Nuno R.'s Blog, page 28
October 25, 2024
#### #001976 - 25 de Outubro de 2024
“The Great Bailout”, da Moor Mother, ilustra bem as contradições em que me encontro. Emocionalmente estou em enorme e dorida sintonia com esta música e o peso que a história do racismo nos EUA lhe amplifica. Pouca arte me tem tocado de forma tão direta sobre a condição das pessoas que continuam a ser discriminadas, a sofrer violência racial e que estão muito conscientes da feia continuidade da história do racismo. Sinto essa identificação emocional ainda mais intensa e imediatamente que a solidariedade política que a razão produz em mim. E isso acontece mesmo se discordo da terminologia e se algumas ideias são até contrárias ao caminho que acredito poder mudar as coisas. A frase “the truth won't do you no good” parece algo saído de livros como “White Fragility”, normalizando o racismo e cristalizando a identidade racial branca. Esta música toca-me e liga-me a quem a produz, mesmo se está embebida de alguns dos erros que vejo, já de forma racional, em algum do activismo online. Já o meu lado racional é alimentado, muito bem nutrido aliás, de obras primas como “Racecraft”, das maravilhas irmãs Fields. Poucos livros me iluminaram tanto como esse, mostrando-me que “only the truth can do us good”.
October 24, 2024
#### #001975 - 24 de Outubro de 2024
Há algo de muito belo na dissonância emocional que se escuta em “Stone” da PJ Harvey. Com uma intensidade de raiva e quase desespero, canta Harvey: “My heart has turned to stone / What if my heart has gone?”. O tom em que as palavras são cantadas são de quem muito obviamente tem um coração a bater no peito, e muito.
#### #001974 - 23 de Outubro de 2024
O álbum “Utp_” é uma obra prima. Junta alva noto, Ryuichi Sakamoto e o Ensemble Modern. Escutá-lo é ser inundado de coisas difíceis de nomear. É ouvir os sons de algo imenso, a ser tocado com a cautela de deuses a procurar evitar um cataclismo. Ou antes, como aos sons dos glaciares, é a revelação do que acontece no atrito íntimo da matéria consigo mesma. Ou o enigma que emerge quando há só realidade, sem interpretação. A beleza toda que o conceito não contém.
October 23, 2024
#### #001973 – 22 de Outubro de 2024
A actuação da polícia volta a resultar numa vítima mortal. Online tento entrar em diálogo com a minha gente, os do meu lado político. Mas só encontro trincheira. Não quero combate, não quero guerra, não quero sequer ter razão. Quero que acabe o racismo instituído, os assassinatos à mão da polícia, que os movimentos de extrema-direita não tenham lugar nas forças de segurança pública. Não há nenhuma solução fácil e colocar gasolina na fogueira certamente funciona, mas não para apagar o fogo. Nunca foi tão urgente como agora falarmos de racismo e de como o combater. Mas ninguém quer falar, porque quase toda a gente sente que tem razão e já escolheu o seu lado da trincheira. Não é assim que uma sociedade doente muda. E isto tem mesmo de mudar.
#### #001972 - 21 de Outubro de 2024
Escuto Katabasis. A sua melancolia outonal funde-se com o sol primaveril que invade o quarto. O nome da banda, Nightosphere, não augura nada de solar. A tristeza é assim: aprecia-se melhor na nitidez com que se dissolve na luz.
#### #001971 - 20 de Outubro de 2024
Novo álbum de Chat Pile. “Cool World” abana-me os ossos. O sol entra pelo quarto, a música assola-me a alma. Danço, um baile de fim do mundo.
October 21, 2024
#### #001970 - 19 de Outubro de 2024
Vejo Self-Portrait as a Coffe-Pot com deleite e parcimónia. Não quero devorar os 9 episódios. Quero que dure este deslumbramento.
October 18, 2024
#### #01969 - 18 de Outubro
A escrita é a minha tecnologia favorita.
October 17, 2024
#### #001968 - 17 de Outubro de 2024
Apercebi-me de uma terrível desvantagem dos ebooks. Um livro de papel que não esteja publicado em Portugal (por exemplo) pode ainda assim ser comprado, até mesmo encomendado legalmente online, para ser entregue e lido em Portugal (por exemplo). Isso não se passa com um ebook. Um ebook, não tendo ainda a sua publicação digital confirmada para Portugal, não pode ser legalmente comprado por alguém com uma conta registada com morada portuguesa. Isto é uma situação insólita e um retrocesso enorme. Ao mesmo tempo que a economia selvagem em que vivemos torna tudo líquido, fenómenos aberrantes como este tornam-se realidade: é ilegal em vários países a leitura de um livro que está à venda.
#### #001967 - 16 de Outubro de 2024
Esta forma de semiocapitalismo, expressão de Franco Berardi, é muito eficaz a instrumentalizar a ideia de responsabilidade pessoal como forma de desmobilizar politicamente os cidadãos. O Zizek chama a atenção para quão insidiosa é este pseudo-argumento, quando tentamos falar sobre ecologia e pensar formas colectivas de resistência: “e tu, já fizeste a tua parte?”.
Noto outra forma, que se torna um peso imenso sobre o meu uso do Instagram e comecei a notar há 20 anos no blogue, embora de forma muito subtil. Público algumas imagens de momentos felizes da minha vida. O meu rosto não surge, mas surge elementos do que me ocupa, paisagens, a bicicleta. E uma boa parte do conteúdo que vejo na mesma plataforma é sobre crimes horrendos como os do estado de Israel sobre civis. Dia após dia, quase não menciono ou promovo publicações sobre este assunto que é dos que tenho sempre presente e um dos que mais conta com a minha solidariedade. Como é esperado implicitamente que o timeline seja uma espécie de vida online, um reflexo da ética, impulsos, preferências, ideias, opiniões de cada um, está ausência é gritante. É como se eu não estivesse disposto “sequer” ao esforço de uma imagem publicada.
No entanto, não vejo o meu Instagram como um reflexo do que sou, muito menos como um profissão de fé sobre o meu comprometimento ético com as causas que defendo. Vejo como um simples mosaico de imagens, com alguma, embora limitada, utilidade. E a acção política, para ser ainda coletiva e livre, tem de acontecer no espaço público. Não basta tornar-se conteúdo explorado como qualquer outro pelas plataformas digitais.