Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero Quotes

Rate this book
Clear rating
Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero by Catherine Malabou
243 ratings, 3.86 average rating, 38 reviews
Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero Quotes Showing 1-7 of 7
“A cumplicidade entre clitóris e anarquia deve-se antes a seu destino comum de passageiros clandestinos, a sua existência secreta, escondida, desconhecida. O clitóris por muito tempo foi também considerado um estorvo, um órgão supérfluo, inútil, zombador da ordem anatômica, política e social por sua independência libertária, sua dinâmica de prazer separado de qualquer princípio e de qualquer objetivo. Um clitóris não se governa. Apesar das tentativas de lhe encontrar senhores – autoridade patriarcal, ditame psicanalítico, imperativos morais, peso dos costumes, carga da ancestralidade –, ele resiste. Resiste à dominação pelo fato mesmo de sua indiferença ao poder e à potência.
A potência não é nada sem sua efetuação, seu exercício, como o atesta a aplicação de uma lei, de um decreto, de uma portaria ou mesmo de um conselho. A potência está sempre à espera de sua atualização. Atos, princípios, leis, decretos, por sua vez, dependem da docilidade e boa vontade de seus executores. Ato e potência tecem a tela inextricável da subordinação. O clitóris não está precisamente nem em potência nem em ato. Não é essa virtualidade imatura à espera da atualidade vaginal. Tampouco se dobra ao modelo da ereção e da detumescência. O clitóris interrompe a lógica do comando e da obediência. Não dirige. E por isso perturba.
A emancipação precisa encontrar o ponto de inflexão em que o poder e a dominação se subvertam a si mesmos. A noção de autossubversão é uma das noções determinantes do pensamento anarquista. A dominação não pode ser derrubada somente de fora. Ela tem sua linha de fratura interna, prelúdio a sua possível ruína. Toda instância que se mostra indiferente ao par ato-potência exacerba os sistemas de dominação e em consequência revela suas fissuras íntimas. O clitóris se introduz na intimidade da potência – normativa, ideológica – para revelar a pane que sem cessar a ameaça.
No meu entender, clitóris, anarquia e feminino estão indissoluvelmente ligados, formam uma frente de resistência consciente das derivas autoritárias da própria resistência. A derrota da dominação é um dos maiores desafios de nossa época. O feminismo é evidentemente uma das figuras mais vivas desse desafio, ponta de lança muito exposta porque precisamente sem arkhé.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“Roland Barthes faz entre o studium e o punctum de uma fotografia. “Reconhecer o studium”, diz Barthes, “é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las […]”. O studium suscita “uma espécie de educação”. Mas subitamente algo “vem quebrar (ou escandir) o studium. Dessa vez, não sou eu que vou buscá-lo […], é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar. […] Chamarei então punctum […]. O punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere)”. O “clitóris da América”, definido como concentrado de potência, se assemelha a um punctum. Se o corpo da América é um studium, a Califórnia-clitóris seria essa flecha que transpassa, punge, atravessa o grande espaço de “afeto médio”, apenas interessante, do território.
Para mim, pensar o clitóris, ou melhor, deixá-lo pensar implica precisamente sair da dualidade studium-punctum, que reconduz à dicotomia passividade-atividade e a seus efeitos desastrosos, tanto para a lógica da virilidade que ela conota, quanto para a recondução ao vaginal e ao clitoridiano que ela desperta.
O prazer clitoridiano não é o efeito de um transpassar, de uma penetração nem de uma punhalada. O que quer dizer também que, se as zonas de êxtase do real são também zonas de produção de sentido, este se manifesta sem sobressair, em todos os sentidos do termo.
O prazer fica entre o studium e o punctum, na lacuna entre eles; não é nem um nem outro. O clitóris – como o feminino – é relação com o poder, mas não relação de poder. Em todo caso, é nesses termos que o meu pensa.
O clitóris é um anarquista.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“Ao longo das leituras decisivas de Platão, René Descartes, Georg W. F. Hegel, Friedrich Nietzsche ou Martin Heidegger, Irigaray não determina o destino da mulher na filosofia apenas como um destino mimético, que a condena a imitar os homens quando ela maneja os conceitos. A mulher que pensa não é uma matéria animada, simples cópia do logos masculino que para ela é sempre uma forma. A mulher se afasta desse mimetismo e dessa materialidade por um efeito de espelho irônico e subversivo. Speculum é, assim, uma réplica do estádio do espelho de Lacan, espelho em que nenhuma mulher nunca é refletida. O título Speculum de l’autre femme [Speculum da outra mulher] evoca obviamente o instrumento ginecológico [espéculo] que permite “olhar as trevas”, mas também revela, por um estranho efeito de reverberação, que essa obscuridade está alojada no olho de quem olha.
Ao se tocarem, os lábios não deixam ver nada do mistério daquilo que cobrem, se por visível entendermos uma forma saliente que se pode reter tanto com os olhos quanto com as mãos. Quanto à “matéria”, considerada a parte ontológica do feminino, ela não é informe mas informalizável. “Substantivo comum para o qual não se pode determinar a identidade. (A/uma mulher) não obedece ao princípio de identidade.” Mais adiante: “Esse (se) tocar dá à mulher uma forma que indefinida e infinitamente se transforma sem se fechar em sua apropriação”. O informalizável promete ao prazer uma infinidade de metamorfoses.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“A mulher clitoridiana torna-se a figura da consciência feminina: “para desfrutar plenamente do orgasmo clitoridiano, a mulher deve encontrar uma autonomia psíquica”. A reivindicação da diferença sexual significa menos o confinamento em um esquema binário que a desconstrução do conceito de igualdade. As feministas radicais não procuram ser tratadas como iguais aos homens, mas ser consideradas – e antes de tudo se considerar – elas mesmas como o que são “autenticamente”, diferentes. Reconhecer-se como clitoridiana era na época um verdadeiro coming out. Com a “mulher clitoridiana”, a diferença saía do armário.
Para Lonzi, a crítica da construção heteronormativa da sexualidade feminina (ainda não é do ponto de vista temático uma questão de teoria do gênero) também supõe evidentemente uma rejeição da psicanálise freudiana e de sua equação entre clitóris e imaturidade, que transformam as mulheres em “aspirantes vaginais”.
A recusa da psicanálise freudiana é semelhante à rejeição da dialética hegeliana.
O feminismo, para as mulheres, toma o lugar da psicanálise para os homens. Na psicanálise, o homem encontra as razões que o tornam inatacável […]. No feminismo, a mulher encontra a consciência feminina coletiva que elabora os temas de sua liberação. A categoria de repressão na psicanálise equivale à do senhor-escravo no marxismo [e no hegelianismo]: ambos visam a uma utopia patriarcal que vê a mulher como o último ser humano reprimido e subjugado para sustentar o esforço grandioso do mundo masculino que rompe as correntes da repressão e da escravidão.
Questão fundamental da autoconsciência feminista, o clitóris marca doravante a distância irredutível entre submissão e responsabilidade.
Mas como evitar, entre mulheres, a reconstituição da potência fálica? A redução da distância?
Em seu diário, Lonzi evoca dolorosamente as dificuldades que encontra com Ester, sua companheira, que se sente dominada por ela.
Com Ester, só posso me calar. Ela está furiosa consigo mesma e não suporta isso. Agora, ousa dizer o que nunca havia dito, o que era impensável: que, em nossa relação, eu sou o homem e ela é a mulher. É assim que a dicotomia vaginal versus clitoridiana retorna, e nem o feminismo poderá pôr um fim nisso.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“Por masturbação, a cultura sexual masculina compreende não somente o autoerotismo, como qualquer forma de estimulação dos órgãos sexuais que não seja o coito. […] Para essa cultura”, continua Lonzi, “a sexualidade clitoridiana só pode atuar por meio da masturbação, mesmo que praticada por um(a) parceiro/a”. Importa afirmar, ao contrário, a carícia clitoridiana como relação sexual por completo. “Em nossa opinião, a diferença entre masturbação e não masturbação está na percepção da presença do outro e na troca erótica, não na execução de um modelo de coito” – modelo inteiramente determinado pelos “valores ideológicos da penetração heterossexual procriadora”. A questão do gozo clitoridiano é indissociável da questão política da subjetivação. A afirmação da mulher clitoridiana é o ponto de partida de um tipo novo de devir-sujeito. Lonzi estabelece uma relação determinante entre clitóris e pensamento quando declara que ser clitoridiana significa para uma mulher “pensar na primeira pessoa”. De fato, é impossível pensar por si mesma sem se conhecer, e se conhecer sem saber onde está e qual é o seu prazer. Na escola, escreve Lonzi, “os jovens aprendem o funcionamento da procriação, não o prazer sexual”. Se existe, por exceção, uma distância redutível, é aquela, muito pouco interrogada, entre saber pensar e saber gozar. Entre saber como formamos nossa cabeça e de que maneira a perdemos.
Daí o conceito de autoconsciência (autocoscienza). Para uma mulher, a autoconsciência de seu sexo e de seu prazer distingue-se da consciência de ser dessa ou daquela maneira, vaginal ou clitoridiana. Não se trata de aceitar um dado de nascimento, uma forma de fatalidade. A autoconsciência desperta aquilo de que ela é a consciência, isto é, a verdadeira fonte do desejo. É assim que ela permite, antes de tudo, acabar com a culpa pela suposta frigidez vaginal. A “mulher vaginal” é de fato apenas uma projeção do esquema sexual masculino, uma fabricação da “cultura patriarcal [que] conseguiu manter o clitóris escondido e inutilizado”. “Como é possível que a mulher vaginal hesite em se conscientizar de problema sexual tão vasto?”, prossegue Lonzi. Porque a cultura patriarcal é precisamente uma cultura da clitoridectomia.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“Com suas experiências, Marie Bonaparte também queria convencer Freud, “le grand exciseur” [o grande excisor], da impossibilidade de renunciar à fase clitoridiana. Freud considerava de fato que a evolução sexual normal da mulher passava pelo abandono do estádio clitoridiano do prazer em prol do estádio vaginal, de acordo com a função reprodutora da sexualidade. Marie tentou responder, em sua defesa, que sem o clitóris não há gozo, a vagina sozinha permanece muda. Então por que não tentar dar artificialmente à vagina insensível um pouco do ardor clitoridiano, sem esperar uma improvável maturação? Freud mal deu ouvidos. A intervenção cirúrgica, portanto, veio inutilmente redobrar o apagamento do prazer.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero
“Distanciamento entre clitóris e vagina – objeto de tantas análises e psicanálises. Distanciamento entre clitóris e pênis. Distanciamento entre clitóris e falo, o primeiro se recusando, ao contrário do pênis, a obedecer à lei do segundo. Distanciamento entre o biológico e o simbólico, a carne e o sentido. Distanciamento, enfim, entre os “sujeitos” do feminismo e os próprios feminismos. Distanciamento entre os corpos. Distanciamento entre o destino anatômico do sexo e a plasticidade social do gênero. Distanciamento entre dado de nascimento e intervenção cirúrgica. Distanciamento entre a reivindicação da existência da “mulher” e a rejeição dessa categoria. Distanciamento entre um “nós, as mulheres” e uma multiplicidade de experiências que impede unificar ou universalizar esse “nós” e essas “mulheres”.
O distanciamento não é apenas a diferença – diferença entre o mesmo e o outro, ou diferença em relação a si mesmo. A diferença – inclusive a diferença sexual – é só uma manifestação do distanciamento. O distanciamento fratura a identidade paradoxal da diferença, revela a multiplicidade nela contida.
É portanto surpreendente que tenha sido escolhido um órgão, uma parte do corpo ou do sexo – o clitóris – para acomodar essa multiplicidade de distanciamentos. Por que privilegiar o clitóris e não outras zonas, não necessariamente genitais?
Porque ele é um símbolo mudo.
Em primeiro lugar, contam-se nos dedos os filósofos que se arriscaram a falar dele, enquanto fazem inúmeras referências a outras partes do corpo da mulher, seios, vagina ou ninfas, por exemplo. A falocracia da linguagem filosófica já não é um mistério. Batizando-a de “falocentrismo” ou “falogocentrismo”,10 Jacques Derrida, o pioneiro, submeteu-a à desconstrução questionando suas características principais: privilégio concedido à retidão, à ereção (modelo arquitetônico de tudo que fica em pé), à visibilidade, ao simbolismo do falo, e ao mesmo tempo redução da mulher à matéria-matriz, à mãe, à vagina-útero. Em filosofia, nunca se fala do prazer da mulher.”
Catherine Malabou, Il piacere rimosso. Clitoride e pensiero