in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 15

QUINZE

- Lochan, sai! – Maria gritou. Rhenan saiu de cima dela, rindo. Se ainda subsistia alguma dúvida acabara de ter a confirmação que era o irmão. - Meu! Um pouco de privacidade. – Rhenan tentava sem sucesso soar irritado. - Desculpem. – Lochan sorria divertido – Eu bati, como não responderam entrei.- Podias ter esperado antes de abrires a porta. – Maria tapava-se o melhor que conseguia - Consigo ver tantas parecenças com o Fionn que começa a tornar-se assustador. Aviso já, que não aguento dois loucos.Encostado à ombreira da porta, observava divertido enquanto o irmão se levantava da cama nu, pegando em Maria ao colo levando-a com ele.Maria ainda se tentou tapar com o lençol, mas não foi a tempo.Rhenan empurrou com o pé a porta da casa de banho, avisando o irmão.- Se vejo esta porta abrir-se, mesmo sem te conseguir tocar, acredita que não me esqueço e dou-te uma surra mais tarde.Lochan ria-se divertido com a caricata situação. Estava radiante por voltar a dormir no seu quarto e por Maria o conseguir ver. Tinham decidido manter o seu estranho aparecimento em segredo do resto da família até perceberem o que acontecera.
Freya e Deirdre tinham regressado a Praga, confiantes que as faculdades de Maria apareceriam com o tempo. Só teria de aprender a controlá-las.Conforme planeado Maeve e Maria retomaram as aulas com uma pequena alteração aos planos iniciais. Quando acabassem mais tarde, Sergiu ia com elas para Yggdrasil e dormia lá. Nos restantes dias, Maeve conduzia-as no carro de Rhenan. Enquanto estacionava, Maria entrou para se certificar que estava tudo em ordem, aproveitou para deixar a sua contribuição para as despesas. Apesar de Pedro lá viver, para todos os efeitos nada se alterara. Foi ao seu quarto, tinha de levar todos os livros, faziam-lhe falta. Só lá deixava o que praticamente não utilizava. Desde o aparecimento de Lochan, passavam a maior parte do tempo juntos na cave, o único local onde conseguiam conversar sem receio que a escutassem e pensassem que não aguentara a pressão e enlouquecera. Era excelente contar com a sua silenciosa companhia, enquanto ele lia aproveitava para estudar. Esperava-a todos os dias sentado no sofá com o seu caloroso sorriso. Não se cansava de o observar porque apesar de fisicamente idêntico a Rhenan, os temperamentos eram opostos. Pesquisavam juntos livros e manuscritos na esperança de que algo o lembrasse do local onde guardara as chaves. Infelizmente não tinham feito progressos, sentiam-se abatidos, como se tivessem esbarrado contra uma parede. Num dos livros, Maria encontrara a definição do submundo, também conhecido como o outro mundo, Terra das Almas, Annwan. A entrada era uma porta invisível, só podia ser encontrada por sidhs a quem por tempo limitado era permitida a entrada. Lochan dizia-lhe constantemente para seguir os seus instintos porque seriam eles a orientá-la. Quanto mais sabia maior era o seu receio de falhar. E se estivessem enganados e os colocasse em perigo? Até que ponto podiam confiar nela?  - Como explicas que te consiga ver, falar e tocar? - Possivelmente por seres como eu.- Sidhe? - E guerreira.Maria sorriu-lhe divertida.- Eu! Guerreira? Espera até me veres cortar pão e falar ao mesmo tempo.Escutava-a divertido.- Quando os teus sentidos despertarem e começares a treinar vais perceber que és capaz de muito mais do que pensas.- Ver para crer. - Maria fez uma pausa inclinando-se para a frente – Quando desapareceste…- Quando morri! – interrompia-a com a voz praticamente inaudível.- Tu não morreste, senão como conseguíamos estar aqui a falar? Lochan sorriu-lhe agradecido.- Para onde foste levado?- O veneno que me fez morr…desaparecer, – ficou de semblante pesado – deixou-me preso numa espécie de limbo entre vidas. - Porque a tua alma é pura. - Não sou assim tão puro Maria, já tive a minha quota parte de mortes.- Mas essas não contam, lutavas pela tua família, os tempos eram outros. Fazias o que tinha de ser feito.- Onde andaste durante todos estes séculos? – beijou-lhe a mão agradecido.Maria sentia-se emocionada com o seu carinho.- Nunca saí daqui. Via a minha família sem conseguir comunicar com eles, esse foi o meu maior castigo. – suspirou audivelmente, recostando-se. - Mas algo mudou. – Maria levantou-se, sentando-se ao seu lado - Tenho a certeza de que encontraremos uma maneira de te trazer.Lochan mantinha a mão de Maria entre as suas, necessitava de sentir o seu calor. As suas palavras aqueciam-lhe o coração, dando-lhe esperança. Maria deitou-se no sofá observando o tecto.- Como descobrimos a porta do submundo? - Nunca a utilizei, não te sei dizer. A única coisa de que tenho a certeza é que devemos evitar Annwan. Ficou a pensar no que Lochan lhe dizia.- Como é que as portas de Tara e Annwan se abriram? - Ao retirar as chaves quebrei o equilíbrio. Algumas almas desterradas no submundo conseguiram escapar e é com essas que nos devemos preocupar. São as que uivam lá fora, desejosas de entrar.- E as Fadas?- Recomeçaram a fazer o que mais gostam, caçar humanos para utilizarem como escravos.- Isso é horrível! Lochan anuiu com a cabeça, cerrando os olhos.Maria apertou-lhe a mão, necessitava que continuasse.- Naquele dia… - fez uma pausa, custava-lhe relembrar o seu último dia - não me recordava se dissera a Hel onde as guardava, não quis correr o risco que as descobrisse e entregasse a quem não devia.- A porta de Annwan continua aberta?- Gosto de pensar que ao contrário de Tara, está encostada. - Então as Sombras continuam a sair?- Por esta altura Annwan está controlada. Acredito que saíram muitas e provavelmente aquelas com que não nos queremos cruzar. Não te esqueças que quem anda lá fora não vive e, no entanto, continua a poder fazer-nos muito mal.- Eu sei! Já o senti na carne.- Eu lembro-me desse dia. Tentei avisar-te para não saíres, mas não me conseguiste ouvir. Voltou-se de frente para Lochan passando-lhe a mão na face.- Não fiz nada e foste ferida.- Mas tentaste e estás aqui comigo. - Não podes ser real. – os olhos brilhavam emocionados.- Achas que devemos falar com Annwan?- Ainda não.- E com as Fadas?- Definitivamente não! Primeiro temos de perceber o que sabem, com elas os favores são sempre pagos.- E se as enganarmos? Prometemos e não damos?- Vinhas fazer-me companhia. Não te esqueças do que te digo, nunca confies nelas nem as tentes enganar.- Estamos novamente num impasse, vou enlouquecer.- Pois eu tenho a certeza de que estás louca. Agora falas sozinha? - Fionn observava-a com ar de gozo do cimo das escadas – Não foi por falta de avisos. Está cientificamente provado que muito sexo e livros fundem os miolos. Coitadinha!Lochan ria-se, o irmão mais novo continuava o mesmo. Em tempos tinham dito que eram parecidos, gostava de pensar que era um pouco menos louco do que ele. Maria olhou para Lochan com o mesmo ar ameaçador com que encarava Fionn. - Enquanto não enlouqueces de vez, talvez queiras subir e jantar com a parte normal da família. É capaz de te fazer bem.- Estás a dizer que temos convidados?Fionn sorriu-lhe trocista olhando em volta.- Então muito prazer em conhecê-lo, aconselho-o a ter cuidado que o marido dela é temperamental. – voltou a olhar para Maria divertido – Podes ficar descansada que comigo o teu segredo está seguro. - piscou-lhe o olho saindo da cave a rir-se. - Este meu irmão é um espectáculo. Não há como não gostar dele.- Nem te vou responder.- Vai, antes que regresse com uma camisa de forças. E Maria, obrigado por me fazeres companhia. Contigo sinto-me vivo.- Amanhã continuamos - beijou-o ao levantar-se.- Estarei à tua espera.- Promete-me que não voltas a entrar no quarto até seres convidado.Lochan ria divertido.- Não vos volto a interromper. - levantou-se, beijando-a. - Queres que deixe a luz acesa? Lochan sorria-lhe feliz.- Subo contigo. Vou para o meu quarto. - as refeições da família eram os seus momentos mais penosos.Ficou a vê-lo subir a escadaria, antes de entrar na sala onde a esperavam para jantar.- Sentes-te melhor? - Nunca estive mal, Fionn. - Devias beber mais água. Falar sozinha deve dar muita sede.- Não me aborreças. Ninguém falou sobre os disparates que Fionn contara, mas Maria não deixara de reparar que Eoghan parecia desconfiado. Teria de ser mais cuidadosa. Rhenan apertou-lhe a perna debaixo da mesa, só ele sabia o que se passava.
No quarto quando se preparava para se deitar o telemóvel tocou. Maria fez sinal a Rhenan para que não falasse.- Estou?- Querida, está tudo bem?- Mãe! Que bom ouvir-te aconteceu alguma coisa?- Estava com saudades. - A estas horas pensei o pior.- Tanto dramatismo. Era só para te informar que decidimos passar uns dias contigo. Não conseguiu responder de imediato.Rhenan observava-a, não entendia o que dizia, mas pela sua expressão percebeu que falava com a mãe. Deitou-se, adorava ouvi-la falar português.- Excelente ideia! Quando?- Ainda não sabemos, depende do horário do teu pai.- Pergunto porque estou em fase de exames e os trabalhos são mais que muitos. – uma pequena mentira não magoava.- Se o teu pai conseguir uns dias vamos aí dar-te um beijinho.- Avisem-me com alguma antecedência para que me consiga organizar.- Combinado. A voz animadíssima da mãe significava que acreditara em tudo que lhe dissera. - Agora vai descansar que já é tarde.- E amanhã tenho aulas bem cedo. Dá um beijinho a todos. - desligou deixando-se cair de costas na cama.- Está tudo bem Maria? Falavas com a tua mãe? - Quer visitar-me.- Ah! Percebi. Mais uma situação para contornarmos.- Isso significa que tenho de voltar para casa e não quero, tenho aqui tudo o que preciso. – abraçou-o.- Estão a pensar ficar muito tempo?- A minha mãe falou em dois dias, mas tem por hábito prolongar as estadias.- Se forem mais dias vou falar com eles e trago-te de volta. - Só se estiveres louco.- Estou! Por ti.- Não lhes posso dizer que vivo aqui. - Será difícil proteger-te longe de Yggdrasil. - Como lhes digo que estou praticamente casada aos dezassete anos?Rhenan apertou-a beijando-a na cabeça.- Quase dezoito e para mim já estamos casados.- Tu sabes o que quero dizer.- O que me preocupa é eles quererem sair à noite e tu os acompanhares.- Nem tinha pensado nisso! – sentou-se de frente para ele - Isso será um enorme problema.- Amanhã conversamos com os meus irmãos. Os nossos homens e mulheres em Dublin podem seguir-vos e se for caso disso defender-vos.- O que queres dizer com os vossos homens e mulheres?- Gentes do Clã. – sorriu-lhe – Temos muita ajuda.Maria suspirou, aquelas palavras traziam-lhe algum conforto.- A minha mãe ficou de confirmar. Rhenan, não os posso colocar em perigo nem contar-lhes as loucuras que nos rodeiam. - Vamos manter-nos calmos. Se confirmarem a viagem organizamo-nos.- Tenho de fazer mais uma chamada. – agarrou no telemóvel sem mudar de posição.- Para quem?- Tenho de avisar a Rita. Se os meus pais me querem visitar, o mais provável é que os dela estejam a pensar no mesmo. E não me apetece andar de um lado para o outro. Voltou a abraçá-lo enquanto esperava que a amiga atendesse.- Beija-me. - Os teus desejos são uma ordem. – Rhenan beijou-a provocando-a com a língua.Sentia-se atacada por todos os flancos e estar na segurança dos seus braços dava-lhe a confiança de que necessitava. - Maria! – Lochan falava através da porta- Diz Lochan. - Mesmo onde estás és um empata. Não voltas a entrar no meu quarto até seres convidado principalmente quando estiver com a minha mulher. - Ouvi a conversa e só quero dizer que sou capaz de ter uma solução. Por isso informa o ciumento do teu marido que te protejo.- Como? – levantou-se da cama abrindo a porta de separação mesmo antes de Rhenan a conseguir segurar.- O que te disse? – Rhenan sentara-se na cama olhando para o vazio onde devia estar Lochan.- Se tiveres de regressar temporariamente a casa eu vou contigo.- Nunca saíste de Yggdrasil com receio de desapareceres e agora queres arriscar tudo?- Por ti, faço o que for necessário.Maria abraçou-o.- Então! As mãozinhas bem afastadas. O que te disse o meu irmão?- Que se os meus pais me visitarem ele vai comigo para me defender, afinal ninguém o consegue ver.- Se chegarmos a isso não te esqueças que dormes na sala. - Tenta um irmão ajudar e é tratado com esta frieza. - Lochan olhava divertido para Rhenan.- Obrigada Lochan. – Maria voltou a fechar a porta.- Já foi?Confirmou com um menear de cabeça.- Então volta para aqui!- A Rita não atendeu, vou tentar uma última vez.- Aqueço-te o lugar. – despiu-se passeando-se nu à sua frente, deitando-se em cima da cama com as mãos atrás da cabeça observando-a. Maria evitava olhar na sua direcção, cada vez que o fazia não se lembrava do motivo pelo qual ainda segurava no telemóvel. Ao segundo toque Rita atendia. Como suspeitava os pais da amiga também a queriam visitar. Nenhuma delas estava na disposição de alterar as suas rotinas. Combinaram telefonar no dia seguinte aos respectivos pais com a sugestão de fazerem a viagem juntos. Despediu-se da amiga desligando. Rhenan fez-lhe sinal para se juntar a ele. Não se despiu gostava que fosse ele a fazê-lo, nos seus braços não pensava em nada, o tempo pertencia-lhes, sentia-se segura. Adormeceram embalados no calor do seu amor e como em tantas ocasiões os seus corpos procuraram-se durante a noite. Virou-se dando as costas a Rhenan que se encaixou beijando-lhe o lóbulo da orelha até a sentir adormecer, tê-la nos seus braços avivava-lhe os instintos de guerreiro.    Acordou abraçada a Rhenan que a observava com os olhos semicerrados.- Bom dia! - beijou-lhe o pescoço, a barba picava - Que horas são?- Ainda é cedo. Só temos de sair daqui a mais ou menos duas horas. - És tu que nos levas? - Eu e o Eoghan.- Também vai?- Suspeito que precisa de falar comigo.- O que te faz pensar isso?- Conheço-o muito bem e ontem durante o jantar estava mais calado do que o habitual, algo o preocupa.- Tenham cuidado.- Preocupada comigo?- Com os dois. As coisas têm andado demasiado calmas, não te parece?- Eu e o Eoghan reparámos que durante a noite algo se movimenta no escuro, tentando aproximar-se. Só podem ser as Sombras, parecem mais activas, mas limitam-se a observar-nos.- Achas que vão tentar atacar-nos?- Não tenho dúvidas. - Então é melhor não facilitarmos. - Algo não está bem, parecem confusas. Também as tens ouvido?- Ouço-as lamuriarem-se durante a noite. Parecem esperar que as luzes se apaguem.- São criaturas do mal. O que ouves é ódio.- Tenho medo Rhenan.- Mo ghrá! Estamos juntos. - apertou-a mais - Não permitirei que nada te aconteça.- Tenho medo por ti, não te posso perder.- O que estamos é a perder tempo precioso. - puxou-a para cima de si. O tempo parava quando se amavam, todos os problemas desapareciam e era o poder desse amor que aumentava as barreiras que os protegiam.
Hel aproximava-se com os olhos fixos na casa. As memórias eram difusas, mas lembrava-se do dia em que fora assassinada pelo líder do Clã naquele mesmo local. Odiava-o, a sua hora para se vingar chegaria. Olhava atentamente para as janelas, existia algo dentro daquela casa observando-lhe os movimentos, assustava-a. A sensação que tinha é que fazia parte do seu passado e a poderia destruir. Uivou de raiva. Tivera a oportunidade de matar a fêmea do Clã, mas aparecera aquela mulherzinha intrometida que se colocara à sua frente protegendo-a com o seu corpo. Enlouquecida pelo ódio, o sentimento que lhe alimentava a sede de sangue e morte, sentia a sua força aumentar do rancor das Sombrasque a rodeavam.Sabia que Goll a julgava submissa e que a tentaria usar, porém ambos se limitavam a aguardar pela altura certa. Enquanto as chaves não fossem encontradas, as portas não seriam encerradas e Annwan não lhe reclamaria uma vez mais a sua alma. O sol despontava por detrás de uma nuvem queimando-a, refugiou-se para a protecção que a escuridão lhe dava, gritando de raiva e dor. Continuaria a rondar a casa, enquanto o portal se mantivesse aberto.
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Published on March 31, 2020 02:00
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