Drive My Car

Filme de Ryusuke Hamaguchi, 2021 + conto de Haruki Murakami, Japão + música dos Beatles 1965, Inglaterra
“Baby you can drive my car, yes I´m gonna be a star, baby you can drive my car, and maybe I´ll love you.”
Drive My Car é um conto de Haruki Murakami, cujo título homenageia a canção de McCartney e Lennon. O autor japonês é fã de jazz e dos Beatles, e tem outra obra, Norwegian Wood com o mesmo título da música da banda liverpoolania. O conto, além do título, nada tem a ver com a música.
Paul McCartney declarou que drive my car era um eufemismo usado no blues para sexo. Assim que a música tem um duplo sentido. E embora o conto seja tecido em torno da relação entre o dono do carro e a motorista que, contrariado, ele é obrigado a contratar; e o sexo (não entre esses dois protagonistas), tenha uma presença importante no conto, as duas obras nada têm em comum em termos de conteúdo, clima e profundidade.
O conto curto de Murakami foi adaptado para a tela grande pelo diretor Ryusuke Hamaguchi, resultando num filme de quase três horas de duração. A obra beira a perfeição durante duas horas e quarenta minutos.
A trama intricada que fala sobre traumas e intimidade e sobre o mistério nas relações, é construída meticulosamente, tendo em paralelo os ensaios para a peça Tio Vânia de Anton Tchekhov. É incrível como o texto da peça russa do século XIX é integrado na trama e como ele se insere na exposição dos personagens e seus conflitos no Japão do século XXI. O fato de a peça ser apresentada em três idiomas diferentes, também remete à universalidade da arte, e cria, muitas vezes, um clima de Torre de Babel nos ensaios.
O trabalho de atores é de uma precisão e delicadeza tocante (especialmente todo o elenco feminino), e a direção de atores, a articulação das cenas e planos, é magistral. Não é de se admirar que o filme faturou o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, além de muitos outros prêmios. No entanto, algo acontece nos 20 minutos finais que coloca o carro dirigido por Hamaguchi na contramão de todas as qualidades mencionadas até aqui.
A partir do momento em que um dos atores de teatro é preso por espancar uma pessoa que acaba morrendo, o filme começa a empilhar drama sobre drama, desviando do ritmo e tom dominantes e pegando a estrada do melodrama exacerbado. As falas do roteiro sensível dão lugar a frases que lembram livros de autoajuda e isso afeta também o trabalho de atores que vinha sendo primoroso. A cena derradeira da apresentação teatral salva um pouco essa derrocada, mas o filme, sem essa derrocada, seria mais curto e absolutamente genial.
Drive My Car está disponível na Netflix, na Apple TV e no Canal Mubi.
O conto de Murakami se encontra no livro Homens Sem Mulheres, publicado no Brasil pela Alfaguara.