Aura

Livro de Carlos Fuentes – México – 1962.
Aura é uma novela curta ou um conto longo que Fuentes escreveu em cinco dias a partir de um lampejo. Estava em um encontro com uma jovem em Paris e, ao se movimentar, a moça passou por uma luz que a transformou, num átimo, em uma anciã. Essa súbita mudança acendeu a imaginação do escritor. Como dizia Fellini, luz é tudo. Mas ele se referia ao cinema, não à literatura.
Desse fenômeno metafísico chamado inspiração nasceu uma obra estranha e enigmática, identificada por muitos como precursora do realismo mágico, o movimento que gerou o boom da literatura latino-americana nos anos 1960 e 70. De fato, Fuentes foi um dos autores agenciados pela lendária Carmen Balcells, mentora empresarial desse boom, formando o quarteto fantástico ao lado de García Márquez (Colômbia), Vargas Llosa (Peru) e Cortazar (Argentina).
“Você lê esse anúncio: uma oferta assim não é feita todos os dias. Lê e relê o anúncio. Parece dirigido diretamente a você, a ninguém mais. Distraído, deixa cair a cinza do cigarro dentro da xícara de chá que estava bebendo neste café sujo e barato…” Desde as primeiras linhas surge um estranhamento, fruto da escolha inusitada por um narrador em segunda pessoa. O tempo verbal da narração reforça esse estranhamento, alternando presente e futuro do indicativo. “… Você viverá esse dia como os demais dias, e não voltará a se lembrar dele senão no dia seguinte, quando senta-se novamente na mesa do bar, pede o café da manhã e abre o jornal.” Essas duas escolhas criam, de cara, uma relação peculiar entre narrador e personagem, narrador e leitor e, por consequência, leitor e personagem. A natureza dessa relação sugere várias interpretações, assim como os fenômenos desencadeados com a entrada de Felipe no antigo casarão do centro da cidade para responder ao anúncio. Ele entra e dali não sai mais.
A trama se desenrola em três dias e, embora o fio condutor seja o mistério, não há desfecho com a sua solução. As chaves dos enigmas que se apresentam apenas abrem portas para novos enigmas. O suspense é uma armadilha para seduzir o leitor, como o anúncio para atrair Felipe. Aura, mais que uma história de amor, é uma história de desejo, que confronta e amalgama morte e vida, juventude e decadência, sensualidade e abandono. Cria um impossível triangulo amoroso entre quatro personagens e, de quebra, fala de identidade ou de como essa identidade se transmuta no tempo. O tempo, em Aura, é o ponto de luz que criou o lampejo no mundo real. Não é de se admirar que a luz tenha um papel tão importante no texto, na construção do clima barroco e na simbologia do contraste entre o oculto e o visível.
Em 2001, quase quarenta anos após a sua publicação, a novela ganhou novo sopro de vida editorial. O então ministro do trabalho, Carlos Abascal, decidiu que Aura era inadequada para sua filha de quinze anos e protestou junto à escola que afastou a professora responsável pela leitura em aula. O motivo apontado: o parágrafo que descreve Felipe e Aura fazendo amor sob uma imagem de Cristo. A polêmica inflamou detratores e defensores, mas principalmente reacendeu o interesse pelo livro. Ao ser questionado, Fuentes evitou entrar na disputa, apenas observou que transar, tendo uma imagem de cristo acima da cama, era bem corriqueiro nos lares mexicanos e agradeceu a Abascal por ter impulsionado as vendas de Aura. “Foram mais de vinte mil cópias vendidas em apenas uma semana. Eu e meu editores adoramos”, brincou.
Sexagenária, Aura permanece uma obra jovem, de olhos verdes fulgurantes, e cheia de mistérios. Carlos Fuentes faleceu em 2012, aos 83 anos, deixando uma obra profícua. A jovem professora demitida, Georgina Rábago, é atriz e segue fazendo leituras dramáticas de textos literários entre seus trabalhos.
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