in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 13
TREZESentados na sala com a lareira acesa. Rhenan servia Jamesonaos irmãos enquanto a mãe entregava canecas de chá às mulheres.Deirdre certificou-se que estavam todos acomodados antes de começar, o que seria a última reunião familiar nos tempos mais próximos.- Meus queridos – Deirdre voltou-se para Maria - como a Maria ainda não está a par de alguns dos nossos assuntos vou explicar-lhe. Se tiveres alguma dúvida deves interromper-me. Maria anuiu com a cabeça levando o chá aos lábios. - O meu sobrinho disse-me que já conheces parte da nossa história, – Deirdre apertou a mão da irmã - por nos ser muito doloroso relembrar passarei à frente.- O que aconteceu a Morgaine?Deirdre falava directamente para Maria. - Quando chegou a sua hora partiu para Avalon na companhia da Deusa.- Não podia ter bebido o sangue?- Morgaine era uma Deusa de Avalon. Só nós e quem estivesse na disposição de nos servir o podia fazer. Por isso a sua companhia, sabedoria e ensinamentos teria o seu tempo.Deirdre bebeu um pouco do aromático chá que a irmã fizera. - Com a dádiva que nos foi oferecida só tínhamos uma responsabilidade, sermos os protectores das chaves que nos ajudam a manter o equilíbrio entre o nosso mundo, o mundo das Fadas e Annwan. Fechou os olhos ganhando coragem para falar no sobrinho.- Quando Lochan se apaixonou por uma traellnão se apercebeu que estava a ser enganado. Aquela mulher só queria o estatuto e dinheiro que lhe podia dar, mas o seu coração era negro como a noite. Quando nos apercebemos do perigo ainda o tentámos avisar, mas não nos ouviu. Num dia amaldiçoado, essa criatura envenenou-o. O silêncio reinava na sala.Rhenan escutava com o olhar vazio.Deirdre voltou-se para a irmã, apertando-lhe a mão, tentando transmitir-lhe a força que não sentia, mas ambas necessitavam.- O meu sobrinho deve-se ter apercebido do que lhe ia acontecer e nos seus últimos momentos decidiu esconder as chaves possivelmente pensando que nos protegeria. Ainda tentou avisar Rhenan mas não foi a tempo, o veneno actuou rapidamente e Lochan caiu morto nos braços do irmão pouco tempo depois de o ter ingerido.Maria conseguia sentir o desespero de Rhenan, de todos.- Rhenan matou-a aqui à nossa porta. - Deirdre olhava para o sobrinho com orgulho e angústia – Porém, antes de morrer as trevas reclamaram a sua alma. E é onde aguarda para regressar e acabar o que começou.- Como se chamava? – Maria tinha de saber o nome da maldita que matara o gémeo de Rhenan.- Hel! – Rhenan respondeu-lhe com a voz sussurrada.- Foi ela que me feriu naquele dia? – levantou-se aproximando-se dele necessitava de sentir o seu calor, Rhenan passou-lhe o braço pelos ombros.- Julgamos que sim! A finalidade desse ataque era atingir um de nós, neste caso a minha filha. – Deirdre tomava uma vez mais a palavra, Freya mantinha-se inerte a seu lado com o olhar perdido - Deve ter-vos confundido, sei que tinhas vestida uma camisola da Maeve.Maria assentiu com a cabeça. - Não quero com isto dizer que não te fará mal, se te apanhar tenho a certeza de que voltará a tentar. E quando se aperceber que estás unida ao meu sobrinho passarás a ser certamente o seu principal alvo. É a Rhenan que guarda maior aversão.Deirdre levantou-se para se servir de mais chá, relembrar aquele dia deixava-a extremamente nervosa.- A verdade é que procurámos as chaves durante todos estes séculos, quanto mais tempo demorarmos mais difícil será encerrar as portas de Tara e de Annwan. - regressava para perto da irmã que ainda não se mexera.Fez uma pausa bebericando o calmante chá que a irmã preparara, continuavam todos absortos nos seus próprios pensamentos e memórias desse dia.- Quando o meu sobrinho morreu ficámos sem um dos nossos guerreiros, o nosso sidh, mas mais importante, um dos nossos filhos. Passámos a contar somente com três guerreiros da nossa linhagem para nos defenderem independentemente dos muitos homens e mulheres ao nosso serviço.O que quereria Deirdre dizer com muitos homens e mulheres às suas ordens, se nunca via ninguém? Maria resolveu não interromper, precisava de escutar tudo o que lhe queria contar.- Para evitar sermos um alvo fácil decidimos separar-nos. Deixando para os nossos filhos a responsabilidade de procurarem as chaves.Freya mantinha o olhar fixo em Maria, registando todas as suas reacções ao que a irmã ia dizendo.- Sabíamos da existência da Profecia, mas somente quando o meu sobrinho morreu é que soubemos que era assim que começava. - Então Lochan estava predestinado a morrer para que a Profecia começasse? Não estou a perceber.- Teve o seu início quando as retirou da sua protecção sagrada. - Então a Profecia podia nunca vir a desencadear esta estranha sequência de eventos de Lochan não o tivesse feito?- Possivelmente! Mas essa será sempre uma dúvida que nos perseguirá. - Afinal, no que consiste a Profecia? Que chaves são essas?O silêncio na sala continuava. Maria sentia que estava sozinha com Deirdre.- A Profecia diz que: “Chegará uma guerreira sidhe vinda de um país de gentes do mar, a ela se juntará um guerreiro da antiga Ordem do sangue que pelo seu sangue vive, uma feiticeira para os proteger e uma sacerdotisa para os unir. Só assim será possível trazer o esquecido e encerrar o portal. Que assim seja.”- Portugal é um país de gentes do mar, isso significa que eu sou a guerreira sidhe?- És!- Como podem ter a certeza?- No dia da tua chegada a Dublin, Rhenan passou toda a manhã inquieto com a sensação de que algo estava para mudar e tinha razão.Rhenan beijou-a no ombro.- Quanto te viram, todos sem excepção, sentiram algo em ti.- Todos não. Não me lembro do Eoghan ter sentido isso e viajou sentado ao meu lado.- Porque estava a pensar noutra coisa. – Fionn piscou discretamente o olho a Maria enquanto Eoghan o fulminava com o olhar.- Tivemos a confirmação quando tu e o Rhenan se tocaram nesta sala. - Mas quando nos cumprimentámos no aeroporto também sentimos algo, uma espécie de descarga eléctrica. – Maria voltou-se para Rhenan.Rhenan anuiu com a cabeça olhando na direcção da tia.- Mas o selo invisível que de alguma forma ainda nos mantinha protegidos após a morte de Lochan, quebrou-se quando viste o fogo aparecer por detrás de Rhenan. Quando desmaiaste deste início à Era da Profecia. - Como sabe que vi fogo?- Mo ghrá eu e a minha mãe vimos o mesmo que tu. – Rhenan apertou-a mais nos seus braços.Maria observava-o, incrédula.- Também sentiste que já nos conhecíamos?- Sim! E aquele fogo era aqui, em Yggdrasil.- Tens a certeza?- Estávamos num Coven.- Nem vou perguntar o que isso significa.- Uma reunião de Bruxas. - Rhenan sorriu-lhe - Além disso, tens as marcas da Deusa.- Tenho?- As tuas tatuagens, - Maeve falava pela primeira vez - naquele dia quando te deitámos vimo-las.- Eu também já as tinha visto. - Fionn olhava para Maria com o olhar pesaroso - Esperávamos há demasiado tempo que tive medo de acreditar.Sentiam todos o mesmo que Fionn. - Contigo inicia-se uma nova fase das nossas vidas e no pouco tempo que te conhecemos aprendemos a amar-te. És uma de nós. – Fionn continuava a olhar-lhe directamente nos olhos enquanto falava.Maria nunca pensou ficar tão sensibilizada, mas também não esperava aquelas palavras vindas dele, sorriu-lhe em agradecimento.- Afinal não és uma besta tão grande como pensava. - Maeve sorria-lhe.Ficara, no entanto, curiosa com algo que Fionn acabara de dizer. - Como sabias que tinha tatuagens? Fionn pigarreou. - No dia em que a Fada amaricada te emboscou, eu e o Rhenan levámos-te a casa e fui eu que te despi e deitei.- Fizeste o quê?- Juro que não vi nada. – sorria provocador - Quer dizer vi o suficiente. - E a besta voltou! - Maeve revolvia os olhos.- Mo ghrá! Se sonhasse que ele olhava mais do que devia quem o matava era eu. – Rhenan apertava-a, beijando-lhe o pescoço.- Mas as tatuagens fui eu que as fiz às escondidas dos meus pais. Não me apareceram por artes mágicas.- Nós sabemos, - Deirdre sorria-lhe, gostava da sua perspicácia - mas confirma-me. Fizeste uma por ano desde os teus quinze anos?- Sim. Foram uma prenda de aniversário que ofereci a mim mesma. - Explica-nos como sabias o que querias tatuar? - Sonhava com os símbolos. Fiz o pentagrama das costas no dia do meu aniversário, quando fiz quinze anos. O triskle no interior do meu pulso esquerdo no dia do meu décimo sexto aniversário e o último no meu aniversário do ano passado.- E esse último símbolo que tatuaste sabes qual é o seu significado? Maria ficou com a voz sumida quando voltou a falar. - A árvore do Mundo. - Filha! Tudo tem um significado. A árvore do Mundo é um Freixo, também conhecida por Yggdrasil. Foi a Deusa que te guiou marcando-te como a escolhida, para que te reconhecêssemos. - Mas a Profecia fala em mais três pessoas além de mim. - Não sabemos quem são, mas estamos confiantes que irão aparecendo conforme formos necessitando delas e que serás tu a encontrá-las ou elas a ti. - Afinal o que são as chaves?- A Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen. Mas a mais importante e a que as une a todas, tu! - Estou a lembrar-me de Lochan ter falado de Yggdrasil. – Maria falou sem saber porque o fizera.- Lochan? - Freya falava pela primeira vez, prestando atenção ao que Maria acabara de dizer, sentindo-se confusa.- Yggdrasil é a nossa casa. - Rhenan virou-a para que o encarasse, tentando desviar a atenção da mãe para a referência que fizera ao irmão.- Lochan falou contigo? – Freya insistia.- Em sonhos. – Maria sentiu que falara demais.- O que te disse? - Deirdre estava confusa.- Que Yggdrasil é uma árvore.- Ela tem razão mana - Freya levantou-se caminhando pela casa. - Yggdrasil é um Freixo.- Sim mãe, - Eoghan também se levantara - mas o que mais temos dentro e fora da propriedade são freixos.- Filha, Eoghan tem razão. Temos inúmeros freixos plantados em Yggdrasil. A qual te referes?- A nenhum em particular, só sei que o nome significa árvore da vida. Qual é o centro do vosso mundo como guardiões das chaves? – Maria começava a entender o que Lochan lhe quisera dizer.- A nossa família! – Maeve aproximara-se.- A casa e a família! - Rhenan levantou-se de um salto - Vivemos aqui desde sempre e na cave temos uma representação de Yggdrasil. Todos, menos Maria, seguiam o raciocínio de Rhenan.- E essa árvore só pode ser tocada por um guerreiro sidh. - Freya parecia ter-se esquecido da referência de Maria a Lochan - Eu não lhe posso tocar porque sou sidhe,mas não sou guerreira e os meus filhos são só guerreiros. - Mas o Lochan tal como a Maria, era sidh e guerreiro. - Fionn levantava-se, sentia que finalmente começavam a ter pistas para seguir. - Maria vem comigo! – Rhenan segurou-a pela mão encaminhando-se para as escadas da cave. A família seguia-os. Rhenan abriu uma porta na qual Maria ainda não reparara, situada atrás da escadaria. Acendeu a luz. Desceram as escadas de pedra. A cave era toda uma única sala da dimensão do andar superior, perfeitamente cuidada, com tapetes de pêlo que cobriam o chão de tijoleira, não tinha janelas e cheirava a incenso. As paredes estavam forradas de armários com livros. Menos a da esquerda onde estava embutida uma árvore branca. Maria largou a mão de Rhenan aproximando-se.Primorosamente trabalhada e escrita em Futhark, o alfabeto rúnico. Aproximou-se o suficiente para lhe tocar. - É maravilhosa! A árvore começara a brilhar e Maria viu o que nenhum conseguia ver, o local exacto onde guardar as chaves. Virou-se para lhes dizer e deu por si num verde prado rodeada de rios de prata, onde os animais passeavam calmamente. Parecia o paraíso.- Estás em Tara. – ouviu uma voz melódica, voltou a cabeça e viu uma belíssima mulher. O longo cabelo dourado caía-lhe ao longo das costas, olhos violeta, vestida com uma túnica cinza. Apesar de parecer inofensiva, sentia que tinha de estar alerta.- Tocaste na árvore sagrada. Ninguém tocava nela desde o último MacCumhaill. Só um sidh o pode fazer, isso significa que és aquela pela qual esperávamos. – Danu caminhava lentamente à sua volta.- Onde estou?- Nos meus domínios.- A Rainha dos Tuatha! Foste tu que mandaste aquele empecilho chatear-me.– Maria não se conteve apesar de algo dentro dela a avisar de que devia ter tento nas palavras.- Vê como falas de Lug. - a voz continuava amigável, porém os olhos tinham mudado - Fica sabendo que te protegeu durante a tua viagem.- Aceite as minhas desculpas. Mas porque me seguem?Danu parecia divertida.- Vou precisar de algo teu. – odiava ter de pedir, muito menos a uma humana.- O que posso ter que lhe interesse?- As chaves.- Chaves? – Maria tentava parecer surpresa, fingindo desconhecer o que dizia.- Sabes bem do que falo! – o tom suave mudara.- Para que as quer?- Vejamos. – recomeçou a andar à sua volta - Quero-as! É tudo o que precisas de saber.- Não me parece que raptar-me seja um bom começo de conversações. - gostava pouco que lhe dessem ordens.Danu ria-se, soando amigavelmente perigosa. - Gosto de ti humana, tens coragem.Maria respondeu-lhe com um esgar.- Vou deixar-te partir, mas pensa na nossa conversa. – Danu desaparecia. Regressava à cave ainda com a mão pousada na árvore, retirou-a, não fosse a Fada puxá-la uma vez mais para os seus domínios.- Maria! - Rhenan aproximara-se - O que aconteceu? - Não sei. – tremia.- Desapareceste! – Maeve observava-a incrédula.- Evaporaste-te e por magia voltaste a aparecer. - até Fionn a fitava de olhos esgazeados.- Foi a Fada rainha, desta vez não enviou o escravo veio pessoalmente.- Vamos para a sala. - Freya tirou-a dos braços do filho subindo as escadas, sem a largar. Tinham decidido que naquele dia nada ficaria por dizer, Maria devia saber com o que tinha de lidar e o que seria esperado dela. - Gostava de ter uns minutinhos com a cabra. – Fionn não queria que a mãe o ouvisse - Não pode entrar na nossa casa e levar um de nós só porque lhe apetece.- Claramente não entrou em nossa casa, a Maria é que entrou na casa dela. - Eoghan colocava uma tarte de porco na boca - Estou esfomeado.- Também eu. Falar nas Fadas, abre-me sempre o apetite. – Fionn servia-se. Rhenan colocava mais lenha na lareira, a temperatura voltara a baixar durante a tarde. O vento aumentava e recomeçara a chover. Todos sabiam que os uivos que escutavam não eram do vento. Os homens tinham-se certificado que a casa estava trancada. Enquanto comiam escutavam atentamente o que Maria lhes contava sobre Tara. Freya explicava a Maria, que a obrigação da família era manter as portas de Tara e Annwanfechadas, para que os seres que lá habitavam não circulassem livremente entre os mundos. Assegurando-lhe que nem mesmo Danu lhes poderia fazer mal. Maria ficara definitivamente mais tranquila.Contou-lhes que vira onde guardar as chaves, aproveitando para perguntar se Danu lhes teria acesso. Freya garantiu-lhe que nem mesmo a Rainha dos Tuatha podia tocar na árvore sagrada. Só um guerreiro sidh. Após o jantar e enquanto todos ajudavam a arrumar a mesa, Rhenan sentou-se no sofá puxando Maria para o seu colo. - Estás bem? É muita informação, se precisares de fazer uma pausa.Maria passou-lhe a mão pela cara, beijando-o.- Quero saber tudo e acabar o que Lochan começou. Continuo a não acreditar que o motivo que levou o teu irmão a retirar as chaves, esteja unicamente relacionado com aquela cabra.Rhenan suspirou triste.- Nenhum de nós sabe porque o fez. Conhecia o meu irmão como me conheço a mim e nada me faz aceitar a sua decisão.- Havemos de descobrir.- Espero que tenhas razão. - beijou-a.- Meus! Arranjem um quarto, não pagámos para ver isso.- Cala-te Fionn. – responderam os dois ao mesmo tempo.
Published on March 29, 2020 02:00
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