Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

Livro de Marçal Aquino, Brasil 2005

Eu conhecia o trabalho de roteirista de Marçal Aquino, principalmente em dois filmes que gosto muito, Os Matadores e O Invasor de Beto Brant. Há horas estava curioso para ler um de seus romances e o impulso final surgiu com a censura de um deputado (não precisa falar de qual corrente) que reclamou por Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios constar no vestibular da UniRV de Goiás. O livro é pornográfico, vaticinou ele, portanto, inadequado. A universidade não concordou com a avaliação do deputado sobre a obra, mas mesmo assim retirou-a da lista de leituras para o vestibular.

Na novela de Aquino duas histórias de amor nada convencionais conduzem a narrativa. Uma delas é narrada para o protagonista na pensão onde ele vive, a outra é narrada pelo próprio protagonista. A primeira é uma incrível história de amor platônico, ou algo parecido com isso, a segunda é muito bem definida pelo título do primeiro capítulo: O amor é sexualmente transmissível. O cenário das histórias é uma cidadezinha amazônica no fim do mundo, erguida em função do garimpo, um local impregnado de tensão, violência e fracasso. O fracasso envolve os personagens como uma fragrância pegajosa.

A escrita de Aquino é pulsante, como as histórias que compõem esse “ensaio” sobre o amor radical e suas consequências. A obra é lida em um só folego, porém deixa resíduos para reflexão por vários dias. De quebra, é um livro que rompe preconceitos, o que deve ter incomodado o deputado e sua turma, mais do que as descrições de alta voltagem dos atos de amor que ele considerou pornográficas. Há uma interessante mescla no tratamento dos personagens, parecem estereotipados por um lado (o pastor, a ex-prostituta, a dona de pensão, o fotógrafo aventureiro, etc.), mas surpreendem pela originalidade e complexidade ao longo de toda a obra. Há algo de Graham Greene na elaborada construção desses personagens e seus conflitos a partir de arquétipos.

Em 2012 o livro foi adaptado para o cinema, com direção de Beto Brant e Renato Ciasca e roteiro, obviamente, de Marçal Aquino. A editora é a Companhia das Letras que reagiu ao ato de censura com um novo impulsionamento de vendas da obra de 2005, com sessões de autógrafo e debates. É incrível o quanto o cenário de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios segue atual. Se você quer fazer a sua parte na reação à “censura”, ou simplesmente usufruir de uma boa leitura, clique abaixo:

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Published on June 29, 2023 05:33
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