Cem Anos sem Kafka

No dia 3 de junho de 1924 o mundo perdeu Franz Kafka. Ou talvez tenha sido o contrário, o mundo ganhou Franz Kafka. Antes de sua morte havia publicado alguns contos em revistas literárias e em coletâneas, sem chamar atenção. Em seu testamento pediu a seu melhor amigo, Max Brod, queimar todos seus escritos e manuscritos, incluindo cartas, diários e bilhetes que escrevia em profusão. No dilema entre ser fiel à última vontade do amigo ou presentear o mundo com um legado artístico que julgava de valor incalculável, Brod escolheu a segunda opção.
Kafka deixou a vida aos quarenta anos. Era tubercoloso e estava internado em um sanatório, porém morreu de inanição. Chegou a um estágio em que sua garganta fechada tornava muito doloroso se alimentar, e na época não havia ainda a alimentação parenteral. Morreu editando sua última obra O Artista da Fome (que começou a escrever bem antes de não conseguir mais comer).
Em vida o autor parecia pouco se preocupar com fama ou carreira literária. O pouco que publicou foi por insistência e contatos do amigo Brod. Kafka se preocupava em escrever. Escrevia como quem estava em missão, ou como um viciado. E lia seus escritos para seu círculo de amigos.
Brod enfrentou inúmeros desafios na sua “missão” de trazer à luz a obra do amigo. Desde a organização dos textos, vários deles inacabados, passando pela estranheza de estilo e temas abordados que afugentavam as editoras. Mas o primeiro grande desafio foi salvar a obra e a si mesmo das garras dos nazistas. Em 1939 conseguiu fugir da Alemanha para a então Palestina, levando consigo na bagagem o tesouro literário. Viveu em Israel até 1968, dedicando-se à sua missão. É também um dos biógrafos de Kafka.
Kafka virou um ícone da literatura mundial. A estranheza de seus escritos acabou conquistando os leitores. As visões e alucinações e desejos e terrores que lhe habitavam a mente revelavam, vertidas em palavras, um mundo subterrâneo que existia por baixo da superfície de civilização e progresso que marcava o ocidente no início do século XX. Um mundo onde o indivíduo (tão valorizado pelo iluminismo) era insignificante frente ao “sistema” erguido pela mesma civilização, mero joguete de forças poderosas, como sentia-se o mais primitivo homem das cavernas.
Sua obra extrapolou a literatura e influenciou a cultura mundial. Sua maneira de ver o mundo revolucionou o nosso olhar. Basta ver quantos livros, filmes, peças e obras musicais tem o seu nome no título, ou referência ao seu legado. Kafkiano virou verbete de dicionário, usado por muita gente que nada leu do grande escritor. A Metamorfose, O Processo, O Castelo, América, Na Colônia Penal, Diários são algumas de suas obras que devem ser lidas.