Bailhinhos
A partir daqui são os bailhinhos. Pelo Carnaval, cerca de 60 grupos de teatro amador percorrerão a ilha fazendo rir o povo. Hão-de perfazer muitos deles para cima de vinte actuações, até trinta, e pelos mais de 50 palcos da ilha, incluindo Sociedades Filarmónicas e Casas do Povo, centros sociais e casas de repouso, desfilarão perto de 1500 pessoas, dançando e rindo de acordo com guiões que se renovarão a cada espectáculo.
São números impressionantes, se tivermos em conta que não vivem aqui mais de 55 mil almas. Chamam-lhe “a maior tradição de teatro amador do mundo”, de acordo com a habitual tendência solipsista das ilhas, e o público é quase todo caseiro. Apesar disso, será difícil conseguir um lugar sentado em qualquer um desses auditórios, e em muitos deles revelar-se-á mesmo impossível entrar.
Cá fora, estará a chover. Lá dentro, ergueremos o queixo à procura de oxigénio. Estaremos juntos. Contra os terramotos e as tempestades. Contra a depressão económica e a morte.
E toda essa gente começa a ensaiar aqui: dançarinos, actores, músicos. As costureiras talham os primeiros trajos. Os curadores estabelecem os primeiros contactos. As famílias fazem os primeiros planos para a mesa, a extensa oferta de comes e bebes para que todos contribuem, e de cuja qualidade depende também o desejo de cada grupo de visitar determinado lugar.
As namoradas dos artistas começam a combinar como irão desempenhar o papel de acompanhar. Serão groupies.
Há dois anos, ocorreu-me organizar, na Internet, uma votação sobre as melhores danças do ano. Houve protestos, mesmo dos vencedores. No Carnaval da Terceira, não há vencedores nem vencidos. Não há sequer bons e maus. Estamos juntos.
Diário de Notícias, Dezembro 2014


