in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 8


OITO

Acaminho de Dublin passaram por sua casa onde deixaram as malas de Maeve no quarto contiguo ao seu. Rita já saíra. Maria desconfiava que depois da imagem que a amiga deixara em Yggdrasil e até que o assunto caísse no esquecimento evitaria ficar sozinha com ela. Arrumou dentro da mala os livros que necessitaria, perdera três dias e tinha de entregar diversos trabalhos naquele semestre. Os homens percorriam a casa certificando-se que estava tudo trancado, era o momento ideal para ligar aos pais. Estava mentalmente preparada para ouvir um sermão da mãe por não ter telefonado, porém depois de tudo o que passara aquela era a sua menor preocupação.Regressar para aquela casa deprimia-a, em Yggdrasil sentia-se perto de Rhenan. Andava com a carta e uma fotografia dele, que Maeve lhe dera, no bolso do casaco. Guardou-os na segurança da sua Moleskine.Respirou fundo enquanto esperava que a mãe atendesse, foi para a caixa de mensagens. Tentou o número do pai, também estava desligado. O pânico ameaçava tomar conta dela, temia que já estivessem dentro de um avião a caminho de Dublin. Com as mãos a tremer ligou para o número fixo da casa. Atendeu a empregada, os pais estavam de férias no Brasil, mas tinham-lhe enviado uma mensagem para o correio electrónico. Agradeceu, desligando com o coração a bater descompassadamente. A verdade é que já não lia o email desde quinta-feira. Abriu o computador que continuava na mesa da sala onde o deixara, viu a mensagem da mãe a informá-la que tinham ido para Fortaleza com os tios e o habitual grupo de amigos. Deixara o contacto do hotel e o número do quarto, enviou-lhes uma mensagem de resposta. Sabia que a mãe só a iria ler quando regressasse a Lisboa e enquanto andasse ocupada não se lembraria de lhe ligar. Respirou de alívio. Preparava-se para desligar o computador quando chegou uma nova mensagem, de Rhenan. O coração disparou. Hipnotizada olhava para o ecrã sem saber se a devia abrir. Sentia-se triste desde que partira sem se despedir e naquele momento ler o que lhe escrevera não ajudaria a melhorar a sua disposição. Concentrar-se-ia no que tinha de fazer e afastaria os pensamentos dele. Olhou uma última vez para a mensagem antes de desligar o computador. Maeve ambientava-se ao seu novo espaço.Maria dera-lhe o quarto que os pais tinham escolhido para eles quando a visitassem. Tinha uma cama de casal e era bem maior do que o dela. A casa começava a parecer-se com uma república.- Adorei o meu quarto. - rodopiava feliz, sentia-se como uma rapariga da sua idade. Ia frequentar a universidade, conhecer pessoas, fazer amigos, ser normal durante o tempo que lhe fosse permitido. Maria sorria-lhe divertida.- Maeve não nos podemos esquecer que a Rita também aqui vive, temos de ter muito cuidado com o que dizemos.- Fica descansada, vou estudar, comer, beber, dormir e namorar. Vou portar-me muito bem.- O que pensam os teus primos da parte do namoro? - Não lhes disse, – piscou-lhe o olho animada - mas também não precisam de saber tudo.- Se depender da tua segurança têm de saber o que fazes e por onde andas.- Para isso tenho-te a ti.- Sim, até porque eu sou uma grande protecção. - Já foste. – aproximou-se abraçando-a.- Desconfio que vamos ter muitos segredos. - Já estou a adorar a vida universitária. - suspirava de pura alegria.Maria sorriu-lhe, era difícil não ser contagiada pela felicidade de Maeve.- Tens tudo? Maeve anuiu com a cabeça pegando na mala que comprara propositadamente para as aulas. - Temos de ir. Não queres chegar atrasada no teu primeiro dia.Maria agarrou na mala seguida de Maeve com a escolta de Eoghan e Fionn que trancou a porta guardando a chave no bolso. Combinaram que nos dias em que as aulas acabassem ainda com a luz do dia seguiam para casa de camioneta, nos outros, eles estariam à sua espera para as levar em segurança para casa.Aos fins-de-semana ficariam em Yggdrasil.Maria queria começar a ler tudo que lhes dizia respeito, os costumes antigos. Os homens já a tinham avisado que tinha de aprender a lutar. Começava a ter visões recorrentes com Lochan, apesar de ainda não lhe ter visto o rosto sabia que era ele, o timbre da sua voz era igual à de Rhenan.Tentara provocar uma visão, mas a única coisa que conseguira fora uma valente dor de cabeça e um sonho atribulado, onde Rhenan, a amava apaixonadamente. Tinha sido um sonho tão real que acordara nua na cama dele, com o coração a saltar-lhe do peito, a respiração ofegante. Como ali chegara continuaria a ser um mistério, nessa noite decidira dormir na cama dele, queria senti-lo. Quando a excitação abrandara caíra num sono profundo e sonhara que dormia nos seus braços.
Os dias passavam normalmente, nem Fadasnem seres ainda mais esquisitos, apesar de os escutarem mal caía a noite.Eoghan tirara-lhe os pontos e quase nem se notava cicatriz. - Estou pronta para outra.Olhou para ela espantado.- Podes ficar descansado, não estou a falar a sério. – riu-se divertida com o olhar que lhe deitou. Eoghan era muito cuidadoso, voltando a desinfectar-lhe o braço. – Sabes que também te adoro. – esticou-se dando-lhe um beijo de agradecimento.Eoghan sorriu-lhe.- Também te amo. Abraçou-o, beijando-o.Eoghan apertou-a num forte abraço.- O meu irmão tem muita sorte por te ter encontrado, nunca pensei voltar a ver-lhe vida no olhar.Fionn parado à porta do quarto de Maria apreciava.- Que lindo! Se o Rhenan te vê abraçado e aos beijos à mulher dele a coisa pode ficar feia.- E se não saíres daqui depressa pode ser que fique ainda pior para o teu lado. - Eoghan piscou o olho a Maria enquanto ameaçava Fionn.- Considera-te avisado. – afastou-se a sorrir, reparara que a ferida cicatrizara bem, mal se notando. A pequena sidhe era forte e isso agradava-lhe.
Tal como a estupidez de Fionn se mantinha inalterada, a alegria de Maeve era contagiante e como seria de esperar o grupo aceitara-a de imediato. Entre Sergiu e Maeve existia algo mais, o homem bebia os ares por ela e aparentemente era correspondido. Maria dava-lhes espaço acabando por ter mais tempo para si. Sergiu inspirava-lhe confiança, parecia-lhe tão protector como os irmãos MacCumhaill nunca se apercebera disso até o ver com Maeve. Algo lhe dizia que se necessitassem da sua ajuda saberia o que fazer para as defender.Lug continuava a segui-la a uma distância segura sabendo que os irmãos andavam por perto. Maria habituara-se a cumprimentá-lo sempre que o via, dava-lhe um prazer especial saber que irritava aquela Fadametediça. Tinha vontade de o chamar e perguntar-lhe porque continuava a segui-la, mas Maeve assustara-a tanto com a má fama das Fadasque mudara de ideias. Maeve explicara-lhe que o ataque fora com toda a certeza perpetrado pelas Sombras, almas do submundo, as mesmas que ouviam lamuriar-se todas as noites. Tinha de se informar sobre elas antes de regressar a Lisboa, não queria levar na bagagem toda aquela loucura sabendo que colocaria a sua família em perigo. Já sabia quem era Lug, que respondia somente à sua Rainha Danu e que com as Fadastudo tinha um preço. Comprou uma sandes de ovo, uma garrafa de água e sentou-se no seu banco de eleição no campusdo Trinity College. O longo banco de madeira tinha gravado no encosto, que fora oferecido em memória do professor F. Sleith, pela sua mulher. Em todos os bancos espalhados pelo campusestava gravado o nome de alguém, imortalizando-os. Passou a mão ao longo da inscrição, era agradável poder ser recordado de uma maneira tão simples por quem os amara. Colocou a mala no chão, passara muito tempo desde que tivera um momento sozinha, fechou os olhos reclinando-se. O sol aquecia o suficiente para não querer sair dali para se fechar numa sala fria e impessoal.    Permitiu que a mente viajasse. Estava deitada num campo verde perto de um lago de águas escuras, ovelhas pastavam não muito afastadas do local onde se encontrava. Ouvia a voz de um homem, chamava-a, levantou a cabeça na sua direcção, sentia os olhos pesados, não os conseguia abrir, mas soube quem era. - Lochan?- Dia duit! Conas tá tu!Rhenan caminhava pelo quarto. Angustiado por estar afastado de Maria. Sabia que podia contar com os irmãos para a protegerem, que tinha sido bruto quando falara com Eoghan, contudo, quando vira a mãe caída no chão do quarto a tremer e a gritar para que Maria acordasse, desesperara. Tentara ligar-lhe diversas vezes sem sucesso. Percebera que necessitava de ajuda e nunca chegaria a tempo de a salvar do que se aproximava. Fora o seu telefonema para o irmão a indicar-lhe que Maria talvez ainda estivesse dentro do campus, que fizera com que Eoghan chegasse tão depressa. Eoghan acabara de os colocar ao corrente sobre o novo e estranho encontro entre Maria e Lochan. Escutara com atenção como o irmão a protegera apesar de se encontrar preso num limbo até então desconhecido para todos. Deixara-lhe uma carta, não sabia se a lera. Maria fazia-lhe falta. Tentara convencer a mãe a deixá-lo regressar, sem sucesso, continuava irredutível na sua decisão. Talvez tivesse razão, não conseguia garantir manter-se afastado dela, queria-a na sua vida, na sua cama. Sonhava constantemente com ela e a última vez que o fizera tinha sido intenso. Maria procurara-o, deitando-se a seu lado, podia jurar que a sentira, mas ansiava por mais. Acordara com a sensação de vazio por estar sozinho na enorme cama. Não sabia o que a sidhe lhe fizera, mas nunca em todos os seus anos se sentira tão submisso. Noutras condições, num mundo ideal podiam ser felizes, para já tinham de se contentar com o que conseguissem e tentar manter-se vivos.Afastou os lençóis, caminhando descalço, agarrou no telemóvel pousado em cima da cómoda olhando para a fotografia que guardava de Maria, a mesma que Fionn lhe enviara. Conhecia o irmão para saber que o fizera unicamente para o provocar, deixando-o ainda mais desvairado do que já se encontrava. Quando voltasse teria umas contas a ajustar com ele sobre aquela foto. Maria dormia nua na sua cama. Chegava a ser ridículo estar refém da mãe quando podia estar com ela. Voltou a olhar para a imagem passando-lhe o dedo, acariciando-a, era assim que se recordava dela no sonho. O facto de saber que Maria sentia a sua falta, ao ponto de se deitar na sua cama para estar perto dele, fazia-o tremer de desejo. Falaria com a tia, tinha de o ajudar a convencer a mãe a deixá-lo regressar ou enlouquecia. Queria construir o seu lar ao lado de Maria.Voltou a pousar o telemóvel olhando para o relógio, passava pouco das cinco da manhã em Dublin menos uma hora do local onde se encontrava. O seu último pensamento foi para ela. - Tá grá agam ort Maria! Mais do que a vida.
Na protecção que o escuro lhe conferia, Goll não estava satisfeito. Tivera a oportunidade de apanhar a sidhe dos MacCumhaill, mas quando se aproximara, escapara-lhe. Hel devia ter ajudado, mas o ódio que sentia pelo líder do Clã era tão grande que quando não o encontrara nos limites da propriedade começara a vaguear sem rumo à sua procura. Era difícil controlar as criaturas das trevas quando se alimentavam exclusivamente do ódio, da última lembrança terrena que tinham. Hel tentara matar, sem sucesso, a jovem fêmea do Clã, porém a estranha que os acompanhava atravessara-se no seu caminho utilizando o corpo como escudo para a proteger. Fora o suficiente para perceber que para atingir o Clã, tinha de começar por se livrar daquela criaturinha intrometida. Hel rodopiava à sua volta, perdera toda a beleza que tivera em vida, os farrapos que trazia agarrados ao corpo eram reminiscências das roupas com que morrera. Sentia nojo da traell, nem em vida permitiria que se aproximasse dele. As outras Sombras sabiam quem era e temiam-no, ninguém ousava pronunciar o seu nome. Goll MacMorna.Atraído para a morte pelos filhos dos seus inimigos, assassinado por lacaios dos MacCumhaill, o corpo abandonado a apodrecer. Odiava-os, mas a sua oportunidade de se vingar chegaria. Tinha de encontrar as chaves se queria voltar a caminhar no mundo dos vivos e acabar definitivamente com o Clã, infligindo-lhes todo o sofrimento que conseguisse. Manteria Hel por perto, ainda podia vir a ter alguma utilidade, quando não precisasse mais dela destrui-la-ia, a sua presença enojava-o. Porém tinham um inimigo comum e era neles que se tinham de concentrar, nada mais importava. Gol tinha conseguido com o auxílio da Bruxa que já o ajudara em vida e a pedido da Deusa caída em desgraça uma forma de se vingar dos MacCumhaill e esse dia estava a chegar.Afastou-se das almas que continuavam a mover-se sem destino. Conseguia caminhar livremente no interior da propriedade apesar de a entrada lhes estar vedada. Tinha uma poderosa protecção, a luz azul brilhava ao seu redor ferindo-o.




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Published on March 24, 2020 03:00
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