A Chegada + História de Sua vida

Filme de Denis Villeneuve, 2016 + conto de Ted Chiang, 1999 – EUA.

O encontro entre humanos e alienígenas talvez seja o tema mais recorrente na literatura de ficção científica. E não só nela. Volta e meia, ovnis e extraterrestres aparecem em noticiários e programas investigativos; em Eram os Deuses Austronautas, Erich Von Daniken apresentou a tese de que relatos bíblicos e de outras mitologias descrevem a visita de civilizações mais avançadas ao nosso planeta, causando grande furor. O tema abre espaço ilimitado para a imaginação, mexe com desejos e medos atávicos na busca incessante por um sentido na nossa existência.

Em História de Sua Vida, Ted Chiang, escritor norte-americano, aborda esse encontro com muita originalidade. Há mistério, mas não há pânico nem violência. Quem conduz o contato não é um líder político ou militar, é uma linguista que, junto a uma equipe multidisciplinar, tem a missão de estabelecer comunicação e desvendar o objetivo da visita dos heptapódes à terra. Descobrir isso é de suma importância para as autoridades, mas não é para o livro. Ao tentar se apropriar da linguagem heptapoide, na qual o idioma falado e escrito são muito distintos, Louise começa a pensar como eles, percebendo o tempo de forma não linear e a sucessão de eventos não como causa e consequência. Essa capacidade irá mudar completamente a sua vida, principalmente a comunicação com sua filha.

Louise – Amy Adams – e a escrita circular dos heptapódes.

Ao adaptar o conto, o cineasta Denis Villeneuve estabelece para si um desafio e tanto. Há muitas ideias e ciência no texto de Chiang, fáceis de serem desenvolvidas numa narrativa escrita, nem tanto na linguagem audiovisual. O filme toca de leve no paradoxo entre o livre arbítrio e o determinismo,  simplifica e abrevia o manejo de Louise na troca de conhecimentos com os alienígenas. Villeneuve adiciona a ameaça iminente de guerra e violência, inexistente no livro, para adensar a carga dramática e revela, ao final, o objetivo da visita dos extraterrestres, propositalmente ignorado no conto. No terreno das ideias explora a hipótese de Sapir-Whorf em que línguas diferentes moldam diferentes percepções de mundo, o que explica a mudança em Louise. Por outro lado, estrutura a não linearidade da narrativa de maneira mais sofisticada que Chiang; dá maior substância à personagem Hannah, filha de Louise, e aos dois alienígenas. E, acima de tudo, cria uma estética muito especial que expressa o tom solene dos encontros entre a dupla de humanos e de heptapódes. Estética construída pela fértil imaginação da direção de arte, pelo trabalho de luz e efeitos especiais, com destaque para a animação da linguagem escrita dos visitantes e, especialmente, pelo desenho de som. Este desempenha, discretamente, uma função dramática muito importante, trazendo à tona o estado emocional dos personagens e pontuando de forma genial as barreiras e avanços na comunicação – o principal conflito da obra. Merecidamente, o filme ganhou o Oscar de melhor edição de som em 2017.

Conto e filme são duas obras interessantes. O conto, acredito eu, fala mais aos corações dos fãs de ficção cientifica; o filme provavelmente agrade um público mais amplo. Ambos usam a visita dos alienígenas para apresentar ideias e dilemas bem terrenos, mas que dão um nó em nossos conceitos e padrões de pensamento. A Chegada pode ser visto na Netflix, no Now e na Globo Play Filmes. O conto pode ser lido na coletânea História de sua Vida e Outros Contos, publicado no Brasil pela editora Intrínseca.

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Published on September 02, 2021 07:39
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