Elis e Tom – Só Tinha de Ser com Você

Filme, direção de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, Brasil 2023
Elis e Tom – Só Tinha de Ser com Você, documentário que fui ver com uma expectativa enorme, pelos seguintes motivos:
A canção Águas de Março, na versão de Elis e Tom é extraída desse disco, e o “clip” que virou um clássico-cult, é um plano sequencia do material que foi filmado na gravação do disco, base para o filme atual. Não apenas a música é absolutamente maravilhosa, como a filmagem do dueto é sensacional e te deixa curioso para ver o antes e depois daquele momento único em que músicos, cantores e câmera atingem em sincronia a perfeição.
Um dos diretores do filme é o Jomico, o Jom Tob Azulay (nome que é corruptela de Iom Tov que significa, em hebraico, bom dia), diretor do esplendoroso Doces Bárbaros (1976), documentário musical no estilo cinema direto que me marcou profundamente quando o assisti com estudante de cinema. Jomico era estudante de cinema na UCLA quando Elis e Tom foi gravado e ele constituiu virtualmente 50% da equipe de filmagem, captando o som direto. A outra metade era Fernando Duarte, o diretor de fotografia que operou a câmera 16mm e que seria o DF também em Doces Bárbaros.
O filme A Música Segundo Tom Jobim de Nelson Pereira dos Santos que para mim é um dos grandes filmes brasileiros de todos os tempos.
Além dessas três referências, havia ali o encontro de dois gigantes da música que eu admiro muito. Em outras palavras, eu esperava sair do cinema absolutamente embevecido. Acontece que essa expectativa alta, acaba sendo uma armadilha. Há elementos no documentário, há momentos no filme que valem muito a pena ter ido assistir, mas esses elementos não se juntam numa obra completa. Ou seja, o impacto positivo é devido a esses momentos e, portanto, um impacto fragmentado.

Acredito que um dos problemas do filme é a falta de um conceito central, de um olhar autoral. Ele nasceu inicialmente como um registro, ideia de Roberto Oliveira, empresário de Elis que articulou junto com a gravadora esse disco de encontro de Elis com o Tom. O material filmado foi editado para uma promo que passou na TV bandeirantes na época do lançamento do disco e dos dois shows que aconteceram no Rio e em São Paulo em 1974. Também foi usado sendo inserido em outros trabalhos e o seu extrato mais visto é o sensacional clip de Águas de Março. Mas grande parte do filme ficou na lata, por quase meio século, até que Roberto decidiu que era hora de fazer o filme sobre esse encontro, com toda a perspectiva histórica.
Ao material original foram acrescidos outros materiais de arquivo das carreiras dos dois e um grande número de depoimentos. Os depoimentos testemunhais (dos músicos que tocaram, do empresário da gravadora na época) são ótimos, os depoimentos de análise e contexto parecem explicativos demais e os vários depoimentos que dizem o quanto cada um deles era genial são completamente desnecessários. Esse acumulo de elementos de entorno acaba esmaecendo a qualidade das filmagens do nascimento do disco nesse dueto de titãs. E frustrando o interesse do espectador.
E ainda assim, não dá para deixar de ver o filme. Os momentos (raros de se ver em outros filmes musicais) de composição dos arranjos, dos ensaios, das tensões criativas e soluções mostram uma Elis movida à música, literalmente, e uma dinâmica entre ela, Tom e Cesar Camargo Mariano que é pura manifestação da magia que a arte contém, e que nem os próprios artistas sabem explicar. Mas magia a gente não explica. Apenas tira da cartola.