O Estrangeiro

Livro de Albert Camus – França – 1942.

A primeira vez que li O Estrangeiro eu era adolescente, vivia intensamente a fase de grandes descobertas. Desde as primeiras linhas do texto percebi que estava diante de uma dessas revelações. Percebi que era possível ser profundo mesmo num texto curto, abrir comportas que se estendiam acima e abaixo das frases lacônicas, do perímetro das poucas páginas, pouquíssimos personagens e quase nada de trama. Entendi que era possível trabalhar a identificação através do distanciamento, tocar acordes dramáticos por meio de um protagonista apático que, antes de conduzir a história, parece ser conduzido por ela (será?). Descobri que é factível, usando frases curtas e secas que descrevem principalmente a ação, enveredar pela psicologia e filosofia de uma vida banal, atropelada por um evento que embora extremo, é cercado, antes e depois, pela trivialidade. E que o sujeito que conseguiu amalgamar tudo isso, em seu primeiro livro, era um gênio.

Infelizmente, o gênio morreu aos 47 anos. Desde jovem, sofria de tuberculose e, não raro, sentia sua vida ameaçada nas crises. No entanto, ele a perdeu num acidente de automóvel, numa viagem que pretendia fazer de trem. Havia inclusive comprado as passagens, mas foi convencido pelo amigo Michel Gallimard a ir de carro com ele e a família. Camus, que refletia muito sobre a existência e o absurdo, disse certa vez que morrer por acidente automobilístico era a morte mais absurda. Seu personagem Meursault passa a ocupar-se de uma única tarefa a partir de sua sentença: pensar sobre a morte. E chega a conclusão de que não há nada lá fora. Não há um sentido para a vida, qualquer vida, não há nenhuma força que se importe com qualquer coisa que aconteça no mundo. E essa indiferença, essa apatia do destino afinal o consola, por identificação.

Ao reler esse clássico, décadas após a primeira revelação, mais uma descoberta: o texto nada perdeu em vigor ou atualidade.

O Estrangeiro foi adaptado para o cinema pelo mestre italiano Luchino Visconti (1970), inspirou a música Killing an Arab, do The Cure (1978) e, provavelmente, a letra de Rapsódia Boemia, de Queen (1975).

Camus, que não gostava de se enquadrar em nenhuma escola, grupo ou movimento, tanto nas artes como na filosofia, ganhou o Nobel de literatura em 1957. Escreveu peças de teatro, ensaios filosóficos e outras novelas. O Estrangeiro, no entanto, permanece sua obra-prima.

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Published on July 22, 2021 07:31
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