Os Curtas no Oscar 2021

O Oscar em 2021 teve que se reinventar. A pandemia não modificou apenas a data e o formato da cerimônia de premiação, isso foi o de menos, mas fechou as salas de cinema no mundo inteiro durante quase todo o ano de 2020. Além disso, por vários meses, paralisou a atividade de produção audiovisual. Atividade que está sendo retomada, com maior ou menor intensidade, em vários pontos do planeta. Entre outras coisas, a Academia teve que abrir mão de uma de suas regras de ouro: filme concorrente ao Oscar tem de ser exibido, previamente, em um cinema de Los Angeles. O golpe duro da reclusão social na já combalida exibição cinematográfica acabou fortalecendo outros meios de distribuição, principalmente as grandes plataformas de streaming que nos “entregam” os filmes em casa, na hora que quisermos. Frances McDormand, ao receber a estatueta de melhor atriz por Nomadland, conclamou as pessoas a verem o filme nos cinemas, quando for possível, e trazer o máximo de pessoas para encher as salas. Discurso que reforça o receio de que esse ritual pessoal/coletivo possa estar em vias de extinção.
Por outro lado, o fortalecimento dos serviços de streaming ampliou o acesso aos curtas indicados ao Oscar. O curta-metragem, formato não comercial e por isso quase invisível aos olhos do público em geral, é muito mais do que um degrau para um cineasta chegar ao longa. É um espaço de ousadia e experimentação, livre das amarras comerciais, muitas vezes avessas ao risco.
Os vencedores Dois Estranhos (melhor curta-metragem de ficção) e como Se Algo Acontecer… Te Amo (melhor curta-metragem de animação) são ótimos exemplos dessa experimentação e ousadia. Ambos tratam de questões atuais da sociedade norte-americana, com abordagens e narrativas nada convencionais.
Dirigido por Travon Free e Martin Desmond Roe, Dois Estranhos aplica de maneira genial a prisão do personagem em um loop temporal para ilustrar o surrealismo kafkiano da relação polícia x jovens negros. Esse loop temporal encarcera, em sua prisão simbólica, não só o protagonista, mas a nação inteira. Apesar da dimensão trágica do tema, o filme é recheado de humor expresso em diálogos inteligentes e situações surpreendentes.

Se Algo Acontecer…Te Amo, direção de Michael Govier e Will McCormack, retrata um casal em luta e em luto. Não há diálogos no filme, e os desenhos – quase sempre sombras em carvão – se movimentam e se transformam em torno e no interior dos personagens para expor o desespero, expressar a impossibilidade de lidar com a perda e com lembranças que aliviam e dilaceram. O filme é uma experiência puramente sensorial e estética, e essa estética carrega toda a força dramática da obra.
Colette, dirigido por Anthony Giacchino (melhor curta documentário), não tem a ousadia formal dos dois curtas mencionados, mas documenta um ato de coragem excepcional. A visita de Colette Marin-Catherine, de noventa anos, ao campo de prisioneiros no qual seu irmão morreu na Segunda Guerra Mundial. Ambos, muito jovens, faziam parte da resistência à ocupação nazista na França. Acompanhada de uma jovem pesquisadora, o impacto da viagem tece uma relação especial entre as duas.

O filme que mais me tocou foi A Concerto is a Conversation, indicado na categoria de curta documentário. O filme, dirigido por Kris Bowers e Ben Proudfoot, é uma conversa muito especial entre neto e avô, interação repleta de sensibilidade e de pequenas grandes surpresas. O avô, Horace Bowers, 91 anos, é um personagem fantástico, embora real. Os temas individuais e sociais são entremeados de forma muito perspicaz nos treze minutos do filme. Dizer mais do que isso estragaria algumas das surpresas.
É interessante que os documentários Colette e A Concerto is a Conversation, embora muito diferentes, são construídos em torno da relação entre nonagenários e jovens, e acabam se configurando numa espécie de legado, de passagem de bastão e conhecimento.
Dois Estranhos e Se Algo Acontecer…Te Amo podem ser vistos na Netflix. Colette e A Concerto is a Conversation podem ser vistos no Youtube, por enquanto, com legendas em inglês. São ótimas oportunidades de curtir o formato de curta duração.
