Dos objetos que precisam ser inventados: o falatório
Sou uma pessoa de ranços e rancores. Toda discussão que tenho, todo comentário imbecil que leio e todo argumento mal-ajambrado que escuto me ressoam dias a fio. Anos até. Tem um ou outro que já estão se apresentando para o serviço militar obrigatório.
Mas a maioria é esquecida, ainda bem.
A profissional paga para me escutar me diz que preciso transformar “essa energia” em algo mais produtivo ou criativo. Ela deve pensar em arte-terapia ou uns textinhos em blogues; eu penso em fazer aulas de kung-fu ou defesa armada. Ou comprar um taco de baseball mesmo. Tanto faz.
Confesso que escrever ajuda e comentar comentários em redes sociais tem sido meu hobby. Só que é pouco produtivo. Meus rancores com o mundo corporativo me renderam um livro (e talvez um segundo em andamento); meus desamores, umas centenas de textos; minhas frustrações como pai e parente, uma série de cartas para a filha (e algumas para o filho, em andamento).
Só que nunca produzi material suficiente sobre a imbecilidade digital.
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Esse enorme nariz (comparável com o meu próprio) não é para reclamar que à direita (e à esquerda) as pessoas falam/escrevem merda. Nem das mentiras, desinformações, desonestidade intelectual, cherry picking e outros animais argumentativos ruins (ou maus mesmo) que abundam e afloram por todos os lados. Ninguém está isento de encontrar ou produzir um desses bichos. Nem eu, claro. A questão é realmente o que faço com esse desconforto; é uma questão interna mesmo.
Daí caiu a ficha. Sempre que entro no banho ou começo uma atividade repetitiva (tipo lavar louça, varrer a casa, etc.), vem a resposta ou um texto “inteiro” sobre o assunto que me incomoda no momento. A assombração é exorcizada em palavras, cadência e verbo. Claro que dá para largar tudo e ir para o computador e escrever. Dá até para pegar o celular e anotar as ideias. Ou mesmo ter um caderninho pendurado a tiracolo o tempo todo e anotar na hora, com as mãos cheias de sabão ou gordura. Não, né?
Também dá para ditar para o celular ou para um gravador os pensamentos, já os ordenando para ficar mais fácil a escrita no fim. Dá, sei que dá. Não faço.
Sei que tem várias ferramentas que me auxiliariam, mas a sensação é que nenhuma se compara com o momento de sentar à frente de um teclado e escrever. Nada se compara a reservar meu tempo para formatar bits e bytes na ordem que preciso para passar meus pensamentos.
Enquanto não inventam uma máquina de datilografar movida a pensamento ou um dilatador de tempo portátil, fico exercitando a disciplina e o Tetris da minha agenda.
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Para quem acompanha o blogue, tanto a disciplina quanto minha organização de tempo têm falhado absolutamente (pelo menos para escrever, criar ou desabafar). Porém, as perturbações continuam. Recentemente resolvi “debater” com uma pessoa que colocou em seu mensageiro eletrônico um banner sobre as recentes manifestações fascistas em Brasília. A favor. Obviamente isto rendeu vários “textões” que foram respondidos com um educado “discordo” e ponto final.
É direito daquela pessoa falar isso, afinal de contas. A pessoa pode realmente achar que estamos sob uma ditadura de esquerda; que o STF roubou as eleições (as de agora, claro; as de 2018 foram certinhas); que há uma trama entre o congresso, o judiciário e os meios de comunicação para implementar o projeto do Foro de São Paulo. Todo mundo tem o direito de ter suas convicções, ainda que totalmente desvinculadas da realidade. Tem maluco para tudo no mundo.
O ponto é que isso me irrita. Novamente, a pessoa tem nada a ver com a minha irritação; este é um problema meu; e já disse que a melhor forma de expurgar essa irritação é transformar em texto. E o ideal seria na hora que bate a irritação. E o maravilhoso seria sem me tomar um segundo do meu tempo. Daí vem o desejo por algo que conseguisse canalizar essa fúria momentânea, essa irritação passageira. Sim, porque sempre passa, se esvai sem deixar rastros ou aprendizados. É esse o problema.
Então, se inventassem esse dreno da minha fala furiosa, eu poderia olhar para o objeto, o texto ficaria pronto e seria espalhado aos sete ventos e quatro mares (ou algo assim).
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Pensando bem, melhor que não exista. Melhor saber que é preciso mais que a fúria para algo se manifestar. Que o discernimento é um filtro que funciona no frio, não no fervor da raiva.
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