in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 16
DEZASSEISNessa manhã Rhenan e Eoghan tinham-nas deixado à porta da universidade e seguido o seu caminho. O irmão estava realmente muito calado, talvez um dia afastados de Yggdrasilfizesse bem aos dois.Regressar ao ritmo imposto pelos professores deixara-a exausta. Na pausa do almoço Maria engoliu a sandes que trouxera de casa enquanto fazia o percurso entre a sala de aulas e a biblioteca. Maeve tinha saído para almoçar com Sergiu e o resto do grupo.Requisitou os livros de que necessitava à mesma mulher de expressão parada. Um autêntico “rato de biblioteca”, coque no alto da cabeça sem um único cabelo fora do lugar, sapatos de verniz rasos, saia plissada de um axadrezado castanho escuro, camisa branca com gola pontiaguda apertada até ao último botão, colete da mesma cor da saia e óculos de aros grossos. Agradeceu quando lhe entregou os livros, levando-os para uma mesa vazia, o mais perto da luz que ainda entrava pelas janelas. Colocou a mala na cadeira, espalhando os livros de forma a que ninguém tentasse ocupar os lugares vazios ao seu lado. Necessitava de silêncio para se concentrar, dispensava a curiosidade de desconhecidos a espreitar ou comentar as suas escolhas literárias.Estava absorta na leitura quando foi interrompida. Sentia alguém parado atrás de si. - Quem quer que sejas estás a perturbar-me o sossego de que necessito. - Sou eu Maria.Voltou-se ao reconhecer a voz.- Sergiu? Onde está a Maeve?- Nas aulas. Onde pensei que também estivesses.- Que horas são? – olhou para o pulso, lembrando-se que se esquecera do relógio no quarto.- É impressão minha, ou andas um pouco perdida com o tempo? - sentou-se, colocando-lhe a mala em cima da mesa. Maria segurou-lhe no braço olhando para o seu relógio.- Não é possível. Voltei a faltar às aulas da tarde? - Está tudo bem contigo?- Aparentemente não! - Queres ir comer?O tom da voz de Sergiu aguçou-lhe a curiosidade conseguindo afastá-la dos livros voltando-se para ele.- Já que perdi as aulas, – arrumou o que deixara espalhado sobre a mesa tendo o cuidado de esconder o bloco de notas - Vamos. - Ajudo-te. –empilhou os livros segurando-os.Maria guardou o caderno dentro da mala colocando-a sob o ombro. Seguia atrás de Sergiu que pousou os livros no carrinho para esse mesmo efeito, perto da bibliotecária.Saíram para o frio da tarde.Maria apertou o casaco, o vento era cortante.- Reparei que passas muito tempo na biblioteca. Se alguma vez precisares de ajuda podes contar comigo.Sentia que lhe queria dizer algo e não sabia como começar.- Não querendo soar ingrata relembro-te que só temos uma cadeira em comum. Além de que também deves ter muito que fazer. Como te estão a correr as aulas?- Bem! Os meus profs são mais contidos do que os vossos.- Que sorte a tua. Sem se aperceber, Sergiu conduzia-a por um caminho por ele escolhido.- Não querendo parecer intrometida, como estão as coisas entre ti e a Maeve?- Dou a minha vida por ela. Acabara de lhe responder o que esperava ouvir.- Os primos têm sido uma grande dor de cabeça.- Só nos dias que durmo em Yggdrasil. Tenho sempre um de plantão à porta do quarto. – ria-se divertido – Parecem a minha guarda pessoal.- Desculpa-os. Têm boas intenções e gostam de ti, caso contrário nem colocavas um pé dentro da casa. Se precisarem, podem contar comigo.- Agradeço-te. Mas não foi por esse motivo que te convidei.Algo na sua voz deixara-a curiosa, não o interromperia.- Preciso de te confidenciar algo, mas tens de me prometer não contar a ninguém até chegar o momento.- O momento? – Maria estucou o passo segurando-o por um braço obrigando-o a virar-se e encará-la - Do que falas?- Vamos sair da rua. – Sergiu perscrutava atentamente à sua volta com os olhos semicerrados. Notara que eram seguidos de perto por homens dos MacCumhaill desde que tinham saído do campus.Maria observava-o com curiosidade pelo canto do olho. Algo lhe dizia que gostaria do que Sergiu lhe queria transmitir. Fizeram o resto do caminho até à rua Dawson em silêncio, caminhavam na direcção do Tri D Café. Entraram, sentando-se numa mesa perto da porta, Sergiu ficara de frente para poder ver quem entrava e saía. Pediram dois cafés com natas e um muffinde nozes.- O que tenho para te dizer poderá parecer estranho, – Sergiu falava calmamente sem desviar o olhar - mas vais ter de me escutar e acreditar no que te vou contar.- Ultimamente essa parece a história da minha vida. - já não sabia se tinha sido boa ideia afastar-se da universidade, felizmente o café estava cheio e se tentasse alguma coisa tinha demasiadas testemunhas.- Maria, não tens nada a temer de mim. - Sergiu parecia compreender a sua hesitação. A empregada aproximou-se colocando o pedido na mesa, Sergiu esperou que se afastasse antes de voltar a falar.- A minha escolha de palavras talvez não tenha sido a melhor para início de conversa. – sorria-lhe calorosamente - Faz-me um favor e come. Podia jurar que perdes peso a cada dia que passa, não podes enfraquecer, pois dependemos todos de ti.- Do que estás a falar? – Maria arregalou os olhos.- Come e eu digo-te o motivo pelo qual preciso de contar-te o meu segredo.Maria anuiu com a cabeça começando a mordiscar o muffin, subitamente perdera o apetite.- Independentemente de tudo o que te vou dizer quero que saibas que o meu amor pela Maeve é sincero. A minha obrigação é proteger os MacCumhaill e a ti. Nunca pensei apaixonar-me.Maria absorvia as suas palavras, escutando atentamente o que lhe dizia. Olhando de relance para o relógio na parede à sua frente, não tinham muito tempo até as aulas terminarem. Tinha de regressar ao campus antes de Maeve, Rhenan e Eoghan.Sergiu apercebera-se que o tempo era o seu pior inimigo, deixando-se de rodeios. - O meu nome é Sergiu Mihaiescu, sou Romeno, nasci na Transilvânia. O meu pai Mihai, é general e o melhor amigo de Vlad Tepes, tio dos MacCumhaill. Maria abria os olhos de espanto, já nada a devia surpreender, mas ali estava uma vez mais o seu discernimento a ser colocado à prova. - Fui enviado pelo meu pai a pedido do imperador para vos proteger, mas sem dar a conhecer a minha verdadeira identidade. Sei agora que era por ti que esperávamos. Sergiu bebeu o café de um sorvo sem tirar os olhos dela.- A Profecia começou contigo assim que entraste no avião. Temos muito que fazer, o caminho não será fácil, não existem mapas para nos guiarem, porém serás tu a indicar-nos o rumo a tomar. Maria esmigalhava o muffin com os dedos escutando-o atentamente.Sergiu respirou fundo, não podia parar.- Não sei qual será a minha função. Mas estou aqui para te proteger e ajudar, sou o guerreiro de sangue da Ordem de Draculia, do qual fala a Profecia. Observava aquele homem atentamente pela primeira vez. Parecia mais velho, as linhas duras da sua cara diziam-lhe que já vira muito e passara por demasiado sofrimento.- Neste preciso momento, o meu pai está com as irmãs MacCumhaill, a oferecer-lhes os seus préstimos e a contar-lhes do meu envolvimento. Até que nos autorizem não devemos dizer a ninguém quem sou. - Que idade tens?- Que idade tenho? Depois de tudo o que te contei é o que queres perguntar? – Sergiu sorria-lhe divertido - Vinte e sete anos.- Mais quantos séculos?- Seis! - reagira melhor do que esperara, sentia que aquele não era o único segredo que guardava.- Temos de ir Maria – Sergiu olhava para o relógio de parede – A Maeve sai das aulas daqui a dez minutos e é bom que lá estejas. Levantou-se, afastando-lhe a cadeira, ajudando-a.- Tu ficas bem? Como é que te proteges daquilo que nos persegue? - segurou-o pelo braço obrigando a encará-la.- Fica descansada, - apertou-lhe a mão para a assegurar - enquanto não souberem quem sou, fico bem. Não passo de mais um aluno que por acaso namora com uma MacCumhaill, ainda não sou um alvo. Mas tu sim, devias redobrar a tua segurança, mal se apercebam que é contigo que têm de se preocupar passarás a ser a sua prioridade.- Também as vês?- Sinto-as. – deixou o dinheiro em cima da mesa abrindo-lhe a porta.Caminhavam em silêncio, absortos nos seus pensamentos.Pensava no que Sergiu lhe dissera. Saber que era o guerreiro da Profeciadava-lhe um novo ânimo, parecia que as peças se começavam a encaixar.Tinham chegado à universidade.- A Maeve não desconfia?- Não! E espero que quando descobrir não me odeie. – Sergiu ficou de semblante carregado.- Já viste como olha para ti? Acredita que nada a fará mudar o que sente.- Espero que tenhas razão. – fez-lhe uma discreta vénia – Parabéns, soube que ficaste noiva. – sorria. Depois de se certificar que estaria em segurança até a família chegar. Reparou que os homens do Clã continuavam por perto – Até amanhã Maria.- Obrigada e por favor tem cuidado.Sergiu afastou-se sem olhar para trás. Maria admirava o anel. Odiava ter de manter segredos de Rhenan. Encostou-se à estátua enquanto esperava por Maeve.- Com que então a manter segredos do mano?- Lochan! - saltou assustada - Como chegaste aqui? Perdeste o receio de voltares a desaparecer?- Achei que hoje era um bom dia para experimentar. Tinha de saber se conseguia acompanhar-te a casa e proteger-te. - Como é que aqui chegaste?- Vim de camioneta. – ria-se divertido com a sua pequena aventura – Vais contar ao meu irmão o que te disse?- Não posso! Prometi.- Olha que o Eoghan já anda desconfiado.- Achas que está a tentar descobrir que te escondemos?- Sim e devo avisar-te que o teu querido marido não aguenta muito tempo a pressão do Eoghan e vai confessar-lhe tudo.- Não me deixes nervosa.- Conheço o Eoghan, ele não vai acreditar na história do Fionn, de que estás a enlouquecer e vai querer saber a verdade.- Olha que se ainda não enlouqueci já deve faltar pouco.- Considera-te avisada e permite-me um conselho, não pressiones o Rhenan, não lhe perguntes nada, acredita que até ao final do dia te conta toda a conversa que teve com o nosso irmão.Teria de aguardar para saber o que levara Rhenan e Eoghan a Dublin naquele dia. Podia ser que Lochan estivesse enganado.- Ouviste a minha conversa com o Sergiu, o que achas?- É fantástico contarmos com aliados, que a ajuda começa a aparecer, mas é mau que ande por Dublin sozinho quando devia estar protegido.- O que podemos fazer para o ajudar?- Neste momento temos de juntar forças, não nos podemos dar ao luxo de perder guerreiros.- A falar sozinha Maria? - Maeve aproximara-se sem que a ouvisse - Devo ficar preocupada?Não sabia o que lhe responder.- Onde te meteste toda a tarde?Lochan parecia divertido. Vira a prima aproximar-se e não dissera nada, queria ver como Maria resolveria a situação.- Estive na biblioteca e uma vez mais esqueci-me de ir às aulas. Estou a começar bem o semestre! Têm sido mais as vezes que falto, o professor disse alguma coisa?- O homem parece um morcego, não vê um palmo à frente da cara, nem se apercebeu que a meio da aula metade dos alunos já saíra. No fim eramos só três.- Coitado.- Coitadas de nós porque nos enviou mais um trabalho. Por acaso almoçaste? Pareces transparente. Sentes-te bem?- A verdade é que estou um pouco agoniada. Deve ter sido do muffin que comi.- Deve ser é do que não comes. Vou fazer queixas ao meu primo.Maria deitou-lhe a língua de fora. Caminharam para o local de encontro.Lochan seguia a seu lado. Tinha prometido ao irmão protegê-la e cumpriria com a sua palavra.
Antes de entrar no carro, Maria deixara a porta aberta o tempo suficiente para que Lochan entrasse sem que desconfiassem. Agradeceu-lhe apertando-lhe a mão. Foi uma viagem longa e silenciosa. Cada um absorto nos seus próprios pensamentos.Maria sentia-se estranhamente cansada e agoniada. Só podia estar a adoecer e aquela não era a melhor altura.Quando o carro parou, para espanto de todos, saiu a correr. Subindo a escadaria, entrou na casa de banho do quarto a tempo de levantar o tampo da sanita e vomitar. Os irmãos e a prima continuaram sentados no carro, espantados, sem reacção. Rhenan voltou-se para trás olhando interrogador para Maeve que lhe levantou os ombros abanando a cabeça. Ninguém percebia o que se passava com Maria. A Rhenan parecera-lhe cansada.- Talvez tenha sido do muffin. – Maeve lembrou-se de Maria lhe ter dito que não se sentia bem - A tua mulher quase não come ou ainda não te tinhas apercebido disso?Rhenan saiu do carro levando a mala de Maria. Abriu a porta do quarto a tempo de a ouvir vomitar, largou tudo em cima da cómoda. Entrou na casa de banho, molhou uma toalha com água fria, ajoelhando-se a seu lado, segurou-lhe na testa passando-lhe a toalha pelo pescoço. Maria estava muito fraca. Ajudou-a a despir-se, lavou-a, deitando-a na cama.- O que comeste hoje?- Uma sandes e um muffin.- Se não começares a alimentar-te, morres.- Sou imortal, não posso morrer. – Maria tentava sorrir.- Espertinha. Vou fazer-te chá. Queres que te traga alguma coisa especial?- Tu!Rhenan sorriu-lhe.- Mo ghrá, estás transparente. Se te tocasse desmaiavas. - És capaz de ter razão.- Volto já.Abriu a porta quando Eoghan se preparava para bater. Rhenan afastou-se para que o irmão entrasse, deixando-o com Maria.Sentou-se na beira da cama, segurando-lhe na mão.- Sentes-te melhor?- Nem por isso, mas vou ficar. Agradeço-vos muito a vossa preocupação, mas não têm de tomar conta de mim.- Claro que temos. – Eoghan beijou-lhe a mão - Somos uma família, contamos uns com os outros. Queria que soubesses que obriguei o meu irmão a contar-me porque andavas a falar sozinha. Temi que estivesses à beira de um esgotamento. Sabia que não estavas a ficar louca como o Fionn sugeriu, o único louco nesta família é ele. - Também acho. - Maria sorriu-lhe. - Podes ficar descansada que não conto a ninguém. - Eoghan continuava a segurar-lhe a mão - Não te aborreças com o Rhenan porque praticamente o obriguei a falar. Eoghan levantou-se quando o irmão entrou com um tabuleiro de comida, beijando-a na testa. - Quando o vires diz-lhe que tenho saudades dele.- Fica descansado. - Maria estava-lhe agradecida.Ao passar por Rhenan tocou-lhe no ombro. Saiu, fechando a porta. Maria precisava de descansar. Rhenan ajudou-a a sentar-se colocando-lhe o tabuleiro ao colo. - Nem penses que vou comer isto.- Come só um pedaço de carne e bebe o chá.Maria fez um esforço, afinal Rhenan tivera todo aquele trabalho. Ainda se sentia enjoada, mas mal colocou a primeira garfada na boca o estômago acalmou. - O meu irmão contou-te o que aconteceu hoje? Desculpa, mas não fui capaz de lhe mentir.- Não faz mal - passou-lhe a mão pela cara.- Não quero que existam segredos entre nós, ia contar-te.- Eu sei. - Rhenan pedia-lhe que o perdoasse por algo insignificante e ela escondia-lhe algo muito mais importante. Em sua defesa como o segredo não era seu devia ser Sergiu a fazê-lo - Sabes que te amo?- E não me canso de te ouvir repetir. Agora come tudo. - És um déspota. - fez beicinho. Comeu com prazer. O mal dela era mesmo fome. Tinha de começar a alimentar-se. Estava destinada a ajudá-los e não a criar-lhes preocupações.Rhenan retirou-lhe o tabuleiro visivelmente satisfeito por ter comido tudo. Ajudando-a a deitar-se. - Mo ghrá! Queres que te traga mais alguma coisa?- Só tu! - Regresso num instante. – voltou-se para a porta de separação falando para o ar - Mano se estiveres por aqui fica de olho na minha mulher, obrigado.E estava. Lochan sorria-lhe sentado no cadeirão.Extenuada, virou-se para o lado adormecendo de imediato. Com eles sentia-se protegida. - Dorme descansada Maria que eu velo por ti. Queria poder voltar a abraçar a sua família, dizer-lhes: “Estou vivo! Estou aqui!”. Levantou-se caminhando na penumbra, olhou pela janela para o jardim, sentia as Sombras rondarem.Quando Rhenan entrou, regressou ao seu quarto fechando a porta de separação. Ouviu o irmão agradecer-lhe. De todos, era dele que sentia mais saudades, era a parte que o completava para ser feliz. Deitou-se em cima da cama pensando em tudo o que acontecera e que o levara à situação em que se encontrava.
Published on April 01, 2020 02:00
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