Clara dos Anjos Quotes
Clara dos Anjos
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Clara dos Anjos Quotes
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“- O quê? - fez indignado Flores, erguendo-se, num só e rápido movimento, da cadeira, e deixando a xícara sobre a mesa. - Pois tu não sabes quem sou eu, quem é Leonardo Flores? Pois tu não sabes que a poesia para mim é a minha dor e é a minha alegria, é a minha própria vida? Pois tu não sabes que tenho sofrido tudo, dores, humilhações, vexames, para atingir o meu ideal? Pois tu não sabes que abandonei todas as honrarias da vida, não dei o conforto que minha mulher merecia, não eduquei convenientemente meus filhos, unicamente para não desviar dos meus propósitos artísticos? Nasci pobre, nasci mulato, tive uma instrução rudimentar, sozinho completei-a conforme pude; dia e noite lia e relia versos e autores; dia e noite procurava na rudeza aparente das coisas achar a ordem oculta que as ligava, o pensamento que as unia; o perfume à cor, o som aos anseios de mudez de minha alma; a luz à alegoria dos pássaros pela manhã; o crepúsculo ao cicio melancólico das cigarras - tudo isto eu fiz com sacrifício de coisas mais proveitosas, não pensando em fortuna, em posição, em respeitabilidade. Humilharam-me, ridicularizaram-me, e eu, que sou homem de combate, tudo sofri resignadamente. Meu nome afinal soou, correu todo este Brasil ingrato e mesquinho; e eu fiquei cada vez mais pobre, a viver de uma aposentadoria miserável, com a cabeça cheia de imagens de ouro e a alma iluminada pela luz imaterial dos espaços celestes. O fulgor do meu ideal me cegou; a vida, quando não me fosse traduzida em poesia, aborrecia-me. Pairei sempre no ideal; e se este me rebaixou aos olhos dos homens, por não compreender certos atos desarticulados da minha existência; entretanto, elevou-me aos meus próprios, perante a minha consciência, porque cumpri o meu dever, executei a minha missão: fui poeta! Para isto, fiz todo o sacrifício. A Arte só ama a quem a ama inteiramente, só e unicamente; e eu precisava amá-la, porque ela representava, não só a minha Redenção, mas toda a dos meus irmãos, na mesma dor. Louco?! Haverá cabeça cujo maquinismo impunemente possa resistir a tão inesperados embates, a tão fortes conflitos, a colisões com o meio tão bruscas e imprevistas? Haverá?”
― Clara dos Anjos
― Clara dos Anjos
“Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da população da
cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados
em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.
[...]
O subúrbio é o refúgio dos infelizes.
[...]
O Rio de Janeiro, que tem, na fronte, na parte anterior, um tão lindo diadema de montanhas
e árvores, não consegue fazê-lo coroa a cingi-lo todo em roda. A parte posterior, como se vê, não
chega a ser um neobarbante que prenda dignamente o diadema que lhe cinge a testa olímpica...”
― Clara dos Anjos
cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados
em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.
[...]
O subúrbio é o refúgio dos infelizes.
[...]
O Rio de Janeiro, que tem, na fronte, na parte anterior, um tão lindo diadema de montanhas
e árvores, não consegue fazê-lo coroa a cingi-lo todo em roda. A parte posterior, como se vê, não
chega a ser um neobarbante que prenda dignamente o diadema que lhe cinge a testa olímpica...”
― Clara dos Anjos
“- Sol! Sol glorioso das auroras e das ressurreições! Sol divino que conténs todos nós, homens e plantas, bestas e gênios, insetos e vampiros, lesmas e belezas! Sol que tudo fecundas e transformas! Vem tu - ó Sol! - beijar esta augusta cabeça de imperador (apontava para Meneses hirto) que vai para sempre mergulhar na treva e só te verá de novo, quando for árvore, quando for arbusto, quando for pássaro e quando de novo voltar a ser homem. Beija-o ainda mais uma vez! Beija-o, porque ele te amou e muitas vezes voou para os espaços sidéreos, desejoso de ver o teu fulgor e morrer por tê-lo visto.”
― Clara dos Anjos
― Clara dos Anjos
“O amor tudo pode,
para ele não há obstáculos de raça, de fortuna, de condição; ele vence, com ou sem pretor, zomba
da Igreja e da Fortuna, e o estado amoroso é a maior delícia da nossa existência, que se deve
procurar gozá-lo e sofrê-lo, seja como for. O martírio até dá-lhe mais requinte...”
― Clara dos Anjos
para ele não há obstáculos de raça, de fortuna, de condição; ele vence, com ou sem pretor, zomba
da Igreja e da Fortuna, e o estado amoroso é a maior delícia da nossa existência, que se deve
procurar gozá-lo e sofrê-lo, seja como for. O martírio até dá-lhe mais requinte...”
― Clara dos Anjos
“Na rua, Clara pensou em tudo aquilo, naquela dolorosa cena que tinha
presenciado e no vexame que sofrera. Agora é que tinha a noção exata da sua
situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus
melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se conven-
cer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no con-
ceito de todos. Bem fazia adivinhar isso, seu padrinho! Coitado!...
A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea. Ela
devia ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça
e de mulher tinha todos por inimigos, mas isto ao vivo, com exemplos, cla-
ramente... O bonde vinha cheio. Olhou todos aqueles homens e mulheres...
Não haveria um talvez, entre toda aquela gente de ambos os sexos, que
não fosse indiferente à sua desgraça... Ora, uma mulatinha, filha de um
carteiro! O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o
caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida,
para se defender de Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que
se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e
moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a
covardia com que elas o admitiam...
Chegaram em casa; Joaquim ainda não tinha vindo. Dona Marga-
rida relatou a entrevista, por entre o choro e os soluços da filha e da mãe.
Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara
e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de
desespero:
-- Mamãe! Mamãe!
-- Que é minha filha?
-- Nós não somos nada nesta vida.”
― Clara dos Anjos
presenciado e no vexame que sofrera. Agora é que tinha a noção exata da sua
situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus
melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se conven-
cer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no con-
ceito de todos. Bem fazia adivinhar isso, seu padrinho! Coitado!...
A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea. Ela
devia ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça
e de mulher tinha todos por inimigos, mas isto ao vivo, com exemplos, cla-
ramente... O bonde vinha cheio. Olhou todos aqueles homens e mulheres...
Não haveria um talvez, entre toda aquela gente de ambos os sexos, que
não fosse indiferente à sua desgraça... Ora, uma mulatinha, filha de um
carteiro! O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o
caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida,
para se defender de Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que
se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e
moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a
covardia com que elas o admitiam...
Chegaram em casa; Joaquim ainda não tinha vindo. Dona Marga-
rida relatou a entrevista, por entre o choro e os soluços da filha e da mãe.
Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara
e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de
desespero:
-- Mamãe! Mamãe!
-- Que é minha filha?
-- Nós não somos nada nesta vida.”
― Clara dos Anjos
“De dentro da taverna, com passo apressado, veio ao seu encontro uma negra suja, carapinha desgrenhada, com um caco de pente atravessado no alto da cabeça, calçando umas remendadas chinelas de tapete. Estava meio embriagada. Cassi espantou-se com aquele conhecimento; fazendo um ar de contrariedade, perguntou amuado:
— Que é que você quer?
A negra, bamboleando, pôs as mãos nas cadeiras e fez com olhar de desafio:
— Então, você não me conhece mais, "seu canaia"? Então você não "si" lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você...
Lembrou-se, então, Cassi, de quem se tratava. Era a sua primeira vítima, que sua mãe, sem nenhuma consideração, tinha expulsado de casa em adiantado estado de gravidez. Reconhecendo-a e se lembrando disso, Cassi quis fugir. A rapariga pegou-o pelo braço:
— Não fuja, não, "seu" patife! Você tem que "ouvi" uma "pouca" mas de "sustança".
A esse tempo, já os freqüentadores habituais do lugar tinham acorrido das tascas e hospedarias e formavam roda, em torno dos dois. Havia homens e mulheres, que perguntavam:
— O que há, Inês?
— O que te fez esse moço?
Cassi estava atarantado no meio daquelas caras antipáticas de sujeitos afeitos a brigas e assassinatos.
— Eu não conheço essa mulher. Juro...
— "Muié", não! - fez a tal Inês, gingando. - Quando você "mi" fazia "festa", "mi" beijava e "mi" abraçava, eu não era "muié", era outra coisa, seu "cosa" ruim!
Um negro esguio, de olhar afoito, com um ar decidido de capoeira, interveio:
— Mas, Inês, quem é afinal esse moço?
— É o "home qui mi" fez mal; que "mi" desonrou, "mi pois" nesta "disgraça".
— Eu! - exclamou Cassi.
— Sim! Você "memo", "seu" caradura! "Mi alembro" bem... Foi até no quarto de sua mãe... Estava arrumando a casa.
Uma outra mulher, mas esta branca, com uns lindos cabelos castanhos, em que se viam lêndeas, comentou:
— É sempre assim. Esses "nhonhôs gostosos" desgraçam a gente, deixam a gente com o filho e vão-se. A mulher que se fomente... Malvados!
Cassi ouvia tudo isso sem saber que alvitre tornar. Estava amarelo e olhava, por baixo das pálpebras, todas as faces daquele ajuntamento. Esperava a polícia, um socorro qualquer. A preta continuava:
— Você sabe onde "tá" teu "fio"? "Tá" na detenção, fique você sabendo. "Si" meteu com ladrão, é "pivete" e foi "pra chacra". Eis aí que você fez, "seu marvado", "home mardiçoado". Pior do que você só aquela galinha-d'angola de "tua" mãe, "seu" sem-vergonha!
Cassi fez um movimento de repulsa e que a rapariga não perdeu.
— "Oie" - disse ela, para os circunstantes -; ele diz que não é o tal. Agora "memo se acusou-se", quando chamei a ratazana da mãe dele de galinha-d'angola... É uma "marvada", essa mãe dele - uma "véia" cheia de "imposão" de inglês. Inglês, que inglês...
Soltou uma inconveniência, acompanhada de um gesto despudorado, provocando uma gargalhada geral. Cassi continuava mudo, transido de medo; e a pobre desclassificada emendava:
— "Tu" é "mao", mas tua mãe é pior. Quando ela descobriu "qui" eu "tava" com "fio" na barriga, "mi pois" pela porta afora, sem pena, sem dó "di" eu não "tê pronde í". E o "fio" era neto dela e ela "mi" tinha criado... Vim da roça... Ah! Meu Deus! Se não fosse uma amiga, tinha posto o "fio" fora, na rua, que era serviço... Deus perdoe a "tua" mãe o que "mi" fez "i" a meu "fio", "fio" deste "qui tá i", também, Deus lhe perdoe!
E a pobre negra abaixou-se para apanhar a barra da saia enlameada, a fim de enxugar as lágrimas com que chorava o seu triste destino, talvez mais que o dela, o do seu miserável filho, que, antes dos dez anos, já travara conhecimento com a Casa de Detenção...”
― Clara dos Anjos
— Que é que você quer?
A negra, bamboleando, pôs as mãos nas cadeiras e fez com olhar de desafio:
— Então, você não me conhece mais, "seu canaia"? Então você não "si" lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você...
Lembrou-se, então, Cassi, de quem se tratava. Era a sua primeira vítima, que sua mãe, sem nenhuma consideração, tinha expulsado de casa em adiantado estado de gravidez. Reconhecendo-a e se lembrando disso, Cassi quis fugir. A rapariga pegou-o pelo braço:
— Não fuja, não, "seu" patife! Você tem que "ouvi" uma "pouca" mas de "sustança".
A esse tempo, já os freqüentadores habituais do lugar tinham acorrido das tascas e hospedarias e formavam roda, em torno dos dois. Havia homens e mulheres, que perguntavam:
— O que há, Inês?
— O que te fez esse moço?
Cassi estava atarantado no meio daquelas caras antipáticas de sujeitos afeitos a brigas e assassinatos.
— Eu não conheço essa mulher. Juro...
— "Muié", não! - fez a tal Inês, gingando. - Quando você "mi" fazia "festa", "mi" beijava e "mi" abraçava, eu não era "muié", era outra coisa, seu "cosa" ruim!
Um negro esguio, de olhar afoito, com um ar decidido de capoeira, interveio:
— Mas, Inês, quem é afinal esse moço?
— É o "home qui mi" fez mal; que "mi" desonrou, "mi pois" nesta "disgraça".
— Eu! - exclamou Cassi.
— Sim! Você "memo", "seu" caradura! "Mi alembro" bem... Foi até no quarto de sua mãe... Estava arrumando a casa.
Uma outra mulher, mas esta branca, com uns lindos cabelos castanhos, em que se viam lêndeas, comentou:
— É sempre assim. Esses "nhonhôs gostosos" desgraçam a gente, deixam a gente com o filho e vão-se. A mulher que se fomente... Malvados!
Cassi ouvia tudo isso sem saber que alvitre tornar. Estava amarelo e olhava, por baixo das pálpebras, todas as faces daquele ajuntamento. Esperava a polícia, um socorro qualquer. A preta continuava:
— Você sabe onde "tá" teu "fio"? "Tá" na detenção, fique você sabendo. "Si" meteu com ladrão, é "pivete" e foi "pra chacra". Eis aí que você fez, "seu marvado", "home mardiçoado". Pior do que você só aquela galinha-d'angola de "tua" mãe, "seu" sem-vergonha!
Cassi fez um movimento de repulsa e que a rapariga não perdeu.
— "Oie" - disse ela, para os circunstantes -; ele diz que não é o tal. Agora "memo se acusou-se", quando chamei a ratazana da mãe dele de galinha-d'angola... É uma "marvada", essa mãe dele - uma "véia" cheia de "imposão" de inglês. Inglês, que inglês...
Soltou uma inconveniência, acompanhada de um gesto despudorado, provocando uma gargalhada geral. Cassi continuava mudo, transido de medo; e a pobre desclassificada emendava:
— "Tu" é "mao", mas tua mãe é pior. Quando ela descobriu "qui" eu "tava" com "fio" na barriga, "mi pois" pela porta afora, sem pena, sem dó "di" eu não "tê pronde í". E o "fio" era neto dela e ela "mi" tinha criado... Vim da roça... Ah! Meu Deus! Se não fosse uma amiga, tinha posto o "fio" fora, na rua, que era serviço... Deus perdoe a "tua" mãe o que "mi" fez "i" a meu "fio", "fio" deste "qui tá i", também, Deus lhe perdoe!
E a pobre negra abaixou-se para apanhar a barra da saia enlameada, a fim de enxugar as lágrimas com que chorava o seu triste destino, talvez mais que o dela, o do seu miserável filho, que, antes dos dez anos, já travara conhecimento com a Casa de Detenção...”
― Clara dos Anjos
“O estado de irritabilidade, provindo das constantes dificuldades por que passam, a incapacidade de encontrar fora do seu habitual campo de visão motivo para explicar o seu mal-estar, fazem-nas descarregar as suas queixas, em forma de desaforos velados, nas vizinhas com que antipatizam por lhes parecer mais felizes. Todas elas se têm na mais alta conta, provindas da mais alta prosápia, mas são pobríssimas e necessitadas.
[sobre as habitantes dos subúrbios]”
― Clara dos Anjos
[sobre as habitantes dos subúrbios]”
― Clara dos Anjos
