Zander Catta Preta's Blog: A casa do Zander, page 2

February 17, 2022

O Viés de Agressão e o Super-Homem bissexual

Superman and BatmanSitting in a tree / K-I-S-S-I-N-G! / First comes love / Then comes marriage / Then comes baby / In a baby carriage!

Tem um ditado muito comum na psicologia de boteco (e bastante repetida por coaches e palestrantes mundo afora) que a gente sempre encontra o que está buscando. Nesse caso, vou me alongar um pouco porque isso é bem verdade, mas não da forma vendida, claro.

A. Gente. Sempre. Encontra. O que. Está. Buscando.

Repita isso como um mantra e tatue no antebraço esquerdo. Ou direito, se você for canhoto. Aí você tira a carteirinha de membro honorário do Clube d’O Segredo e vai ser coach na vida (pós Drummond). Só que não.

A gente tem na nossa construção cognitiva mais primária a capacidade de reconhecer padrões. Aliás, boa parte dos animais tem isso, mas somos hipertrofiados nessa questão (que nem as águias na visão e os tubarões no olfato). Temos uma capacidade tão “musculosa” que vemos padrões onde não existem. Principalmente faces e especialmente meta-padrões, aqueles criados por outros padrões, como as línguas, os desenhos, sons e outras abstrações. Com isso criamos o que chamamos cultura.

(Digo, não só por isso. Tem aquela coisa do cru versus cozido e natural versus artificial que são dilemas já caducos, porém válidos para entender A e B.)

Essa hipertrofia funciona melhor naquilo que somos mais familiares. Reconhecemos mais facilmente os ídolos que o amigo de vinte anos que deixamos para trás; melhor uma canção que cala no coração que a balada de fundo durante seu primeiro beijo. Ou transa. Citações, quase sempre erradas ou mal atribuídas, são parte do nosso repertório de construção cognitiva racional (aquela parte que deveria “ter razão”, mas é apenas pedaço do sistema consciente; não é necessariamente lógica ou verídica) e, em contrapartida, é difícil decorarmos um poema ou lembrarmos de uma letra longa.

Enfim.

A gente tende a reconhecer aquelas coisas que nos são familiares. E mais familiar que o gozo é a dor. Tudo que nos incomoda é facilmente identificável. Eu mesmo já mal interpretei textos porque vi expressões discriminatórias ou anti-científicas, quando o autor estava apenas citando ou construiu mal a negação da expressão. Não importa: no primeiro momento, o cérebro identificou aquele pedaço como inimigo e tal e qual os anticorpos criados por vacinas, fui para cima com meus argumentos infalíveis e eficazes. Fiasco, né?

O que observo, principalmente nas redes sociais, mas não restrita a isso, é que mesmo quando há compreensão da mensagem, do que é dito ou mostrado, a gente se apega a um detalhe, a um ponto. E normalmente é aquilo que nos incomoda. Se alguém posta uma notícia onde uma pessoa “de cor” foi curada de uma doença X, os apologistas da “igualdade racial” irão reclamar da “necessidade disso”, de citar a raça de alguém numa notícia (boa, claro! numa ruim…); os defensores dos direitos de minorias irão dizer “por que ‘de cor’ e não negro, branco ou apenas não-branca?”. Enquanto isso, os meios noticiosos ficam felizes com o engajamento.

O lance é o gatilho que esse “click bait” dispara na pessoa.

Quem se incomoda com nudez — por qualquer motivo — irá reclamar até com o vizinho do bloco do lado que anda de cuecas na sua própria casa (sim! tem um “meme” disso rolando no submundo da internet, o Twitter). Quem se incomoda com racismo, irá reclamar até do nome de Os Mulheres Negras, uma banda com dois homens brancos (e foi exatamente por isso que eles colocaram esse nome; era exatamente o que eles não eram). Quem se incomoda com inclusão, irá reclamar de elfos negros em Senhor dos Anéis (uma adaptação para TV sendo inclusiva, vejam só!), com personagens de quadrinhos sendo bissexuais (quem diria que quadrinhos iriam se atualizar! olha só!), com joguinhos onde os personagens são transgênero ou mesmo com propostas de alteração da linguagem.

A questão é que isso ativa não só o gatilho, mas como também o receio da mudança do “mundo como ele é” para essas pessoas. Essas últimas, no caso. Dói nelas ver a mudança, os seus valores sendo questionados e seus “ídolos” (ou referências cognitivas) sendo reposicionadas.

Lembra do que falei no início, sobre o reconhecimento nos ídolos? Pois é. Quando um ídolo nosso vira (ou se revela) bissexual, troca de etnia, mostra o genitália desnuda em alguma mídia e isso dispara o gatilho que nos incomoda, damos um salto espiral carpado no mapeamento mental da nossa realidade. Isso mostra que estamos envelhecendo, que o mundo está mudando, que nossos valores não estão funcionando mais e reagimos a eles violentamente, em parte; sofrendo, em outra.

***

Falei mais que o moço da cobra para dizer que isso tudo é uma versão do tal do Viés de Confirmação, aquele que faz a pessoa pegar apenas as informações que lhe interessam (mesmo que seja para odiá-las) e abstrair o resto. Tipo o nerd chato que vai ao filme e fica reparando na trilha sonora anacrônica e nos detalhes “errados” da produção. Chamo de Viés de Agressão, onde a pessoa espera ser agredida por uma mensagem e a busca incessantemente onde aparecer.

Esse nerd espera ver seus desejos, sonhos e ideais perfeitamente representados numa mídia e tem zero flexibilidade para qualquer adaptação, ainda que a adaptação seja o alicerce central desse processo, a transposição de uma mídia (ou continuação de uma franquia de conteúdo). Novamente, ele se sente pessoalmente agredido quando vê seus mitos morrerem e se reconfiguraram em algo novo. Na verdade, ele busca inconscientemente um motivo para falar mal de uma obra, dado que seu imaginário é impossível de ser reproduzido a contento.

Outro tipo de pária social, o Comentador de Posts, busca uma categoria diferente de Viés de Agressão. Ele busca ​​ coisa em que consiga destilar um pouco de ódio ou revolta, seja como instrumento de reconhecimento entre iguais, ou como reconhecimento de sua impotência para com o mundo. “Se ​​não posso fazer o mudo ser do meu jeito, vou xingar muito no Twitter. Ou no WhatsApp.” Esse tipo anda em grupos que normalmente odeiam as mesmas coisas. Mas, sobre isso, gente melhor que eu, já escreveu com mais quantidade e qualidade.

E há um último tipo, identificado pela AMAIZCPAA (Associação de Amigos e Moradores do Instituto ​​Zander Catta Preta de Análises Aleatórias), que é o condoído. Este sente as dores do cherry picking das mudanças (ou presenças) nas mensagens e reclama, pede para mudar e faz o estardalhaço. Mas faz de verdade. Leva pessoas à rua, bate na porta do vizinho, promove boicotes.

Em todo o caso, o barulho que essas pessoas fazem diz mais sobre elas, seus valores e ideais, que sobre a mensagem em si.

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Published on February 17, 2022 06:03

February 15, 2022

Carta dos sonhos

Voltei.

Sonhar, até tempos atrás, era uma impossibilidade. Só dormia quando exausto e acordava apressado. Sentia que ficara algo na cama (ideias, diálogos, desejos, gozos) e se perdiam no chuveiro ou na autoflagelação sexual matutina. O trânsito e o balançar dos coletivos embalava-me, mas as histórias das pessoas do meu entorno eram mais interessantes que os devaneios do sono.

(Às vezes conversava comigo mesmo, discutindo com pessoas que moram na minha memória. Revivia assuntos não resolvidos e os remoía até virarem farinha para a alma. Isso conta como sono?)

Hoje consigo acordar com o gosto de pessoas na boca. Ou a lembrança do peso de um corpo no meu colo. Normalmente é sede ou o gato que resolve se aninhar em mim. Não importa. A fantasia é mais importante. Sei que o real difere e mais excitante, não discuto isso. O ponto é o que sonhamos, o nosso desejo em forma e cores. Lembro pouco do que sonho, pouquíssimo. São mais as impressões e as presenças.

Hoje carrego um cansaço de sonhos vazios. Olho para os olhos que me encaravam com desejo e não consigo desejar de volta. Sei que aquilo ficou no mundo do Morfeu, que se desmancha em cinzas depois da primeira xícara de café. Fica só um laço, um elo que liga o sonhado com o vivido, o planejado com o concreto, o impossível e o improvável.

Amanhece. Rotina chama. Mal tenho forças para o café. E a gente vai.

eu volto!

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Published on February 15, 2022 08:35

February 14, 2022

Carta às impossibilidades

Oie.

Desde muito cedo sonho com amores impossíveis. Escrevo cartas para eles, acabo-me em autossatisfação e palpito a cada vez que o amor visita-me pela manhã. Ou seria apenas tesão acumulada com a vontade de urinar? Não sei.

Mas sonho. O problema de sonhar com o impossível é que o possível fica chato, modorrento. O impossível não discute, não fede, não discorda. Não te diz o que fazer, não decepiciona, não te dá pé na bunda ou faz cena. Não fica sem vontade ou tem vontade demais. Não diz para você chupar ou bater quando você tá a fim de um aconchego e vice-versa. Você entendeu.

Mas o impossível também não te dá o conselho na hora certa, não te faz pensar com um comentário ou gesto. Não ri na hora do gozo. Não te surpreende com um gesto displicente e não te olha no olho. Mais importante que tudo isso, o impossível não tá ali pela manhã te acompanhando e fazendo eu acompanhá-lo.

O impossível some na hora em que tomo o meu café e encaro o real.

***

Passei a aceitar mais os amores possíveis, os que me são ofertados, àqueles que desejo. O meu desejo passou a pegar carona na do outro. Vira e mexe, as coisas se juntam, claro, mas sou um passageiro do desejo alheio e não guio a carruagem.

Hoje em dia isso satisfaz pouco. Não sou mais o adolescente que se acabava de dores pensando na mocinha de cabelos negríssimos e pele alvíssima e gestos comedidos. Ela já fez parte da minha vida em sonho e realidade. Já tivemos o nosso cotidiano e passou. Hoje sonho com pessoas sem nome — na sua maioria — e deixam o seu cheiro no meu corpo até o fim da ginástica matutina.

***

Acho que estou velho. Estou velho. Cansaço de começar as coisas e desespero de terminá-las. Aí acomodo-me em ficar só. Só demais.

***

Tenho ódio dessa turma “coacher” que impulsiona as pessoas para seu sonho, como se não houvessem percalços, como se não fosse extremamente difícil para muitos apenas acordar e levantar da cama. Ou pagar os boletos. Ou ainda arrumar um emprego. Ou olhar com paixão para quem está do seu lado por mais de três meses seguidos. Ou fazer da paixão, amor; e do amor, uma vida inteira.

Tenho sorte com os meus amores. Eles são pra sempre.

Mas tá fazendo falta uma paixãozinha diurna… ah se tá!

do teu,

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Published on February 14, 2022 06:13

February 4, 2022

A carta de janeiro (atrasada)

Oi.

Faz tempo que a gente não conversa, né? Nem vou dizer que a vida atropela, porque disso você já sabe. Os dois últimos anos foram décadas e a gente ainda está aprendendo a sobreviver.

Coisa que me faz rir, na verdade. Sempre reclamei que sobreviver não era bastante, mas basta a água bater na bunda que tudo muda de figura. Você manja da história do anjo e animal que fazem parte da gente, né? Então, o animal fica muito próximo das horas nesses momentos.

É claro que o anjo não morre e nem deixa de voar. Leva o coração e o tesão para lugares nunca dantes vistos. Mas eis que o animal berra de fome ou de medo que ele volta rapidinho para dar de comer novamente. Ou ver se o filho tá cagado. Ou se estamos com febre. Ou para chorarmos o parente que morreu.

Tenho um choro preso, sabe? é uma pedra que mora no peito. Pesa o coração, a respiração e os movimentos. Dói a cabeça. Acho que é COVID. Ou remorso. Sei lá. Ele derrete um pouco quando escrevo e quando estou no colo amado. Mas tem pouco texto e pouco colo nesses dias. Não que falte colo ou faltem letras, mas o animal… aquela coisa.

Doeu ouvir minha mãe chorar pela primeira vez em mais de dez anos. É outra que segura diversas rochas no peito e nas costas. A idade faz a gente transformar tudo em gelo e torce para que alguém ajude a derreter. Uns abraçam esse frio e ficam cínicos, amargos, e se recusam a aceitar que o mundo muda. Dói, mas muda. Talvez seus anjos já não enxerguem bem ou estejam escutando mal. E o animal, cansado, só pensa nas horas.

Talvez deva colocar a “playlist” que me faz derreter e chorar um bocado no banheiro. Deixar a água levar parte do peso, da dor da minha incapacidade atual de segurar essas rochas. Mas as horas estão aí batendo e o animal faz com que levante, me exercite, tome banho e café (nesta ordem) e comece a ver as questões do dia.

Ao menos me restaram as palavras, hoje.

Até

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Published on February 04, 2022 05:03

Primeira carta

Filhote,

Quero que, antes de tudo, você saiba que lhe amo. Amo mesmo, de montão. E antes de qualquer dúvida, de qualquer discussão, lhe amo. Não uso esse amor para justificar qualquer erro meu ou atitude que venha a lhe magoar hoje ou no futuro. É apenas uma constatação.

Também sei que dificilmente você lerá essa carta agora. Não é para ler mesmo. Não agora. É muito cedo para você saber ou entender o que se passa na cabeça do seu pai velho. Tenho esperanças que um dia você fará esse esforço. Tento ser merecedor disso.

Sei que sua estada aqui não foi perfeita. Não fizemos todos os passeios e nem você conheceu o Rio de Janeiro que lhe prometeram — algo próximo do paraíso —, mas te garanto que tudo que consegui lhe oferecer foi de coração aberto e vontade plena. Temos diferentes formas de encarar a vida e se não consigo lhe oferecer um carrossel de aventuras diárias para lhe entreter é porque não consigo ver a vida assim. Para mim, o tal do “tédio” que lhe aflige é um descanso, um sossego, se comparado aos momentos que tenho vivido. Novamente, isso não é desculpa de nada.

Aprender a dar tempo para as coisas é uma arte, meu filho. A gente já vive num mundo de muita informação, muita agitação, como se tudo precisasse ser devorado agora, nesse momento. E você não é um glutão que come tudo. Os silêncios e os não-fazeres são tão importantes quanto as aventuras e as histórias contadas. Acho que isso é o que tenho a mais para lhe oferecer, acima de tudo.

Por fim, segue na sua mala dois presentes. Um livro de quadrinhos — Calvin e Haroldo, do Bill Watterson — e uns dados de RPG. Quadrinhos eram a minha paixão quando tinha a sua idade. Era louco por tudo que era lançado todos os meses nas bancas de jornais (ainda existirão bancas quando você ler isso?) e boa parte da minha primeira formação como ser humano veio desses gibis (uma outra veio de livros de ficção científica, mas isso fica para mais tarde). Essas tirinhas do Calvin são repletas de filosofia e poesia. Obras-primas em todos os aspectos: arte, conteúdo, texto, humor. Poucas coisas são tão boas quanto elas.

Eu amaria que você as amasse.

Esses dados de RPG têm a ver com um papai (ou “zandercp”) mais velho. Esses dadinhos, quando eu tinha uns dez anos a mais que você, abriram as portas para eu criar minhas histórias com meus amigos; que eu conhecesse mundos fantásticos e participasse deles não sendo apenas um espectador, mas um ator importante neles. A história desses mundos era a minha história também.

Eu amaria que você me entendesse.

Enfim, segue uma carta que você não lerá agora, mas que fica como registro do meu amor.

Do seu,

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Published on February 04, 2022 05:01

December 27, 2021

A mensagem dos ciclos

Fonte: NASAO ano chega ao fim e os dias continuam a vir. Também vêm as horas, minutos, segundos e todas as maravilhosas divisões que inventamos para falamos do movimento das coisas; as divisões que chamamos Tempo.

No Tempo colocamos as esperanças, as desilusões, a cura de tudo, a culpa da passagem e término e o desejo do controle do Universo. Só que o Tempo não sabe de si e tampouco sabe de nós.

Apenas conseguimos falar das coisas estanques na mente. É necessário congelar o azul para o chamarmos azul (celeste, petróleo ou piscina) mesmo ele sendo parte de um conjunto de impulsos visuais muito mais complexo que o resumo de seu nome; mesmo sendo uma experiência diferente para quem pega um crayon ou um pincel com tinta à óleo, aquarela ou acrílica; mesmo sendo uma ideia impossível para algumas culturas; mesmo estando lá apesar de nós.

O Azul não tem consciência de si. Somos nós a consciência da existência do Azul.

As coisas existem sem perceberem que estão lá. A maioria delas, digo. As estrelas não parecem perceber que dobram o tecido da realidade criando Movimento (e Tempo, consequentemente); as montanhas dos Andes não parecem entender que controlam o regime de chuvas de uma planície continental; os oceanos não sabem que a Lua rege suas vagas e ela, ignora solenemente sua irmã maior, apesar de ainda estar presa à sua órbita. São todas essas coisas ignorantes do universo e de si mesmas.

Mas existe um evento chamado vida que evoluiu para diversos tipos de organismos que ganharam percepção do entorno como forma de resistência à Entropia. Esses organismos aumentaram a complexidade dessa percepção, como resultado do movimento que chamamos Evolução, gerando algo que chamamos consciência.

Essa consciência se apresenta de milhares de formas diferentes, transcendendo em linguagens que entendemos paulatinamente. Na maior parte das vezes, ela aumenta a capacidade de achar um lar, coletar alimento ou achar o melhor parceiro para procriar. É mais do que a Lua, Marte ou o Sol fazem (e menos, bem menos, em outra escala).

Somos parte desse grupo que desenvolveu consciência e linguagem e que entende que o entorno é maior que nós. Mas algo no nosso processo nos separou da admiração do todo, no entendimento que somos ainda parte de um mundo da mesma forma que um rio ou uma árvore e não numa forma filosófica ou espiritual; temos átomos que em algum momento estiveram juntos e misturados com esses mesmos rios e árvores. É realmente tudo junto e misturado mesmo. O eu do movimento que chamo amanhã carregará átomos que foram de alguma planta ou animal que foi outras criaturas ou substâncias modificadas por processos fotossintéticos.

***

Sou parte de tudo aquilo que existiu, metafórica e fisicamente. Mas não dou conta desse movimento. Tenho que dizer: “EU SOU” o tempo todo para conseguir falar de mim, ainda que apenas neste instante; para poder me entender, sentir, opinar e interagir com o meu entorno.

Esqueço muitas vezes que meu passo deixa marcas; minhas decisões, consequências; minhas opiniões, inverdades (evito opinar sobre aquilo que não conheço e cada vez mais sei que conheço cada vez menos). Quero caminhar consciente que faço parte de um todo. Sou uma água-viva numa colônia monstruosa e o oceano é parte e resultado de mim.

***

Congelamos o Tempo para falar do nosso movimento no Universo; congelamos as coisas para podermos falar delas com propriedade; congelamos nossa essência para poder entender nossa existência. Não damos conta de falar do movimento, da impermanência das coisas.

***

O ano acaba, mas não os dias, o mês, o girar da roda do Universo. E eu contemplo daqui, da minha pequena consciência, a magnitude do Todo e tento fazer o melhor possível.

Bom 2022 para todos.

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Published on December 27, 2021 03:53

July 21, 2021

Os analfabetos das redes sociais

Bora ler um tico mais?

Quem me conhece sabe que me considero como um animal político desde que me entendo por gente e que por “animal político”, considero ter visão crítica sobre as coisas ao meu redor, procurar entender as conexões entre os fatos e dados, saber haver interesses e vontades por detrás de cada rosto, oferta e cor e que o mundo tem muitas camadas. Sim, o mundo do animal político é uma cebola.

Brecht dizia que o pior analfabeto era/é o analfabeto político. Se você nunca leu o texto ou viu sua declamação sugiro fazê-lo agora. É lindo e fantástico e fundamental. E isto tem tudo a ver com redes sociais, com as relações que construímos para além das nossas bolhas ou dos 135 seres que conseguimos ter como tribo. Ele tem razão, mas como na sua época não havia rede social como temos hoje (no máximo um caderno de telefones ou uma rede de correspondentes via cartas e telegramas) o texto fica um tanto incompleto. Ou melhor: não o texto, mas a intenção.

Há vários tipos de analfabetismo (o que é óbvio), mas um que precisa ser endereçado urgentemente é o Analfabetismo das redes. No tempo da internet a vapor, quando as trocas de informações se limitavam a e-mails ou fóruns em BBS, havia regra até para o tipo de assinatura, para o uso de emoticons ou de caixa alta nos textos. Foram as raízes da netiqueta que foram mudando, morrendo e renascendo como seria esperado num ambiente tão jovem.

E o que acontece quando algo muda e não temos a etiqueta para lidar mais com ele? A resposta é: damos tilt. Não sabemos como reagir e passamos a chamar o outro de errado, de inconveniente. Pior, dizemos que “aqui não é seu lugar”.

Notem que fazemos isso com tudo que nos incomoda: com o bebê que chora no avião (e nem nos tocamos que tudo pode ser estranho para ele), com as pessoas que dormem na rua (e não nos tocamos que pode ter duzentos e vinte e oito motivos para elas estarem ali), com o cara que posta no LinkedIn uma matéria política (que nos incomoda quando é do partido oposto, normalmente).

***

Me lembro quando a rede Secret estava bombando e eu passeava por lá. Levei o “você é velho demais para estar aqui” na cara diversas vezes. Claro que respondia: “onde está escrito isso?”. O que que é de “jovem” e o que é de “cringe”? O que é de profissional e o que é de ser humano? Onde pode A e não pode B?

Bom, regras como essas “aqui não entra adulto” ou “aqui não entra homem” servem para garantir segurança e são exceções. Ou seja, deixa-se claro o que não pode para garantir a integridade de quem está dentro e nas redes sociais isto não é diferente. Há redes sociais eróticas onde deve-se manter os menores de idade fora. Há redes de investigação policial ou intranetes bancárias onde a segurança de dados é primordial. Tirando isso, onde estão as regras que determinam que aqui não pode A ou não pode B. Elas estão na subjetividade.

***

Uma outra regra na netiqueta, vinda do início das redes sociais, era não copiar desnecessariamente todo mundo (o famoso cópia carbono, cc) num e-mail e claro que isso era/é praxe em toda corporação que eu trabalhei. Vai que uma das pessoas que estava ali *precisava* ser copiada e removia sem saber quem era. E toma-lhe spam interno corporativo. Para o Facebook e Instagram era o “arrobar” a galera em posts nada a ver. Cansei de dar bronca em quem fazia isso, mas é a vida.

Mais uma era não ofender desnecessariamente o coleguinha. Mas esta nunca foi popular. Eram comuns as “flame wars” e os e-mails de discordância e de concordância e de discordância da discordância ou de concordância da discordância e de vice-versa disso tudo aí. Fios infinitos que iam do nada ao lugar algum e muita, muita, muita energia (elétrica) gasta.

A derradeira era não usar e-mail HTML para economizar dados. Essa é defunta por questões de Outlook (maldito!), mas confesso que hoje em dia já curto e faço uso comedido dos recursos.

***

O comportamento de alijar quem nos incomoda é uma das expressões mais comuns da outrofobia. É enjaular um algo que nos aparenta ser diferente sem ao mesmo compreender o porquê dele estar ali. O ovo do milênio chinês é intragável para mim — não concebo nem pensar em comer — mas tem uma função, um motivo e um espaço naquela sociedade. Não como, mas entendo, simpatizo e respeito. O queijo “mofado” francês é de meu apreço (minha filha odeia) e tem uma função, um motivo e um espaço naquela sociedade. Como, simpatizo e respeito.

Há coisas que me incomodam ideológica, social e psicologicamente, mas sempre tento fazer o movimento de olhar para quem fala e entender o porquê daquele discurso. Não exercito tanto quanto gostaria, claro, mas é sempre a intenção. É um exercício de ceticismo humanista, de partir de um ponto do qual sei nada, reconheço minha ignorância e tento ouvir o outro para conseguir ver os blocos que montam seu discurso, seu jeito de pensar. É um assumir-se ignorante perante o outro e dar de si com sinceridade, sem assumir postura de autoridade ou dogmática, o conhecimento paralelo que tem de outras coisas da sua vida. Dizem que isso é o ouvir ativamente. Eu chamo de reconhecer o outro. Desse jeito, desmonto em mim, paulatinamente, o “outro” e passo a transformá-lo em “nós”.

***

Comecei o texto pensando no comportamento das pessoas em redes sociais e me lembro agora que essas são reflexos de nós mesmos. Não despeja o ódio quem não o tem dentro de si; não distribui informação ou sabedoria, quem não tem. O ato de dar carinho ou atenção vem de quem sabe quão bom é receber isso em si.

Adoro ler os comentários das redes, dos jornais, da vida. Nem sempre me orgulho dos meus comentários, menos ainda de todas as minhas postagens, mas me entristece ver quem ainda acha que só sua regra é que vale para o mundo.

É o pequeno ditador que mora num clique de distância de si.

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Published on July 21, 2021 06:41

April 22, 2021

Concordando em discordar

É Aparício… a coisa não tá fácil…

A amiga Jessica Seixas (https://aboutproduct.medium.com/) publicou recentemente um texto (“Não seja apenas um problem-giver” — <https://bit.ly/3n5LTJz>) sobre um dos papéis do Product Manager/Owner. Excelente texto, apesar de breve, em que ela defende o ponto do PM/PO trazer soluções para os problemas dos clientes nos produtos e não apenas levantar os problemas.

Nota: numa leitura adicional ao texto de Jessica, percebi que cometi uma asneira. Ela estava desabafando num sentido inverso do que comento no texto. Ali ela pede que as pessoas venham com soluções, ela chama os participantes para ajudar a resolver o problema. Com esta visão, este texto vem como sublinhado do original e não como contraponto. Mea culpa, maxima culpa.

Primeiro, preciso dizer que simpatizo com essa visão. Trabalhei minha vida inteira como troubleshooter, desde meus tempos de produtor gráfico, e gosto de resolver as coisas para as pessoas ao meu redor. Mas isto é uma característica pessoal, a meu ver. Não é uma função de um Product Owner/Manager.

O grande barato nos modelos ágeis é que o protagonismo da execução de um projeto sai da mão do cliente ou do project manager e vai para quem executa, quem está com a mão na massa. É mais ou menos deixar para o time que está levantando um prédio a responsabilidade e a potencialidade de resolver os problemas que possam surgir durante a execução do projeto.

Essa é uma referência boa, apesar de derivada do PMI: a noção de accountability e responsability. Um bom PM/PO é accountable pelo resultado de uma ou uma série de sprints. Ele é quem garante que o que foi combinado com os stakeholders está alinhado com o que está sendo produzido. Usando a mesma metáfora do prédio, é o condutor de obras, o responsável em verificar as plantas, os impactos não previstos da obra, os problemas não medidos anteriormente. E, o terror de todos, em atualizar os malditos cronogramas. E responsible é quem executa algo, alguém que toma para si a ação da coisa. As funções podem se fundir na mesma pessoa, mas o accountability tende a ser escalado e divido por toda a organização. A responsability, não.

Quando a gente coloca a responsabilidade da solução de um problema ou dor de um produto na mão do PM/PO estamos entrando numa seara muito arriscada: a do Ego. Estamos pedindo para que o PM/PO coloque sua visão do produto acima das dos demais. Erro crasso.

Em primeiro lugar, partimos do pressuposto que o PM/PO tem a visão completa dos impactos de um produto ou, pelo menos, dos motivos daquela dor que está sendo endereçada na sprint. Apesar disso estar no manual de todo mundo que contrata um PM/PO e em todos os discursos feitos pelos gurus de produto (sem apóstrofo) pelo mundo afora, é uma mentira deslavada. Ninguém é capaz de prever todas as infinitas possibilidades de um produto. Aliás, digo mais: se um produto chegar a este nível de previsibilidade, de não dar para imaginar algo maluco com ele, tá na hora de jogar fora e fazer um novo. Ele virou peso de porta.

Digressões à parte, o PM/PO realmente precisa ter uma boa base do produto. Principalmente ter em mente os valores de entrega dele para seu usuário/cliente e saber medir o impacto desses valores à medida que ajuda o time a desenvolver funcionalidades ou melhorar o desempenho do que está em funcionamento. É esta a sua função em um squad de desenvolvimento. Medir, priorizar e endereçar. Na falta do Scrum Master — que andam sumidos, assim como os QAs —, também tem que desembaraçar problemas de trânsito de informação ou de engajamento (os problemas técnicos tão caindo no colo dos Tech Leads, coitados).

Em segundo lugar, o PM/PO é um membro de um time. Sua voz não deveria estar acima dos desenvolvedores, dos UXers ou, principalmente, dos stakeholders. Todos estão ali, juntos, para resolver o problema que o PM/PO diz ser o prioritário, é a bola da vez. Esta discussão é coletiva. Claro que o PM/PO pode — e deve! — ter opinião forte, baseada em dados e fatos, para defender um ponto de vista ou uma solução que ele acha a ideal, mas ele é apenas uma visão em uma multiplicidade de vivências. É esta a grande força do SCRUM.

Vários dos meus ex-colegas, de lugares que trabalhei no passado, chegavam com soluções prontas para seus times de desenvolvimento, mas geravam mais antipatia que engajamento. A reclamação mais comum dos PM/PO era que o time “ficava enrolando”; a dos desenvolvedores era que os PM/PO não os escutava. Ambos estavam certos nas suas reclamações. A descrição da função (PM/PO = chefe) é que estava e está erradíssima. Já estive no time que “mandava” nos desenvolvedores e fazia pouco de seus prazos e impedimentos. Sempre me ferrei de verde e amarelo (mugindo, claro!) e me provaram por A+B que este método não funciona. O jogo é jogado com o time inteiro.

Claro que muitos gerentes (ou Group PM/PM, Product Head, Übermaester, ou coisa assim) vão querer ver entregas, vão forçar a barra com cronogramas e roadmaps (outra coisa que deveria morrer amanhã!), mas esse é um legado de um capitalismo industrial que está morrendo a passos largos.

Pro terceiro lugar, trago uma analogia acadêmica. Em Filosofia dizemos que as perguntas que fazemos são mais importante que as respostas (até porque dificilmente as temos nesse saber). Isto também serve para o filho mais ilustre da filosofia, as Ciências “puras”. O perguntar tem que ser bem feito, bem montado. Falseável, testável, verificável e passível de repetição. As propostas de solução precisam ser submetidas a uma verificação pelos pares (do mesmo saber) e colocadas em dúvida novamente. A dúvida é que faz com que os saberes caminhem à frente e não uma resposta impromptu. Cada vez que chegamos com uma solução “no bolso”, abrimos mão de outra solução que talvez seja mais eficiente, barata e elegante daquilo que estávamos pensando.

Este contraponto é o tal do dogma versus paradigma. O dogma não admite discussão. Ele é e pronto. É uma tautologia. O paradigma muda, adapta-se ou é descartado quando deixa de funcionar. Essa mentalidade é que tem que permear a conduta do PM/PO. A gente não pode ter uma solução antes de levar para o time; temos é que ter um problema bem formulado, entender que dor aquele problema gera, que valor estamos deixando de atender ou que incremento estamos propondo ao produto.

Valores. Incremento. Dores. É nisso que o PM/PO precisa focar desde o café da manhã. E, pessoalmente, fujo de gente com solução para tudo.

E, como dizia H.L. Menken, “para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.

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Published on April 22, 2021 17:00

December 16, 2020

A intragável mensagem de fim de ano

(eu não iria colocar uma pilha de merda aqui, né?)

Não irei mais me repetir, tecendo loas e ovações sobre as mensagens do passado. Todo ano mando, tirando os que não mandei. E é isso.

O Ano de Nosso Senhor de Dois Mil e Vinte foi duro. Está sendo. Mais para uns que para outros, como sempre. Para mim não está sendo diferente. Perdi (mais) um emprego que gostava e estou tendo que me reorganizar nessa bagunça chamada Capitalismo Sem Rede de Amparo Social. Faz parte.

Leio aqui e acolá que temos de tirar lições das adversidades; do limão, a limonada; da queda, o equilíbrio. Acho uma merda esse tipo de pensamento. Queria ver essa galera namastê-gratiluz repetir essa baboseira para turma que ia para a câmara de gás durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Ou ia para as trincheiras, durante a primeira. Enfim, entenderam.

Claro que estou fazendo o argumento do espantalho. Claro que dá para tirar aprendizados de pequenos problemas, adversidades. Mas tem hora que simplesmente não rola e a gente tem que aceitar que “deu merda”. E dá merda por diversos motivos, nem sempre sob nosso controle. Muitas vezes, o que podemos fazer é só tentar ver se não respinga na gente ou tirar quem a gente ama do tsunami de bosta que vem.

Em 2020 fiz muita merda. Mas muita mesmo. Mas menos que em 2019 e penso que menos que em 2019. Minto. Fiz mais, bem mais. Mas corrigi rápido. Não deixei que as minhas merdas se juntassem às merdas alheias. Que meus erros passassem quietos. Apontei para eles e disse: “preciso de ajuda”. E me ajudaram. As pessoas estão me ajudando e me comovo todos os dias com isso. Não me sinto merecedor dessa ajuda. Ainda olho para meus erros e penso: “é sério que vocês vão me ajudar depois disso?”.

Em 2020 vi muita gente fazendo merda. Mas merda demais. Para algumas pude apontar o dedo e dizer: “você está fazendo merda; posso ajudar?”. Com outras, as que não viam — ou me convenciam de — o erro que cometiam, tive que ser firme, talvez custando até mesmo o meu emprego. Acredito que não ajudei o suficiente a essas pessoas. Perco a razão, quando elevo meu tom. Ou abaixo, sei lá.

Essa cartinha era sobre erros. Para a gente errar mais rapidamente em 2021 e consertar esses erros. Mas isso a gente já faz. Desejo então que a gente erre e aprenda, porque isto tem feito falta nos dias de hoje. A gente acha muito — e, com isso, erra — e aprende pouco.

Que dois mil e vinte e um seja breve.

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Published on December 16, 2020 07:26

December 5, 2020

Copas

A primeira coisa que sente é o cheiro das carnes apodrecidas. Sabe que flutua num mar de sangue, líquidos reciclados e vísceras e não tem medo do horror que isso poderia causar normalmente. Passa a mão sem vergonha, mas com técnica e precisão, em órgãos e áreas erógenas com a mesma vontade e dedicação. Tudo é informação e prazer. Mergulha fundo nesses líquidos viscosos, sem abrir os olhos e segura o fôlego até não poder mais. Explode em gozo quando o movimento dos músculos fazem ossos baterem em seu rosto e explodir em luz, trazendo ar e um berro que povoa seus pulmões.

A segunda coisa que sente é o choro da outra pessoa. Aquilo deveria ter sido um momento de prazer, mas o Outro não entende. Os membros ainda não haviam descansado quando as agressões começaram. O choro vem seguido do ódio, da frustração e do medo. Abrir-se à luz, ao ar, ao berro, não foi suficiente para o Outro. A vergonha é seguida de força, agressão e ódio, ao lugar-comum de toda relação não entendida pelos dois. Por fim, o abandono e os hematomas.

A terceira coisa que sente é o mar aos pés. É a primeira vez que vê o oceano. Conhece tudo sobre ele e suas correntes, seus animais, seus seres que não se encaixam. Vê no mar um reflexo de sua alma, uma projeção de pertencimento. Pensa que poderia ter sido feliz num barco ou num cais. Ou entre as pedras que o forram. Olha para si e para o horizonte e pula.

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Published on December 05, 2020 06:28

A casa do Zander

Zander Catta Preta
Pensamentos esparsos de uma mente desconexa
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