Salvação pelas flores

IMG_7921.JPGTêm-nos visitado muitos amigos. Instalam-se cá em casa, espalham-se por residenciais, partem e voltam das outras ilhas com a Terceira como base. A certa altura já nem sei o que mostrei a cada um deles: acontece repetir-me. Assinalam-mo, divertidos. Mas nunca quando lhes mostro as flores. Gostam sempre que os leve a ver as flores.


Na Primavera abrem gladíolos e begónias, petúnias, crisântemos e glicínias. Pelos Santos desabrocham as hortênsias, cada uma de sua cor, consoante a acidez da terra que lhe tenha cabido. A seguir florem as buganvílias, anunciando o fim do estio – todos os tipos delas, em cacho ou caule fora. No Outono chegam primeiro as beladonas e depois as camélias: vermelhas, brancas, riscadas segundo todos os tipos de padrão. O Inverno começa pelas magnólias e extingue-se, enfim, nas azáleas – e de cada vez que um temporal, ou uma seca, ou outro sobressalto meteorológico abrevia o ciclo de uma delas, logo a terra se esforça por socorrer a poesia, fazendo acudir os hibiscos, o jasmim ou apenas os mantos infinitos de erva azeda, progredindo por quintais e cerrados como sangue exultante de desejo.


Temos sorte: Angra foi durante séculos porto de escala para os navios vindos da Índia e da América, do Brasil e de África. Inflectiram-se os costumes, democratizou-se a terra e diversificou-se a botânica. Charles C. Mann explica-o muito bem em 1493.


Se um dia voltar a partir, nada me fará tanta falta como as flores. No fim, só a terra pode redimir-nos. As flores são a sua cruz, o seu escapulário e a sua guilhotina.


Diário de Notícias, Novembro de 2014

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on November 20, 2014 01:50
No comments have been added yet.