Morte Matada

Se um dia uma nova civilização for estudar a vida humana com base nos filmes e principalmente nas séries dos últimos quarenta anos, chegará à conclusão de que a grande maioria das pessoas morria de morte matada, como se diz, e não de morte morrida.
Guerras e assassinatos liquidavam a maior parte dos humanos e pouquíssimos faleciam de doenças e menos ainda de velhice. Viver era uma aventura perigosíssima, em cada esquina poderia estar espreitando um serial killer, uma gangue, ou um exército conquistador sedento de sangue. Talvez cheguem à conclusão de que o ser humano desapareceu, após o último serial killer ter enlouquecido de vez ao constatar que não sobrou mais ninguém para sequestrar/torturar/matar e se auto imolou com um uivo dilacerante.
O que explica esse fetiche pela morte matada no audiovisual? Fetiche que não encontra paralelo em outras expressões artísticas, ao menos não nessas proporções. O que explica haver uma série cujo protagonista é um serial killer bonzinho, que só mata serial killers, ou uma franquia de filmes em que o assassino seriado é também um canibal?
Para tentar responder a isso haveria de se criar um grupo de estudos ultra multidisciplinar. O que não deixa dúvidas é que o sucesso de Dexter, Hannibal e outras obras parecidas se constituem num excelente campo de estudo sobre os humanos nessa época do final do século XX e início do XXI. Principalmente provocando o questionamento se a arte é um meio de sublimação da violência latente do homo sapiens, ou se ela inspira e atiça os piores instintos que milênios de civilização (não) conseguiram esconder.
Seja o que for, talvez essa futura civilização que nos estude a partir de filmes e séries e chegue à conclusão que quase todos morriam de morte matada, entenda o homicídio como uma ferramenta de equilíbrio, de controle do maior predador da terra sobre si mesmo. Neste caso, os supervilões serão considerados heróis e os policiais que os perseguem e atrapalham seus serviços serão os malvados.
E Dexter, um assassino em série de assassinos em série, que trabalha como especialista forense na polícia de Miami, seria a chave para decodificar a triste mensagem: o ser humano é um exterminador em série.