BUM! &nbs...
BUM! O tiro fez-se ouvir pelo campo aberto, o eco nos ouvidos dos presentes dispersou os pássaros assustados e susteve as respirações, ao mesmo tempo que reivindicava a atenção. Um tiro em pleno dia de sol, entre as flores rebeldes e vistosas da Primavera, entre os passeios lânguidos que surgem depois do Inverno. Um cão ladrou, seguido por outro, os primeiros a reagirem ao susto, dando o alerta aflito de que algo estava fora das normas rotineiras. Os transeuntes, assim que recuperaram do choque, olharam para os seus, de coração num aperto que espera o pior, para confirmarem se tudo continuava bem. Soltam o ar, aliviados por terem as suas vidas intactas, pois, embora nenhum dos presentes alguma vez tivesse presenciado o som de um tiro real, sabiam do que se tratava. Era inconfundível: seco e explosivo, assustador. No meio do alívio que surgia tão depressa quanto o tiro, Pedro sentiu o susto transformar-se em medo, o qual, em breve, seria substituído por uma tristeza que lhe esmagaria o peito, sufocando-o nas noites curtas de Verão. Observava com carinho a filha de 9 anos, que corria alegre pelo campo, encantada com as cores vivas que brotavam a seus pés. O vestido novo tinha pássaros azuis bordados no fundo branco e parecia implorar ao sol que os privilegiasse com o calor há meses esquecido. O estouro repentino levou a menina ligeira a parar, de olhos postos no chão, enquanto a maioria das pessoas olhava para o céu, em busca da fonte de tal impacto. O pai percebeu imediatamente que algo não estava bem. E, sem necessitar de ver a mancha vermelha que crescia no vestido novo, correu na direcção da menina loira entre as flores amarelas. O nome fugiu-lhe dos lábios, no profundo grito da tragédia, captando a atenção dos estranhos. O corpo frágil cambaleou e caiu. Assim que embateu na terra húmida, Pedro ajoelhou-se a seu lado e puxou-a para os seus braços desesperados. Os olhos sem vida focavam o céu, mas nada viam, e o rosto suave recebia as lágrimas ferozes daquele que deixava para trás. O sangue quente tingia as flores e manchava as mãos que a seguravam, na tentativa vã de a conservar à vida. O destino decidira. A aflição dolorosa daquele pai era a tranquilização sombria dos restantes.
Published on March 04, 2014 06:45
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