero com um estalar de dedos.
Aprendi a tocar porque desde que me lembro sempre o quis fazer, porque a música foi uma constante na minha vida, porque me lembro das tardes que passava com o meu pai a ouvir os nossos velhos vinis que iam desde a música clássica ao Quim Barreiros (na altura, em minha opinião, com muito maior qualidade do que as coisas que faz hoje), porque o meu irmão, dezoito anos mais velho que eu me entrava pela casa adentro com discos de música não comercial de bandas como os Deep Purple, os Led Zeppelin…
…lembro-me da primeira vez que ouvi o solo do “Another Brick in the Wall pt II” e de ficar apaixonado…
…lembro-me de estar a brincar na varanda ao lado da minha mãe que costurava para fora e que tinha sempre o radio ligado e de estar a ouvir Beatles, Simon and Garfunkle…
Tornei-me guitarrista por adorar a música e por querer fazê-la.
Já em relação à escrita, sempre adorei ler. Aprendi com quatro anos e li tudo o que havia para ler em casa. Todos os anos havia uma visita obrigatória à feira do livro e ia sempre carregado para casa. Mas nunca por nunca me passou pela cabeça escrever um livro!
O primeiro que escrevi (que não foi nem será editado) foi a minha maneira de pôr algo de muito pessoal em perspectiva. De uma maneira algo estranha, funcionou. Foi uma catarse. Escrevê-lo fez-me reconciliar-me comigo, numa altura em que não gostava particularmente de mim (ainda hoje não tenho uma relação fácil comigo, mas enfim…).
O segundo começou como um “post” num “blog” que se transformou num conto que se transformou num romance.
Houve quem o lesse, quer no “blog” onde foi sendo publicado, quer as folhas impressas e as opiniões surpreenderam-me. Não tanto as opiniões das pessoas que eu conhecia (as opiniões dos amigos são sempre favoráveis) mas mais das pessoas que eu não conhecia de lado nenhum. Algumas, sem me conhecerem nem saberem quem eu era deram-se ao trabalho de me pôr em contacto com outras pessoas e foram divulgando a existência do manuscrito.
Através de uma dessas pessoas o livro esteve para ser editado pela “esfera do caos”, o que acabou por não se concretizar. Mas, por muita insistência das pessoas próximas, acabei por submeter o livro a uma série de editoras. As respostas foram invariáveis. Davam-me um orçamento ou seja, aceitavam publicar desde que eu comprasse um número pré-determinado de livros. Quando eu fazia as contas, não raras as vezes, descobria que mesmo que vendesse todos os meus exemplares e a edição esgotasse, ainda assim, ficaria com um balanço negativo.
Percebi perfeitamente este negócio. Fez-me lembrar, de imediato, o contacto que tinha tido com pequenas editoras de música que operavam dentro deste estilo. Qualquer um que assim o desejasse pode chegar ao pé de uma dessas editoras e gravar um álbum completo. Eles tratam de tudo…
…por uma módica quantia. Se há uns anos era complicado gravar algumas pessoas, hoje em dia o “auto-tune” resolve quase tudo!
Estas editoras não são editoras. Vivem à custa dos sonhos das pessoas.
O Zé Toino gostava de ser cantor, mas nunca aprendeu a tocar coisa nenhuma, nunca se empenhou, nunca andou a tocar em bares estranhos ou entalado entre a vitrine dos bolos e a porta de entrada num café no meio do Alentejo. Nunca perdeu dias a aprender a tocar uma música, nunca teve os dedos em sangue pela fricção das cordas da guitarra. No entanto, a Maria dele diz que, quando ele está no duche canta que é uma maravilha. O Zé Toino gasta €6000 e de repente até aparece na televisão, num dia qualquer, com duas matulonas, a cantar uma treta qualquer que não foi ele que escreveu e cumpriu o seu sonho de ser cantor!
O Manel Jaquim escreve uns poemas desde que se apaixonou pela miúda que se sentava atrás dele na aula de físico-química no sétimo ano, quando começou a sentir umas ânsias estranhas. Desde que se juntou ao “livro das caras” que publica aquelas coisas do tipo
“as rosas são encarnadas
e as violetas são violeta
Já me vites bem
Esta quadra da treta”
…e todos os amigos põem “likes” e dizem que ele é um poeta! Gasta €1500 e tem um livro na estante com o seu nome! Sonho cumprido!
Bem, eu não sou nem nunca fui poeta. Faço uns versos volta e meia porque ficam melhor com música do que prosa…
Não sou escritor! Sou quanto muito um gajo que gosta de contar histórias e que, graças ao advento da palavra escrita, as pode registar desta forma.
Não sou “Rockstar”. Sou tão músico como os gajos que apanhei a tocar no metro esta manhã (e tocavam mesmo bem) ou se calhar até menos que eles!
E no entanto, para cada um dos meu três romances editados, para cada um dos livros de crónicas, para cada um dos CD’s, tive de lutar, trabalhar, vencer obstáculos e continuo a fazê-lo!
Seria mais fácil pagar? Sim, claro! Se calhar amanhã estava na televisão com o meu chapéu texano e a minha Perséphone na mão…
Mas nunca saberia se lá estava porque merecia ou simplesmente porque paguei…
…e essa seria uma dúvida com a qual eu não conseguiria viver
Nem todos os que sonharam ser astronautas o puderam ser…
Nem todos os que sonham ser escritores ou “Rockstars” o podem ser!
Mas o facto de se poder pagar para sê-lo, cria o maravilhoso panorama musical e literário que temos hoje!
Mais, a pouca vergonha por parte destas editoras é tanta que editam seja o que for…
…e sem o mínimo de brio, laçando álbuns mal misturados e masterizados, lançando livros sem revisão, porque a revisão é paga à parte…
Mas convenhamos, se gravar um álbum ainda sai caro (a não ser que seja hip-hop ou kizomba, que isso a malta grava no quarto enquanto vê um CSI qualquer), editar um livro hoje em dia é de borla…
…portanto, essas editoras já nem apanham aspirantes a escritores, poetas sonhadores sem poesia na alma, a quem falam do valor do trabalho deles, polindo-lhes o ego, e de como o valor a pagar deve ser visto como um investimento embora na verdade seja simplesmente o pagamento integral da edição, porque a editora, a seguir ao lançamento, já nem se lembra que eles existem (o que me faz lembrar uma história que me contaram esta manhã, na primeira pessoa, em que alguém que tem um livro editado pela talvez mais conhecida destas editoras da treta, uma que tem o nome de uma zona na baixa de Lisboa – que em troca de e-mails comigo disse “o nosso trabalho fala por nós” tendo eu respondido “É precisamente disso que eu tenho medo” – foi contactado por alguém da sua própria editora afirmando que gostavam imenso do que ele publicava no “faicebuque” e que se ele quisesse editar poderia entrar em contacto com eles – ou seja, nem se lembravam que ele já tinha um contrato de edição).
Dizia eu, essas editoras já nem apanham aspirantes a escritores,...
Apanham é os tansos…
Eu sempre os tive. Quando era miúdo queria ser astronauta…
…e mais tarde cientista.
Depois fui crescendo e fui sonhando com muitas coisas. Ainda hoje sonho…
Sonhar é algo de bom, faz-nos ter aspirações, provoca-nos paixões, faz-nos mexer para atingir objectivos. Mas sonhar pode ter um lado mau…
Como disse atrás, quando era miúdo queria ser astronauta. Queria um dia ter a hipótese de ir a órbitra terrestre, ou mesmo para além dela, sentir o corpo sem peso, ver o planeta azul de cima…
…mas não era um sonho realizável. Apesar disso, hoje em dia estamos à beira da altura em que o meu sonho pode ser realizável, acessível a qualquer um que o possa pagar, sem ter de passar por anos de treino, sem ter de comer o pão que o diabo amassou…
…apenas pagar um bilhete e ir!
Isto, para mim, não seria realizar o sonho. Poderia ser bonito ir, ver o mundo, sentir a ausência de peso, mas, se pensar bem, é capaz de não ser algo muito diferente de pagar um bilhete para a montanha russa.
O que faz de um sonho um sonho é o seu carácter quase alcançável e o facto de, se conseguirmos vencer todas as barreiras que se nos atravessam à frente e o conseguirmos realizar sentirmos a alma cheia. Deu trabalho, foi por vezes difícil, por vezes quase impossível, mas há aquela sensação de superação quando chegamos ao fim. Quando tomamos um atalho e passamos ao lado das dificuldades, a realização do sonho deixa um tanto a desejar, é algo incompleto, acaba por não ter significado duradouro. Há aquele momento… e depois o momento passou e fica o vazio de já não se ter aquele sonho.
Compreendo perfeitamente aqueles que sonham ser estrelas musicais ou escritores. Eu, embora toque desde os catorze anos e esteja em constante aprendizagem desde então, nunca sonhei ser um “Rockstar”, ter o mundo aos meus pés e ter as gajas todas que quero com um estalar de dedos.
Aprendi a tocar porque desde que me lembro sempre o quis fazer, porque a música foi uma constante na minha vida, porque me lembro das tardes que passava com o meu pai a ouvir os nossos velhos vinis que iam desde a música clássica ao Quim Barreiros (na altura, em minha opinião, com muito maior qualidade do que as coisas que faz hoje), porque o meu irmão, dezoito anos mais velho que eu me entrava pela casa adentro com discos de música não comercial de bandas como os Deep Purple, os Led Zeppelin…
…lembro-me da primeira vez que ouvi o solo do “Another Brick in the Wall pt II” e de ficar apaixonado…
…lembro-me de estar a brincar na varanda ao lado da minha mãe que costurava para fora e que tinha sempre o radio ligado e de estar a ouvir Beatles, Simon and Garfunkle…
Tornei-me guitarrista por adorar a música e por querer fazê-la.
Já em relação à escrita, sempre adorei ler. Aprendi com quatro anos e li tudo o que havia para ler em casa. Todos os anos havia uma visita obrigatória à feira do livro e ia sempre carregado para casa. Mas nunca por nunca me passou pela cabeça escrever um livro!
O primeiro que escrevi (que não foi nem será editado) foi a minha maneira de pôr algo de muito pessoal em perspectiva. De uma maneira algo estranha, funcionou. Foi uma catarse. Escrevê-lo fez-me reconciliar-me comigo, numa altura em que não gostava particularmente de mim (ainda hoje não tenho uma relação fácil comigo, mas enfim…).
O segundo começou como um “post” num “blog” que se transformou num conto que se transformou num romance.
Houve quem o lesse, quer no “blog” onde foi sendo publicado, quer as folhas impressas e as opiniões surpreenderam-me. Não tanto as opiniões das pessoas que eu conhecia (as opiniões dos amigos são sempre favoráveis) mas mais das pessoas que eu não conhecia de lado nenhum. Algumas, sem me conhecerem nem saberem quem eu era deram-se ao trabalho de me pôr em contacto com outras pessoas e foram divulgando a existência do manuscrito.
Através de uma dessas pessoas o livro esteve para ser editado pela “esfera do caos”, o que acabou por não se concretizar. Mas, por muita insistência das pessoas próximas, acabei por submeter o livro a uma série de editoras. As respostas foram invariáveis. Davam-me um orçamento ou seja, aceitavam publicar desde que eu comprasse um número pré-determinado de livros. Quando eu fazia as contas, não raras as vezes, descobria que mesmo que vendesse todos os meus exemplares e a edição esgotasse, ainda assim, ficaria com um balanço negativo.
Percebi perfeitamente este negócio. Fez-me lembrar, de imediato, o contacto que tinha tido com pequenas editoras de música que operavam dentro deste estilo. Qualquer um que assim o desejasse pode chegar ao pé de uma dessas editoras e gravar um álbum completo. Eles tratam de tudo…
…por uma módica quantia. Se há uns anos era complicado gravar algumas pessoas, hoje em dia o “auto-tune” resolve quase tudo!
Estas editoras não são editoras. Vivem à custa dos sonhos das pessoas.
O Zé Toino gostava de ser cantor, mas nunca aprendeu a tocar coisa nenhuma, nunca se empenhou, nunca andou a tocar em bares estranhos ou entalado entre a vitrine dos bolos e a porta de entrada num café no meio do Alentejo. Nunca perdeu dias a aprender a tocar uma música, nunca teve os dedos em sangue pela fricção das cordas da guitarra. No entanto, a Maria dele diz que, quando ele está no duche canta que é uma maravilha. O Zé Toino gasta €6000 e de repente até aparece na televisão, num dia qualquer, com duas matulonas, a cantar uma treta qualquer que não foi ele que escreveu e cumpriu o seu sonho de ser cantor!
O Manel Jaquim escreve uns poemas desde que se apaixonou pela miúda que se sentava atrás dele na aula de físico-química no sétimo ano, quando começou a sentir umas ânsias estranhas. Desde que se juntou ao “livro das caras” que publica aquelas coisas do tipo
“as rosas são encarnadas
e as violetas são violeta
Já me vites bem
Esta quadra da treta”
…e todos os amigos põem “likes” e dizem que ele é um poeta! Gasta €1500 e tem um livro na estante com o seu nome! Sonho cumprido!
Bem, eu não sou nem nunca fui poeta. Faço uns versos volta e meia porque ficam melhor com música do que prosa…
Não sou escritor! Sou quanto muito um gajo que gosta de contar histórias e que, graças ao advento da palavra escrita, as pode registar desta forma.
Não sou “Rockstar”. Sou tão músico como os gajos que apanhei a tocar no metro esta manhã (e tocavam mesmo bem) ou se calhar até menos que eles!
E no entanto, para cada um dos meu três romances editados, para cada um dos livros de crónicas, para cada um dos CD’s, tive de lutar, trabalhar, vencer obstáculos e continuo a fazê-lo!
Seria mais fácil pagar? Sim, claro! Se calhar amanhã estava na televisão com o meu chapéu texano e a minha Perséphone na mão…
Mas nunca saberia se lá estava porque merecia ou simplesmente porque paguei…
…e essa seria uma dúvida com a qual eu não conseguiria viver
Nem todos os que sonharam ser astronautas o puderam ser…
Nem todos os que sonham ser escritores ou “Rockstars” o podem ser!
Mas o facto de se poder pagar para sê-lo, cria o maravilhoso panorama musical e literário que temos hoje!
Mais, a pouca vergonha por parte destas editoras é tanta que editam seja o que for…
…e sem o mínimo de brio, laçando álbuns mal misturados e masterizados, lançando livros sem revisão, porque a revisão é paga à parte…
Mas convenhamos, se gravar um álbum ainda sai caro (a não ser que seja hip-hop ou kizomba, que isso a malta grava no quarto enquanto vê um CSI qualquer), editar um livro hoje em dia é de borla…
…portanto, essas editoras já nem apanham aspirantes a escritores, poetas sonhadores sem poesia na alma, a quem falam do valor do trabalho deles, polindo-lhes o ego, e de como o valor a pagar deve ser visto como um investimento embora na verdade seja simplesmente o pagamento integral da edição, porque a editora, a seguir ao lançamento, já nem se lembra que eles existem (o que me faz lembrar uma história que me contaram esta manhã, na primeira pessoa, em que alguém que tem um livro editado pela talvez mais conhecida destas editoras da treta, uma que tem o nome de uma zona na baixa de Lisboa – que em troca de e-mails comigo disse “o nosso trabalho fala por nós” tendo eu respondido “É precisamente disso que eu tenho medo” – foi contactado por alguém da sua própria editora afirmando que gostavam imenso do que ele publicava no “faicebuque” e que se ele quisesse editar poderia entrar em contacto com eles – ou seja, nem se lembravam que ele já tinha um contrato de edição).
Dizia eu, essas editoras já nem apanham aspirantes a escritores,...
Apanham é os tansos…
Published on April 07, 2015 08:35
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