Eu só existo no olhar do outro? Quotes

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Eu só existo no olhar do outro? Eu só existo no olhar do outro? by Ana Suy
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Eu só existo no olhar do outro? Quotes Showing 1-5 of 5
“O tal do amor-próprio que, não por acaso, é uma expressão que aparece muito no lado das mulheres, no mercado da feminilidade, então os procedimentos estéticos, maquiagens, adereços, esses adornos falhos que aparecem por aí e essa preocupação relacionada à propriedade que justamente era isso. A mulher como propriedade do homem, a mulher precisando ter valor de mercado, precisando se fazer para o outro para ser amada. Creio que talvez seja sintomático do nosso tempo fazer isso a si mesmo, então já não é mais para o outro, mas tem que ser pra si mesmo pelo menos. Para que daí, depois, seja pelo outro. Enfim, são estes discursos: você precisa primeiro se amar para depois ser amado pelo outro; você precisa se amar e precisa não precisar do outro. Isso vai crescendo e ganhando proporções que vão abandonando as dimensões do cuidado e vão, às vezes, ganhando uma ferocidade superegoica mesmo, né? Nessa obsessão dessa melhor versão, do rosto sem poros, do corpo dentro de um padrão muito milimetricamente impossível e o quanto se vai, tantas vezes, abandonando o cuidado em busca dessa imagem ideal.”
Ana Suy, Eu só existo no olhar do outro?
“Porque o nosso serviço, o nosso anúncio, o nosso pagamento, pode ser feito integralmente on-line. Aí eu anuncio que sou psicanalista, botânico, zoólogo e faço também massagem astral. Tudo bem, e tá valendo. Daí a pessoa me contacta pelo Instagram, onde eu faço postagens turbulentas e adocicadas. E daí ela faz o tratamento comigo, ela me paga on-line e nunca me viu, posso até usar um nome falso. Cara, isso não é tão comum assim. Quais profissões conseguem ser inteiramente assimiladas em quase todo o seu processo? Nem medicina dá, porque daí o cara tem que ir ao hospital, tem que comprar o remédio, tem que ter uma fórmula. Um engenheiro tem que entregar uma ponte, o cara que trabalha com marketing tem que entregar um negócio, mas o negócio vai para várias mídias e você tem que fazer contratos que garantam a licitude pública… E a gente não tem que fazer nada disso. Eu acho que regulamentar a psicanálise é fria, deixar desse jeito também é fria, quem vai resolver isso?”
Christian Dunker, Eu só existo no olhar do outro?
“CHRISTIAN: Perder é uma arte mesmo! E estou aqui pensando no efeito colateral dessa gramática de substituições. Eu sou aquilo que o outro vê em mim; aquilo que eu mostro para que o outro reconheça. Esse domínio, vamos chamar assim, no plano da identidade, no plano da organização do eu, ele devia servir, pelo menos em teoria, lá atrás, ele deve servir a uma função mesmo, que é assim: eu me identifico com o outro para orientar o que eu quero. Porque a hora que eu sei que lugar eu tomo para o outro, sei também em que lugar, indiretamente, que descobrirei – suponho eu – algo sobre o desejo do outro e algo sobre o meu próprio desejo. Então voltamos nas duas coisas que estamos costurando aqui: que é ser ou não ser, existir ou não existir, e para onde vamos. Ou seja: o que queremos. O que a gente vai fazer junto agora que você me ama e eu te amo? Vamos comprar um carro? Ir a Paris? Ter filhos? Nos matar? O que faremos? E esse passo de um pro outro me parece cada vez menos intuitivo se a gente sobrecarregar o lado do “a gente precisa saber quem é!”, do “eu preciso saber quem eu sou, preciso garantir ontologicamente meu lugar no mundo”. E tudo isso só se presta a saber como eu saio deste mundo, como vou para outro mundo. Por isso gosto tanto dos ameríndios brasileiros, os Arawetés. Ali na ontologia deles, que é uma ontologia do risco, vamos dizer assim, sem proteção, o “eu” não parece um sistema de defesa para o outro, de saneamento da angústia. Quando o indígena dessa orientação – vamos dizer assim – antropológica encontra um outro, ele se pergunta o que ele está vendo. Por que ele está vendo uma anta? Por que ele está vendo uma capivara? E não o lugar em que o outro está me vendo. Por que é que eu vejo uma jiboia na minha frente? Porque a resposta pode ser: eu sou uma jiboia, e eu não sei. Essa reversão é que me parece fundamental, inclusive para nós, psicanalistas, que somos diplomatas entre mundos; andróginos. Queremos ver duas perspectivas: a nossa e a do paciente. Essa ideia de que, se você está vendo o mundo dessa maneira, você vai se transformar nessa jiboia, nessa anta, nessa capivara, eu acho que é um tratamento para essa nossa insegurança do eu não posso deixar de ser eu, do eu não posso abandonar-me a mim mesmo, do eu não posso me perder, do eu tenho que me impor ao outro. Eu tenho que me impor a mim mesmo. Não precisamos mais desse complemento, desse suplemento metapsicológico, o estádio do espelho. Quando você vir uma capivara, pergunte-se se não é uma delas. Uma lição meio óbvia na qual a psicanálise insiste é que existem muitas formas de existir, e mesmo as coisas que não existem interferem na definição do que somos. Podemos existir em ausência, podemos existir em potência, podemos existir como objetos ou como sujeitos.”
Christian Dunker, Eu só existo no olhar do outro?
“ANA: O teatro dentro do teatro: para mim, tem a ver mais com o fingimento, mas não necessariamente fingimento deliberado. Tem uma arquitetura nisso, na coisa de “como é que eu vou demonstrar a minha melhor versão?”.

CHRISTIAN: É! Engraçado, porque quando ouço essa frase, sempre escuto aversão, a minha melhor aversão. Como é que eu vou ser esse objeto de aversão, que é essa preocupação da minha melhor versão ser a menos pior.”
Christian Dunker, Eu só existo no olhar do outro?
“Eu sinto que a palavra fingimento, que dizer que tudo é fingimento, põe as coisas em uma perspectiva muito destituída de importância; pejorativa, até. Acusar o outro de estar fingindo, dizer que isso é fake e aquilo é falso, é como ter a posse da certeza de que há um verdadeiro por trás, concorda? Então existe o falso e esse falso oculta o verdadeiro. E aí eu penso que a gente encontra uma certa novidade na experiência analítica: o fato de que não é exatamente falso, mas uma brincadeira. Então é como se a vida fosse uma grande brincadeira, e o sujeito que está na posição depressiva é justamente aquele que está impedido de brincar. E isso acontece porque a brincadeira não tem mais graça. E só conseguimos fazer, só conseguimos brincar, se tivermos uma relação com a linguagem, de saber o que é isso, mas não ser tão isso. Porque como Freud disse: “Brincadeira é uma coisa muito séria para as crianças”. Então, ao vermos uma criança brincando, percebemos que ela está fazendo uma coisa muito séria, mas ela não está delirando nem alucinando, ela sabe que aquilo é uma brincadeira.”
Ana Suy, Eu só existo no olhar do outro?