As Rãs

Livro de Mo Yan – China – 2009.
Mo Yan significa não fale em mandarim. Esse foi o pseudônimo que Guan Moye escolheu para assinar seus livros, oriundo do alerta que os pais faziam a ele quando jovem para não expressar suas opiniões em público nos anos da famigerada Revolução Cultural. Guan acabou oficializando o pseudônimo como seu nome, após alguns problemas para obter os direitos autorais. Mo Yan tornou-se um dos mais importantes escritores chineses contemporâneos. Foi publicado no Brasil somente após ser laureado com o Nobel de literatura em 2012. Sobre o autor, a Academia Sueca declarou: “ele, que com realismo alucinatório, funde contos do folclore popular , história e contemporaneidade”.
As Rãs tem todos esses elementos e mais ainda. Na saga, que percorre a história da China desde a invasão japonesa (1937) até o boom econômico do século XXI, há uma gama de personagens icônicos que o autor constrói e desconstrói como heróis, como ocorria nos movimentos revolucionários dentro do regime comunista, mas ao contrário daqueles, suas virtudes e fraquezas não os mitifica ou vilaniza, apenas os humaniza. À frente dos personagens encontra-se a tia do narrador, Wan Coração, a primeira obstetra da região rural de Gaomi, comunista fervorosa que mais tarde torna-se a coordenadora do programa de controle de natalidade na região. O romance épico também apresenta um humor fino, autoirônico. Na aldeia dos protagonistas havia o costume de dar nomes de partes do corpo aos recém-nascidos: Chen Nariz, Li Mão, Zhaou Testa etc. O narrador, Wan Perna, é um dramaturgo que fez carreira no exército vermelho (assim como o próprio Yan). Esse personagem autobiográfico tampouco é poupado de ter suas fraquezas expostas. Frequentemente comparado a Gabriel Garcia Marquez e seu realismo fantástico, o autor brinca com essa comparação em As Rãs. Ao ler trechos de sua nova peça para a tia, seu marido e seu amante, Wan Perna é criticado por usar demasiadamente fatos reais que podem expor as pessoas do povoado. Perna os tranquiliza, garante que todos os personagens terão nomes estrangeiros e que a aldeia se chamará Vila Macondo. Na estruturação de As Rãs, até a metalinguagem torna-se alvo de humor. O romance inicia em forma de cartas a um professor e termina como uma peça de teatro dentro de outra peça de teatro.
Para mim, o elemento mais cativante do livro, além da verve de um exímio contador de histórias, é o contraponto entre as crenças e superstições dos camponeses e as crenças e slogans do regime. Esse contraponto da tradição x revolução (que partilham, no final das contas, da mesma essência: obstinação e fé cega), costura, ao longo da saga, as transformações ocorridas na China desde os meados do século XX até os dias atuais. Mo Yan trabalha esse contraste de maneira magistral, construindo seu ápice em torno da política oficial do filho único e sua ferrenha aplicação. Mais para o final do romance, quando a história da Tia cede protagonismo para a história pessoal do narrador e a saga adentra o novo século, há uma queda na qualidade literária do humor e do texto. Mesmo assim, As Rãs é uma viagem deslumbrante por um universo mágico, colorido e aterrador. Uma viagem que não dá para perder.
No Brasil, As Rãs foi publicado em 2015, pela Companhia das Letras, com tradução de Amilton Reis. Outros livros do autor traduzidos para o português: Mudança (Brasil e Portugal) e Peitos Grandes, Ancas Largas (Portugal).Seu romance Sorgo Vermelho foi adaptado para o cinema por Zhang Yimou.
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