O Problema dos Três Corpos

Livro de Cixin Liu, China, 2008 + Série, criadores D & D, EUA, 2024
Tão logo publicado no Brasil, o livro de Cixin Liu me chamou a atenção de cara, pela capa e pelo nome. Não havia ouvido nada sobre o romance nem sobre o autor, mas aquela capa, incluído o título, transmitia algo irresistível.
O romance inicia com narrativa impactante centrada no auge da revolução cultural na China, mostrando o quanto a política, aliada à ignorância, destroçou a comunidade científica.
Após uma elipse no tempo vai revelando personagens interessantes e fragmentos de uma trama que oculta mais do que revela, tecendo um suspense denso. Junta a isso um cabedal de ideias muito interessantes sobre a aparente ordem do universo que pode ser apenas uma ilusão de ótica e como, sobre essa ilusão, é construída toda nossa história de civilização.
A partir da metade do livro o estilo, a qualidade da trama e dos personagens cai rapidamente e o texto lembra a literatura pulp norte-americana sobre ataques de civilizações alienígenas mais avançadas e maléficas.
A sociedade do planeta trisolar, tão bem descrita através do jogo na primeira metade do livro, perde em densidade. O protagonismo se transfere de uma cientista obstinada para um policial grosseiro (e também obstinado). É difícil entender como uma narrativa inicial arrebatadora se perde tão radicalmente no meio do caminho. Em outras palavras, é um livro bipolar sobre um planeta trisolar.
Independente da minha opinião, o romance de ficção científica virou uma trilogia, rompeu as barreiras do gênero e da distância entre oriente e ocidente e tornou-se cult após a tradução para o inglês. Na China ele já havia estourado, pouco depois de sua publicação. O presidente Obama elogiou o livro e isso impulsionou-o ainda mais.
A Netflix comprou então os direitos de adaptação para uma série e contratou os showrunners de The Games of Thrones David Benioff e D.B Weiss, conhecidos como a dupla D &D. Vale mencionar que Benioff foi o roteirista também do inteligentíssimo, A Última Noite de Spike Lee. A eles juntou-se o roteirista Alexander Woo.
A Netflix investiu alto, não apenas na produção, mas na divulgação pré-lançamento, gerando enorme expectativa. A primeira temporada, com 8 episódios, acabou de estrear. A série inicia fiel ao livro, não apenas na trama mas na qualidade narrativa e da construção dos personagens. O primeiro episódio é absolutamente cativante e também o melhor. O que significa, que assim como no livro, a qualidade narrativa cai, mas por motivos diferentes.
O conflito principal é exposto bem cedo, no segundo ou terceiro episódio. O mistério da morte de cientistas sai de cena após a sua exposição e dá lugar a como lidar com a ameaça iminente (o iminente, no caso, significa daqui a uns 400 anos). O problema dos três corpos do planeta trisolar não é tão bem explorado como no romance, e a partir da metade, a série empurra a ficção científica para o pano de fundo e vira uma espécie de Friends. Ou seja, foca na relação entre cinco amigos, todos cientistas, que acabam se envolvendo na luta contra a ameaça iminente.

Como em Friends, os personagens são queridos, geram empatia, assim como os relacionamentos que os envolvem, mas a série perde em profundidade. Inclusive os elementos visuais seguem essa pegada: a direção de fotografia e os efeitos especiais se apresentam muito interessantes no início da série, e vão perdendo a originalidade do meio para a frente. A direção de arte se mantém impecável ao longo de toda a temporada.
Em resumo, a obra não corresponde às altas expectativas criadas em seu entorno, mas igual, é uma série boa de assistir que promove, ao lado de elementos de entretenimento, ideias interessantes e algumas reflexões.
Uma curiosidade: Obama foi convidado para uma participação especial na série, mas recusou. Sua resposta: “Caso haja uma verdadeira invasão alienígena, prefiro resguardar a minha participação para essa crise.”
Os oito episódios já estão disponíveis na Netflix. Caso queria dar uma olhada no livro, clique abaixo.