Ma-ma-mas... (minha experiência com o horror)*
Quebrando o gelo de o que, 3 anos?, finalmente voltei a assistir filmes de horror. Mama, especificamente, que foi produzido pelo Del Toro e escrito por um casal que não lembro o nome. Não gostei muito, mas talvez eu tenha, digamos assim, perdido o jeito com a coisa.
Não parei de vê-los, os filmes de horror, por algum motivo interessante como talvez um trauma seria interessante, mas simplesmente porque, bem, enchi o saco. Sacumé: um dia qualquer você enjoa, perde a paciência, esse tipo de coisa. Foi o que aconteceu.
Minha história com o horror, a princípio com filmes e posteriormente com livros e quadrinhos, tem início na primeira metade dos anos 90: minha mãe, que à época devia ter cerca 21 anos (ela engravidou muito cedo), era viciada em filmes de horror. Como meu pai não era muito chegado em filmes — exceto quando se tratava de algum lançamento do Van Damme —, e minha irmã era muito nova para servir de companhia para qualquer coisa, eu acabei sendo sua única companhia durante as sessões noturnas de filmes que passavam na TV aberta e, mais tarde, nos que alugávamos na locadora do Crê — que ainda resiste bravamente numa época em que quase todo mundo prefere comprar ou baixar filmes.
Bom, eu insistia em ver com ela (vocês sabem como são as crianças), e ela, a princípio, relutava em permitir, argumentando que depois eu teria problemas para dormir e coisas do tipo, mas ao final acabava cedendo — mais tarde descobri que pelo nobre motivo de não ter coragem de assisti-los sozinha.
Mamãe tinha razão em não querer que eu os assistisse. Minha imaginação nunca foi algo que possamos considerar “padrão” — e ouso dizer que isso tem lá sua razão de ser, a começar pela criança solitária que fui durante boa parte da infância, e crianças solitárias tendem a criar e viver em seu próprio mundinho, moldar um pouco as coisas, talvez desajeitada e exageradamente, às vezes até em excesso. Ocorre que eu assistia os filmes e, tchã-rã!, passava dois ou três dias sem dormir direito. Eu não tinha meu próprio quarto na época, e nos apertávamos todos no quarto dos meus pais, minha irmã e eu numa cama beliche, eles dois ao lado, na cama de casal e, no meio da noite, eu costumava perguntar “mãe?” a cada 10 minutos, até que ela respondesse, provavelmente dormindo.
E foi assim: cresci vendo filmes de horror, depois parti para os quadrinhos — lembram da revista Cripta? Eu dei um jeito de colecioná-las mesmo morando onde o Judas perdeu as botas, e ainda lembro de algumas histórias perturbadoras e excelentes que li por lá, e que talvez nem fossem tão boas assim e essa impressão seja causada, hoje, pelo floreamento que minha imaginação causou em virtude da distância entre o então e o agora — e, naturalmente, os livros. O primeiro autor que me caiu em mãos? Stephen King, claro, em uma edição de O Cemitério em papel jornal velha como o diabo e que possuía uma capa pavorosa.
Esta capa pavorosa:
Depois vieram os games de survival horror e já era a segunda metade dos anos 90. Joguei todos que me caíram em mãos, continuei lendo, colecionando e até criei o hábito de anotar num caderninho o nome do filme, ano de produção, diretor e sinopse. O passo seguinte foi escrever histórias. Eu já queria ser escritor naquela época, mas toda minha produção artística se limitava a um ‘livro’ escrito na quarta série (mais detalhes aqui), um roteiro para quadrinhos não escrito (eu ditava a história para um amigo, que desenhava e me entregava, eram aventuras imaginárias de nossa própria turma – eu já tinha uma turma nessa época, a primeira) e algumas letras de música para a minha primeira banda de rock (Legionários, com Alê, nos vocais; o Mago, na guitarra solo; Jó, nos teclados; eu, na guitarra base, e Mineleza na... flauta — nunca tivemos um baterista e ninguém queria tocar contrabaixo. A flauta? Bem, Mínelo queria entrar na banda de qualquer jeito e alguém teve a ideia de colocá-lo para tocar flauta).
Meu primeiro conto de horror propriamente dito, portanto, só veio depois de todas essas coisas. Chamava-se “Uma noite maravilhosa e um assombro” (título chupado de um livro Mórmon) e teve sua origem num sonho recorrente que eu tive e do qual só consegui me livrar escrevendo. Gostei do resultado final, os amigos também, consequentemente outros contos vieram — uma enxurrada, na verdade —, e, após receber uma carta encorajadora, que ainda guardo comigo, de um editor que até hoje procuro, em vão, na internet (Dentre outras coisas, dizia: “Eu nem me daria o trabalho de responder essa carta se não enxergasse em você um escritor talentoso...”), meu pai se animou o suficiente para me dar de presente de aniversário a minha primeira máquina de escrever, uma Olivetti ET Personal 50. Com ela, escrevi pilhas e pilhas de contos, poesias e até dois romances (Carnificina e “Feche os olhos, e grite o máximo que puder...”, títulos que eu tirava sabe lá de onde), os quais tentei publicar em tudo quanto é lugar (cheguei a enviar para revistas especializadas em cinema de horror e para a Playboy, tamanha era a minha desorientação). Algumas revistas e sites responderam com uma frieza glacial, a maioria ignorou meus contos sumariamente, e a única vez que obtive um retorno positivo foi quando a improvável revista Cinemonstro, creio que em 2004, me enviou um email falando que a publicação do meu conto seria discutida numa reunião do conselho editorial (um email que imprimi e que guardo até hoje).
Não cheguei a ser publicado. Descobri mais tarde que a revista havia sido cancelada pouco depois que eu recebi o tal email, e foi fim da literatura de horror para mim. Quero dizer, o fim, naquela época, daquela fase. O que fiz então? Reuni meus textos favoritos num envelope lacrado que dei a Mínelo e pedi que guardasse e só me entregasse em um futuro distante (que aconteceu em 2009, um futuro não tão distante assim), e queimei todo o resto, incluindo os romances.
Não, eu não me arrependo. É verdade que sinto falta de algumas histórias e gostaria de relê-las com a perspectiva e o distanciamento que tenho hoje, mas não me arrependo amargamente ou me condeno por causa disso. Não. Fiz o que achava necessário, entrei em uma nova fase criativa, digamos assim, com textos e temáticas que eu, ingenuamente, considerava mais ‘sérios’ e ‘maduros’. Essa decisão coincidiu com minha entrada na faculdade de Letras e meu contato com academiloides babacas para os quais literatura só é aquilo que a crítica especializada já cansou de boquetear. Você sabe do que eu estou falando: o cara para o qual você diz que gosta dos livros de King, Tolkien, e ele entorta a boca, depois começa uma aula sobre talvez Guimarães Rosa, talvez Faulkner, citando todos os críticos e teóricos que ele conseguiu estudar superficialmente nas aulas de Teoria Literária ou algo que o valha.
O tempo passou, flertei com vários gêneros literários, voltei timidamente para o horror (cheguei a escrever para o teatro uma peça gótica chamada Vampíria, que obteve uma excelente recepção da plateia e me rendeu convites para festivais) e depois passei um tempo na fantasia — que é mais ou menos onde me encontro hoje, apesar de arriscar dizer que meus últimos contos e até meus dois romances inacabados passeiam com as patas de uma aranha que se mantêm uma na fantasia, outra no erotismo, uma terceira no humor e daí por diante.
Minha criação literária diminuiu MUITO depois que passei a usar internet — em 2005 — e esse é, atualmente, meu principal percalço: sou dispersivo por natureza, me viciei em internet e fico extremamente improdutivo e desconcentrado quando tento fazer qualquer coisa no computador. Paradoxalmente, não quero abrir mão da ferramenta, não por enquanto, e sim aprender a dominá-la de modo a facilitar meu trabalho.
Os filmes de horror? Verei outros essa semana. Os livros? Talvez tenha esquecido de mencionar, mas eu não larguei minhas leituras (consigo sentir prazer tanto com Dostoiévski e Tostói, quanto com Stephen King e Clive Barker).
E quanto aos escritos? Bem, no momento não há nenhuma história assustadora que eu tenha para contar. Mas isso é agora, hoje, amanhã talvez seja diferente.
* Nota:
Não tão antigamente, a palavra “terror”, para nós, tinha um significado (vampiros, monstros, fantasmas) totalmente diferente do que tem hoje, após o 11 de setembro. Para evitar relações com o terrorismo, optei pelo termo “horror”, que nem me agrada tanto, mas que talvez represente melhor, hoje, algo que possamos relacionar a vampiros e lobisomens, e não a pessoas explodindo coisas.