Por Dentro do Chega Quotes

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Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal by Miguel Carvalho
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“Substituir uma verdade pela mentira já não é, pois, suficiente: o objetivo é fazer com que desistamos da verdade como um todo. Se toda a gente mente sempre, a consequência não é passarmos a acreditar na mentira: é nunca mais acreditarmos em nada,”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Ventura não parecia tonto nem rufia. Recorria a mentiras de bradar aos céus e meias-verdades viscosas, é certo, mas sem pontapés na gramática e com uma oratória imbatível, acessível às mentes menos reflexivas. Só quando sossegava a faceta de entertainer é que transparecia a megalomania.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Quem percorre as redes sociais encontra facilmente referências a jornalistas e comunicadores prediletos de boa parte dos militantes e eleitores do Chega, a quem atribuem poderes de super-heróis dos injustiçados. Entre eles está, por exemplo, Camilo Lourenço (comentador de temas económicos, com canal digital próprio e amigo pessoal de Ventura, «um tipo muito sensato, em privado», disse). Também Tânia Laranjo, jornalista do Correio da Manhã , condenada em 2022 pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial por práticas discriminatórias. «Black Friday — Promoção especial: leve 2 e não pague nenhum», escreveu no Facebook, num post com imagens da ex-deputada do Livre Joacine Katar Moreira e do ativista Mamadou Ba. Em 2017, Ventura apresentou o livro Mãe, não desistas de viver!, da autoria desta repórter.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“A premissa mantém-se simples: só por intermédio do líder, e do Chega, se acede ao privilégio de conhecer a «realidade». Tudo o resto é lixo «inimigo». O objetivo é o mesmo da fundação do partido: instaurar a Quarta República, esquisso antigo de Ventura.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Não há inocentes no estado a que chegámos. Parafraseando-o, a desunião que contribuiu para abrir caminho a déspotas também teve o contributo «de uma cultura bem-intencionada que fetichizou uma pureza progressista não encontrada na natureza e procurou fragmentar-nos em identidades cada vez mais específicas». Como lhe sussurrou um professor numa das sessões com alunos em que participou: «Fizemos o trabalho de Trump por ele: dividimo-nos para que ele pudesse conquistar.»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
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“Uma investigação no âmbito do curso de Ciências da Comunicação, da Escola Superior de Educação de Viseu, sobre a cobertura mediática das eleições, comprovou outros efeitos: o Correio da Manhã foi o jornal que mais vezes se referiu a Ventura. O Chega teve tantas menções quanto Marcelo. E o partido nem sequer era para ali chamado, pois tratava-se de presidenciais.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Em 2020, visto de fora, o Chega era insignificante.
A sua família política europeia olhava com certa bonomia para o deputado reguila do parlamento português e para as diabruras típicas de quem queria chamar a atenção dos adultos na sala.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“«A minha sorte», reconheceu Ventura, «é ter entrado na política na época das redes sociais». Riccardo Marchi explicava porquê: «Há muita gente a meter-se com ele. É impressionante a quantidade de cantores e atores que o fazem», analisou. «É uma bandeja, é uma prenda que lhe dão todos os dias: quando uma figura pública o ataca, abre-lhe a possibilidade de ripostar imediatamente. E isso dá-lhe visibilidade.»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Ainda em 2020, o nome de Gerardo Pedro seria colado à disseminação de perfis falsos na Internet na sequência de um comentário publicado no site PPLware , dedicado a tecnologia e inovação. Um tal de Manuel da Costa, provavelmente nome fictício, denunciou um empresário de trinta e oito anos, de Santarém, responsável pela criação de 180 mil perfis no Facebook e partilhas de 730 milhões de posts em pouco mais de um ano. O uso de milhares de contas diferentes para difundir material idêntico em poucos segundos terá feito disparar alarmes nos responsáveis do Facebook. «A VPN usada foi identificada e todas as contas dele bloqueadas. Entretanto, veio dizer que não fazia nada do que o acusam, e que encerrou a empresa, que tinha um único cliente, para um volume de negócios de 700 mil euros anuais: o partido Chega.»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Algum tempo antes, falei com o diretor de uma agência de consultoria estratégica digital e monitorização de redes, habituado a remexer neste caldo digital e com clientes em organismos do Estado e instituições privadas. No mínimo, disse-me, haveria cerca de 20 mil perfis falsos ligados ao Chega.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“«O tipo de afirmações que fazem não se destina apenas a convencer-nos de que uma falsidade é verdadeira», sustentou Lee McIntyre, investigador no Centro para a Filosofia e História da Ciência da Universidade de Boston. «É uma afirmação de poder. É a capacidade de dizer: “Agora vives na realidade que eu defini para ti.”»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“«Estes sites são rentáveis porque facilmente duas pessoas conseguem criar 40 perfis numa rede social. Estes 40 perfis disseminam uma história qualquer por páginas e grupos no Facebook. Ao fim do dia, essa história chegou a milhares de pessoas. Com esses milhares de cliques os autores estão a receber o valor do contrato publicitário que o Google lhes paga. É um negócio muito rentável.»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“O Bombeiros24 era também uma ideia de negócio a partir de desinformação. Nem todas as notícias eram falsas ou inventadas, mas, explicava Paulo Pena, «o Chega aproveita o discurso de pânico desses sites ». Em 2024, o Bombeiros24 já não existia como tal. Durante anos mudou de pele, uma e outra vez. Continuou a usurpar o nome «bombeiros» até se transformar no site Digital Luso, em atividade à época da publicação deste livro.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Janeiro foi um mês de frenesim extremo por conta das diabruras de André Ventura dentro e fora do parlamento, condicionando assim a agenda política e centrando em si as atenções. O Chega estreava uma forma individualista de fazer política, adequada à fluidez, controvérsia e efemeridade do online . Uma hiperpolítica, como a definiu o historiador britânico Anton Jäger,”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“O Luís Montenegro contribuiu para a queda dele no PSD», acrescenta Nuno Afonso. «Foi um dos que lhe disse para avançar e, à última hora, ele e outros cortaram-lhe as pernas. Ele sentiu-se traído.» Fernanda Marques Lopes corrobora. «Ele diz que o Montenegro o incentivou», lembra a advogada, «mas o André fez figura de rato no PSD, exatamente o que chamou à oposição interna no Chega». «Fui traído, apunhalado pelas costas e enganado», assumiu em outubro desse ano,”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Professora de Ventura na faculdade, a catedrática Teresa Pizarro Beleza ouviu-o, enquanto líder do Chega, defender «tudo ao contrário» do que apregoara numa aula de Direito Penal. Discutia-se a penalização do aborto e o estudante André assumiu «abertura progressista» em relação ao tema. «Fazia-o com grande habilidade e aparente convicção, que me ficaram na memória por me parecer que ele falava em parte como se quisesse defender uma posição que imaginaria próxima da que supunha ser a minha», contou ao Dário de Notícias a primeira mulher a dirigir a faculdade em que Ventura estudou. «Ao vê-lo, recentemente, a defender perspetivas radicais e populistas lembrei essa sensação de “oportunismo” que me ocorrera ao ouvi-lo.»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“«Mas, ó Nuno», ouviu ele, de chofre, «tu ainda não tinhas percebido quem é o Ventura?! Desde miúdo que não olha a meios para chegar onde quer», resumiu-lhe. «Em qualquer eleição, queria ser sempre o candidato. Eu e o teu pai é que muitas vezes o chamávamos à razão e dizíamos: “Ó puto, tem lá calma contigo!”»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Secretário pessoal de Ventura, motorista, «mão que ajuda», Mombito é «um faz-tudo» do partido. A expressão é dele e para levar à letra: cuida da manutenção da sede do Chega em Lisboa, das compras de supermercado e também muda a areia do gato António . O chefe pode estar aos berros no parlamento, quase ali ao lado, a meio de um debate importante, mas num momento de pausa é bem capaz de perguntar, por WhatsApp, se o felino já comeu, se tem água e se já lhe limparam o caixote.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“No território comanche do digital, nas artérias das áreas urbanas, na casca e na gema das instituições democráticas, o Chega foi beligerante, contundente. Engrossou um caudal subversivo, polarizador e veloz, recheado de artifícios e malabarismos. Adversários e certa imprensa morderam o isco. Ampliaram rastilhos, trincheiras. A direita sem baias agradeceu, cresceu e multiplicou-se. Anunciadas como a ágora de Atenas, as redes sociais revelaram-se o Coliseu de Roma, como ironizou o professor espanhol de Jornalismo Ramón Salaverría.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Combinou-se, entretanto, que a fuga dos dirigentes do Chega, e apenas deles, se faria através de uma lancha rápida em direção a Tânger. A embarcação estava em Sagres, mas zarparia de Lagos numa viagem de seis a oito horas, dependendo das condições marítimas. Arlindo e os seus homens de confiança conheciam bem a costa algarvia e as vigilâncias da Polícia Marítima. Alguém esperaria Ventura e os dirigentes do Chega no porto marroquino. A lancha voltaria para trás com outros ocupantes, em número idêntico, para não levantar suspeitas. «Tudo para defender a liberdade e a democracia, disse a mim próprio, armado em bom samaritano», comenta o empresário. Além de evitar a alegada prisão iminente de Ventura e de parte do seu núcleo duro, a fuga pretendia contrariar o silenciamento do líder. O chefe máximo do partido continuaria a falar ao país, mas agora a partir do «exílio», qual mártir perseguido e escorraçado. O episódio fez-me lembrar Kurt Thiele, um conhecido de Hitler, que desprezava a faceta egocêntrica e conspirativa do «agitador de cervejarias» e que um dia lhe atirou: «Acho que cagaste na cabeça e te esqueceste de puxar, certo?»”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Neste clima de contornos paranoicos, esboçou-se um plano de fuga para Ventura e a passagem do Chega à «clandestinidade». Luís Graça vestiu a pele de estratega. Rodrigo Freire, à época líder da distrital de Leiria, soube mais tarde o que se preparava longe de olhares comprometedores. «Fomos comer sandes de couratos a uma rulote em Alhandra», conta. «Aí, o Graça explicou-me a urgência de pôr a operação em marcha.» Quando, no início de 2024, abordei o assunto com o então presidente da mesa da convenção, ele não desmentiu a história. Porém, dado o melindre do tema, não fala dela em público. Se o fizesse, talvez contasse como se descartaram as primeiras opções de fuga equacionadas e como se elaborou um plano B. Espanha seria o destino imediato, mas, à época, a Península atravessava a fase mais dura da pandemia e a circulação fronteiriça havia sido encerrada. Deu-se então prioridade à fuga para Marrocos, a partir da costa algarvia, e depois em direção à Costa do Marfim. O plano passou da teoria à logística na Quinta das Nespereiras, em Odiáxere (Lagos), na moradia de luxo do empresário Arlindo Fernandes, que era militante do Chega.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Na primavera de 2020, meses após ser eleito deputado único do Chega no parlamento, André Ventura receou a ilegalização do partido fundado um ano antes e temeu pela segurança pessoal. Soube-se que, no topo da hierarquia policial, o próprio Ventura e o dirigente nacional Luís Graça (sobre quem a imprensa revelou antigas ligações à extrema-direita e a neonazis) estariam sob investigação. A qualquer momento, poderiam ser presos e o partido ilegalizado. A informação, supostamente reservada e proveniente de «fontes amigas», «caiu no colo» do líder. E era uma granada sem cavilha. O alarme soou, mas a «notícia» manteve-se num grupo restrito de dirigentes. Quando soube, um deles chorou e urinou-se.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal
“Hábil, André Ventura intuiu como poucos os ressabiamentos, as ruminações e os preconceitos populares subterrâneos que borbulhavam pelo país. O povo «verdadeiro», «puro» e «real», de que se assumira porta-voz, viu nele um outsider
carismático. Negligenciado pelos seus representantes, esse povo fazia ponto de mira à bolha das elites, instituições e autoridades: considerava-as pasto para corrupção, «esquemas», egoísmos e infidelidades à palavra dada.”
Miguel Carvalho, Por Dentro do Chega: A face oculta da extrema-direita em Portugal