in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 1
UM
O copo voou através da sala estilhaçando-se de encontro à parede de pedra da lareira. Fionn estendido no sofá bebericava o seu Jameson, atrevendo-se a comentar.- Pareces ansioso. Rhenan olhava irritado para o irmão não se dignando responder-lhe. Caminhou até uma das janelas da sala parando para admirar as montanhas de Wicklow, esperava que a serenidade que lhe transmitiam o conseguissem acalmar. Sentia que o mundo como o conhecia estava prestes a mudar e as mudanças nem sempre eram para melhor. A ansiedade que o dominava desde a madrugada não augurava nada de bom. Sentira-se assim quando o pai e o tio foram chacinados por Gol MacMorna e nem ele nem os irmãos os tinham conseguido ajudar. As más recordações daquele dia continuavam a assombrá-lo e naquele momento pareciam-lhe mais vivas do que nunca. O pior é que não conseguia deixar de sentir que algo importante estava na iminência de acontecer. Temia pela sua família, com a mesma intensidade pela qual ansiava o fim do calvário em que se encontravam, há demasiado tempo.Necessitavam de colocar um ponto final no sofrimento em que existiam e tinham de começar finalmente a viver.Pegou noutro copo voltando a enchê-lo.A porta da sala abriu-se de rompante, Rhenan não necessitava de se voltar para saber que era a prima. Fisicamente era muito diferente dele e dos irmãos. Herdara todos os traços do lado viquingueda família, com o longo cabelo loiro e olhos azuis. Maeve entrou na sala a cantarolar. Vestia calças de ganga com uma camisola preta da mesma cor das botas de cano alto. Podia perfeitamente ser capa de uma revista de moda. Calou-se quando os seus olhos se cruzaram com o copo que o primo levava aos lábios. - Pequeno-almoço? Já não havia café na cozinha? – os seus olhos foram atraídos para o vidro estilhaçado na lareira – E a tentares redecorar a sala num estilo medieval? Faz-nos um favor a todos e destrói aquele troféu asqueroso que está em cima da lareira. Fionn que se mantivera afastado da agitação, saltou do sofá dirigindo-se para a lareira a passos largos, agarrando-o com um rápido movimento. Era só o que faltava, que lhe partissem o seu prémio de melhor bebedor de Guinness. Estavam doidos. Saiu da sala em passo acelerado, tinha de o esconder onde aqueles loucos nunca o encontrassem. Maeve não tirava os olhos do primo, sentia a sua agitação. - O que te preocupa, meu querido? Há muito tempo que não te via assim. Virou-se observando-a. Tinham o mesmo rosto angular, o mesmo azul intenso do olhar, características comuns a todos, porém os homens tinham todos o cabelo negro, revolto, lembrando as asas dos corvos. Rhenan sorriu-lhe levando o copo aos lábios.Admirava o primo e não conseguia deixar de pensar como seria possível que um homem tão atraente estivesse sempre só. Com o passar dos anos parecia-lhe mais triste. Não se lembrava de o ter visto com muitas mulheres, de sentir que tivesse gostado realmente de alguma. De todos, era quem mais necessitava de encontrar a felicidade. Dos irmãos era o mais alto, no cimo do seu metro e noventa e cinco inspirava um certo temor a quem não o conhecesse. Maeve sorriu ao lembrar-se das vezes que saiam juntos, as mulheres praticamente atiravam-se para cima dele tentando chamar-lhe a atenção, enquanto os homens preferiam manter uma saudável distância.Aproximou-se enlaçando-o num forte abraço, sussurrando.- O que te está a deixar tão ansioso? Não te vejo assim há muito tempo, pareces perdido. Diz-me o posso fazer para te ajudar.Rhenan deu-lhe um beijo no alto da cabeça. - Não consigo explicar. Sinto que vai acontecer algo e que não o conseguirei evitar. Temo por não saber o que poderá ser. Maeve afagou-lhe o cabelo. - Espero que não estejas a pensar no que aquela doida te disse. É louca e não é de confiança. Além do mais já se passou tanto tempo. Porquê agora?- Porque não! Se até tu te lembraste do que me foi dito, se não fosse importante ou para levar a sério não o recordarias.- Ela disse-te que “chegaria o dia em que enfrentarias algo vindo do mar que te deitaria por terra”. Se queres a minha opinião, não passa de poesia barata. Os Tuatha Dé DanannOs minutos pareciam horas. Já tinham chegado a casa e nem sinal de Fionn. Rhenan caminhava impaciente pela sala, espreitando através das janelas com o olhar fixo no frondoso portão da propriedade na esperança de o ver aparecer, tentando controlar o nervosismo que sentia.Ouviram o portão abrir e um chiar de pneus. Fionn entrava com o carro a derrapar estacionando em grande estilo diante da porta, no momento que Rhenan saía saltando os degraus, caminhando na sua direcção.- Se tiver um único arranhão vamos ter muito que conversar. - Rhenan aproximou-se olhando atentamente para o carro.- Antes de me atirares para dentro de algum poço, aviso-te que tenho a morada delas. – Fionn abanava um papelinho no ar como uma bandeira branca. Rhenan esticou-lhe a mão. Fionn obedientemente entregou-lho junto com as chaves do carro. - Parece-me um risco na porta do condutor. - Rhenan falava mais alto, mas Fionn já conseguira desaparecer dentro de casa quase chocando com a prima.- O que aconteceu? - Não me viste. – galgou os degraus da escadaria. Para sua segurança devia manter-se afastado do irmão. Realmente tinha feito um risco microscópico ao sair do estacionamento ainda no aeroporto, esperando que o irmão não reparasse. - O que fizeste desta vez? Fionn! – Maeve encolheu os ombros. Viver numa casa com três homens adultos que na maior parte das vezes agiam como crianças era exasperante e o pior é que nunca mudariam. Mesmo sabendo isso os primos eram os seus irmãos. Eram protectores, calorosos, unidos. Por eles estava disposta a fazer o que fosse necessário para os manter em segurança. O que acontecera no aeroporto quando a portuguesa aparecera tinha sido um aviso, o destino alertava-os. Teria a Profeciacomeçado, como Danu dos Tuatha Dé Danannprevira? Maeve estremeceu com o toque do telemóvel, atendendo de imediato.Antes mesmo de perguntar quem era, uma voz familiar fez-se ouvir.- Avisa os teus primos que vos quero ver no próximo fim-de-semana. - o tom de voz não deixava espaço a objecções.- Está tudo bem contigo e com a tia? – de todas as vezes que a mãe utilizava aquele tom sabia que algo estava na iminência de acontecer e normalmente não era bom.- Sei que o teu primo chegou, por isso peço-te que os avises. Beijos filha. – desligava sem demoras.Maeve ficava deprimida sempre que falava com a mãe, nunca sentia da parte dela o carinho de que necessitava. A tia era a sua confidente e felizmente contava com os primos para tudo. Porém o vazio que sentia no coração pela aparente indiferença da mãe era real. Olhava para o telemóvel quando Rhenan entrou. Pela expressão da prima soube de imediato com quem falara.- A tia ligou? Maeve anuiu. - Quer-nos lá este fim-de-semana.Baixou a cabeça, não queria que visse os seus olhos húmidos. Rhenan abraçou-a, encaminhando-a para a sala onde a lareira libertava o calor de que Maeve necessitava. - Vou avisá-los. - guardou o papel com a morada que Fionn lhe entregara no bolso da camisa. Aquele dia transformara-se numa sequência de estranhos eventos. Parecia que a aparente calma em que tinham vivido estava prestes a acabar tal como as Fadas tinham pressagiado. Estavam no início de uma nova Era.Já não tinha dúvidas de que a Profeciacomeçara.
Published on March 17, 2020 04:38
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