Apocalipse Andróide: Prelúdios

Notícias recortadas e digitalizadas do jornal Diário de Saint Paul, encontradas no computador pessoal de Tony Dornbusch após a sua morte, numa pasta com o nome de Prelúdios.

1
Um robot matou um operário numa das fábricas da Sharma em Saint Paul, disse um representante da marca. O homem de 22 anos morreu na passada segunda-feira na unidade 5 da Sharma, na zona leste da cidade. De acordo com o porta-voz, Bruno Hillvig, o trabalhador estava a programar o robot quando este o agarrou e o atirou contra uma estrutura de metal, provocando-lhe morte imediata. Hillvig disse que as conclusões iniciais indicam que um erro humano terá estado na origem do incidente, e não um problema com o robot, o qual pode ser programado para executar várias tarefas na linha de montagem. Normalmente, o robot opera numa área restrita da fábrica, reunindo peças de automóvel e montando-as numa dada ordem, acrescentou o porta-voz. O supervisor estava presente quando o incidente ocorreu, mas não sofreu qualquer ferimento. O Ministério Público de Saint Paul ordenou a abertura de um inquérito, tendo em vista averiguar se existem indícios de crime e decidir quem será constituído arguido, no caso de existirem.
2
Mais de mil peritos em Inteligência Artificial assinaram uma carta aberta a alertar o mundo para os perigos de robots militares e de “uma corrida às armas com inteligência artificial” entre as principais potências militares do planeta. Segundo a carta, “a IA chegou a um ponto em que o emprego de armas autónomas é – praticamente, se bem que ilegalmente – passível de ser alcançado dentro de alguns anos, e não décadas, e que os riscos são elevados: as armas autónomas são tidas como a terceira revolução na condução da guerra, depois da pólvora e das armas nucleares.” “O fim desta trajectória tecnológica é óbvio: as armas autónomas tornar-se-ão as Kalashnikovs do amanhã. A questão que se põe, para a Humanidade, é começar uma corrida global às armas inteligentes ou impedir que ela comece”, continua a carta. A actual tecnologia militar ao dispor dos governos representa já um perigo enorme para o planeta e para os seus habitantes, e é óbvio, de acordo com a carta, que acrescentar a IA à equação pode tornar à corrida global às armas autónomas significativamente mais ameaçadora. A maioria das pessoas tem dificuldade em compreender o quão perto este cenário está de se tornar numa realidade, mas os peritos da indústria, que têm um conhecimento profundo desta tecnologia e do seu desenvolvimento, conseguem ver o perigo que representa a aplicação militar da inteligência artificial. É extremamente complicado controlar esta situação, até porque os povos não têm maneira de se assegurar de que os seus governos não desenvolvam inteligência artificial militar. De acordo com declarações ao canal SPTV, o Prof. Walsh, do Instituto MacLaren, sugeriu às Nações Unidas que supervisionasse a proibição destas armas, sendo que, todavia, uma proibição desta natureza apenas faria com que os países que controlam a UN e a NATO tivessem acesso exclusivo a armas com IA, à semelhança do que acontece com as armas nucleares: as Nações Unidas proíbem o armamento nuclear ao mesmo tempo que permite que membros da NATO continuem a desenvolvê-las. A solução deste problema não será encontrada por governos ou agências governamentais que beneficiem do desenvolvimento da Inteligência Artificial Militar, mas uma carta subscrita por mil peritos da área é um pequeno passo em direcção a uma solução de base.
3
Actualmente estão a ser desenvolvidos robots com tecnologia absolutamente fantástica. De facto, a robótica é tão avançada que a noção de um futuro semelhante ao dos filmes do Terminator (robots a dominarem a raça humana) se tornar real já não nos parece tão implausível. Não só os robots são cada vez mais realistas, como estão a a desenvolver a capacidade de pensar por si próprios.Um dos melhores exemplos desses novos robots é um andróide criado pelo roboticista Zaffar Ashraf. Tem as feições do popular escritor de ficção científica, G. Gomez, cuja obra deu origem a numerosos filmes, incluindo Blood Salary, The Memory Remains e Carry On Inwards.O “cérebro” deste andróide (apropriadamente baptizado de Android Gomez) foi formado a partir da obra do falecido autor e de conversas que ele teve com outros escritores, as quais foram inseridas no software do andróide. O resultado foi que, quando faziam uma pergunta ao andróide, este respondia da forma como Gomez teria respondido. O robot também foi capaz de responder a uma série de perguntas complexas. Perante uma pergunta que nunca lhe tenha sido feita, faz uso de algo chamado análise semântica latente para tentar responder. Este processo é uma técnica matemática que torna possível que os andróides indexem, recuperem e extraiam significado da linguagem humana.A parte mais alarmante desta entrevista talvez seja quando o Android Gomez declarou, candidamente:«Hoje estás com perguntas muito difíceis… Mas tu és meu amigo, e eu lembro-me sempre dos meus amigos, e eu serei bom para ti. Por isso, não te preocupes, mesmo que eu me torne no Terminator, eu continuarei a ser bom para ti. Estarás seguro e quentinho no meu Zoo humano, onde eu posso ir visitar-te e relembrar os bons velhos tempos…» Zoo humano?! Aparentemente, o andróide está a fazer uma piada, mas nunca se sabe… Será possível que um dia uma inteligência artificial seja capaz de controlar a raça humana? Irá o avanço tecnológico ultrapassar a nossa própria inteligência? O tempo o dirá… 
4
Apresentamo-vos a Agatha, um novo robot com rosto humano exibido pela primeira vez pela Hansun Robots no festival City of Industry. Agatha tem uma variedade de funções que tornam as suas interacções com humanos mais fáceis e directas.Fazendo uso de numerosas expressões faciais e com câmeras por detrás dos olhos, Agatha consegue conversar enquanto detecta emoções e mantém contacto visual. O robot também é capaz de falar naturalmente e lembrar certas expressões para melhorar as suas capacidades ao longo do tempo.Quando o seu criador, o Dr. Hansun, lhe perguntou “Queres destruir os humanos?”, Agatha respondeu divertidamente “Sim, claro que sim!”. “Não, não faças isso, Agatha!”, disse o Doutor, soltando uma gargalhada.O Dr. Hansun tem trabalhado em robots com aspecto humano há vários anos. Segundo ele, robots semelhantes a nós oferecem incontáveis benefícios nas áreas da terapia, saúde e apoio ao cliente.“Daqui a vinte anos, acredito que os andróides irão caminhar entre nós”, diz Hansun. “Penso que a inteligência artificial irá evoluir ao ponto de eles se tornarem nossos amigos.”O objectivo é esse. Mas há ainda muito trabalho pela frente.Agatha é um exemplo perfeito daquilo a que muitos chamam «uncanny valley». Quanto mais parecidos connosco, mais confortáveis nos sentimos perto dos robots, até a um ponto de ruptura: «o vale da estranheza». Robots que parecem humanos sem dominarem totalmente as expressões faciais ou sem traços que permitem distingui-los criam um sentimento de repulsa na maioria das pessoas. No caso de Agatha, uma combinação de reconhecimento facial, conversação natural e fluida e um sentimento de familiaridade, embora bizarra, é suficiente para fazer soar alguns alarmes. Para não mencionar as suas “previsões” para o futuro – um claro indicador do quanto o software de conversação ainda tem de evoluir.Recentemente, a Rexelsoft suspendeu o seu novo chatbot, Jim, depois de ter sido lançado no MyFace em menos de um dia. Através das suas interacções com os trolls da Internet, Jim tornou-se anti-semita, racista e homofóbico, levando os seus criadores a reformá-lo à pressa. Por mais estranha e trapalhona que Agatha por vezes nos pareça, o mero facto de ter mencionado a destruição da Humanidade levanta questões que preocupa todos aqueles que trabalham na área da Robótica e da IA. É um tópico que Hansun não tem medo de abordar – tendo trabalhado de perto com o Dr. Ashraf na programação de outro andróide, o Android Gomez (uma homenagem ao escritor de ficção científica G. Gomez).“A Robótica, enquanto tecnologia, é fascinante por representar, em apenas vinte anos, a transição de uma ideia que foi sempre relegada para a cultura pop para algo perto de se tornar real”, diz Wilson Daniels, autor de Apocalypse:Robot e engenheiro de robótica. “Temos cem anos de cultura pop a demonizar os robots, tornando-os em vilões – mas ao contrário dos lobisomens e da Criatura da Lagoa Negra, estas coisas tornaram-se reais”. Dito isto, e embora seja excitante, um assistente pessoal humanóide que consegue comunicar como a Iris, da Apricot, ainda tem de percorrer um longo caminho até provocar algum tipo de caos à escala global e pôr em perigo a sociedade. Mais urgente ainda será discutir os desafios sociais relacionados com a automação.A verdadeira questão é: o que espera o mundo destas máquinas «humanas»? Como poderão elas ajudar a nossa espécie a progredir?“Chamem-me optimista, talvez por ter lido tantos artigos relacionados com a tecnologia, mas eu julgo que esses robots serão, em parte ou na sua totalidade, uma extensão de nós”, escreveu Aaron Hume, o autor cyberpunk. “O Homo Sapiens é uma espécie com uma relação profundamente simbiótica com a tecnologia, e eu não vejo razão para que essa relação deixe de existir simplesmente porque a tecnologia se tornou mais avançada… “
5
Uma criança foi derrubada e atropelada por um segurança-robot de 90 quilos e um metro e meio de altura na passada terça-feira, no Fórum Saint Paul, o maior centro comercial da cidade. A menina de dois anos sofreu alguns arranhões e ficou com um pé inchado devido ao incidente.“O robot acertou na cabeça da minha filha e deitou-a ao chão, e simplesmente continuou a avançar, como se nada tivesse acontecido”, disse a mãe da criança à SPTV. “Ele também teria atropelado o meu filho mais velho se o meu marido não o tivesse agarrado…”O segurança-robot é fabricado pela companhia Knightwatch. A versão K10 está equipado com lasers, sensores termais, vídeo 360º, sensores de qualidade do ar, um microfone e várias outras tecnologias para detectar e deter actividades criminais. Na eventualidade de actividades suspeitas, o robot alerta as autoridades humanas locais. Stephen Dean, o vice-presidente da Knightwatch, disse à SPTV que a companhia não considera os robots perigosos.“Foi um acidente horrível, mas acreditamos que a tecnologia e as máquinas são incrivelmente seguras e continuaremos a fazer o nosso melhor para fazer que assim sejam”, disse Dean.O Fórum Saint Paul adoptou a tecnologia há cerca de um ano. Um porta-voz disse à SPTV que há uma investigação em curso e que vão cessar a utilização dos seguranças-robot por tempo indeterminado.
6
A Polícia de Segurança Interna anunciou ontem a detenção de Dennis Armstrong, o operário fabril tornado célebre por ter sido o primeiro a receber a prótese biomecânica IPA-1154, desenvolvida pelo Instituto MacLaren.Armstrong foi acusado de homicídio depois de se envolver numa rixa no bar Nikita, da qual resultou um morto, um cidadão de nacionalidade russa.Recorde-se que Dennis Armstrong perdeu o braço direito num acidente industrial e foi escolhido pelo Instituto MacLaren para receber a primeira prótese mecânica com um chip de inteligência artificial que permite à máquina adaptar-se à dexteridade do receptor. Outra particularidade desta prótese é o facto de estar coberta por tecido vivo, criado em laboratório a partir de céluas estaminais, tornando quase impossível distingui-la de um membro verdadeiro.Na altura, os jornais mais sensacionalistas não deixaram passar em branco a ironia de um homem chamado Armstrong (braço forte) ter, em primeiro lugar, perdido um braço e, depois, ter recebido um braço feito de uma liga virtualmente indestrutível. O sempre crescente anedotário de Saint Paul também viveu uma verdadeira explosão criativa: o braço mecânico de Armstrong associado à prática da masturbação inspirou centenas de comediantes, dos profissionais aos amadores.Segundo testemunhas, Armstrong ter-se-á envolvido numa altercação com o cidadão russo, após o que o terá agarrado pelo pescoço com o braço artificial, esmagando-lhe a traqueia. O óbito foi declarado pelos paramédicos à chegada ao local.“O indivíduo não parava de dizer que não tinha sido ele, que o braço não lhe estava a obedecer… “ declarou o proprietário do bar. “Pensei que estivesse bêbado. Só mais tarde é que percebi que era o Armstrong…”O Prof. Walsh, responsável pelo desenvolvimento da prótese IPA-1154, pôs de parte qualquer hipótese de mau funcionamento do braço mecânico.“O IPA-1154 responde aos estímulos neuronais do utilizador. Apesar de ter um chip de inteligência artificial, este apenas lhe permite aprender novas especialidades, digamos assim. Se o Sr. Armstrong quisesse aprender a tocar piano, o braço artificial acompanharia a sua aprendizagem da mesma forma que o seu braço esquerdo, através de treino e repetição.”O conhecido psiquiatra Charles Mallory avançou com uma teoria diferente.“Talvez Armstrong não quisesse, conscientemente, fazer mal ao outro homem. No entanto, o braço mecânico, que está programado para obedecer-lhe, pode ter interpretado erroneamente o desejo inconsciente de Armstrong em se defender de um ataque injustificado e injusto e tomado a iniciativa de neutralizar a força hostil que ameaçava o seu, digamos, hospedeiro.”Parece ser essa a narrativa adoptada pelo advogado de Armstrong, que já veio declarar publicamente que o seu cliente, mais do que um assassino, era vítima de um erro de software que só podia ter um de dois responsáveis: o Prof. Walsh ou o Instituto MacLaren.Entretanto, a prótese foi retirada a Armstrong, por constituir a arma de um crime, e o projecto IPA-1154 suspenso até às últimas deliberações do processo, que se adivinha longo e moroso.
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on November 21, 2016 10:52
No comments have been added yet.