Espadas

Image for post

O tema era a Verdade. Aquela, aristotélica, com V maiúsculo.

Metade do círculo era cínica, não aceitava a Verdade Absoluta. A mente não lidaria com a Verdade Verdadeira, a única, total e poderosa; a língua era uma redução, um simulacro, uma mimetização, uma interpretação do todo. O Sol não se manifestava por inteiro na palavra e nos seus signos, nem a Lua, nem os Deuses. Esses eram apenas subterfúgios para que a gente entendesse o mundo ao redor. Desenhavam-se os signos nas paredes, nos megálitos e nos corpos de sacrifício, mas esses sábios sabiam que isto era parte da coisa, nunca a coisa por inteiro. Eram abertos à mudança, à diferença e à forma que “o outro” se refere às mesmas coisas. Tudo é aspecto do Todo.

A outra metade era gnóstica. A forma era a Verdade. Ela se manifestava através da dedicação, do estudo, da entrega e da prática. E há um método, uma rota e uma tradição para se trilhar. A manifestação do todo se dava por seus símbolos e não havia distância entre a Palavra e o Ser. O que é, faz-se manifesto na sua totalidade a cada frase, a cada sentença, porque tudo é da origem do Todo, tudo é Divino e Maravilhoso. A inspiração do novo era a manifestação dos Deuses ou das Musas, ou do alinhamento do Cosmos, nunca do indivíduo ou de sua dedicação. As mudanças vinham no compasso da epifania da tribo. Eram abertos à arte, aos louvores e ao gozo. Tudo é o Todo.

Uma terceira metade era romântica. Essa morria de tuberculose antes de terminar o pensamento. Eram abertos aos fins, aos ciclos e ao amor ao destino.

Outra metade era cientificista. A Verdade precisava ser comprovada e era atingível por tentativa e erro dentro de um paradigma. Quando esse paradigma se tornava obsoleto, um novo era proposto e colocado à prova. Os egos se digladiavam e guerreavam com palavras, números e ideias. O combate era contínuo e intenso: o universo contra quem pensa; a vida é um mistério que precisa ser conhecido, desmistificado e vivenciado. A boa luta começava por entender que não se conhece o adversário e o Todo é o alvo a ser atingido. Eram abertos às críticas na aparência, mas defendiam seus saberes com a força do ego e o ódio de quem tem a alma despedaçada.

E a última metade era de pessoas que só queriam comer um pedaço do animal morto e cozido na fogueira. Eram a maior metade e olhavam com fome para as coxas e barrigas dos demais sempre que a caçada era fraca.

Gradualmente a fogueira apagava, as histórias iam esfriando na mente e o céu brilhava indiferente às metades do homem que ali sentava sozinho.

Image for post#estacaoblogagem #espadas
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on November 14, 2020 03:36
No comments have been added yet.


A casa do Zander

Zander Catta Preta
Pensamentos esparsos de uma mente desconexa
Follow Zander Catta Preta's blog with rss.