As Causas do Atraso Português Quotes

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As Causas do Atraso Português: Repensar o passado para reinventar o presente As Causas do Atraso Português: Repensar o passado para reinventar o presente by Nuno Palma
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“Isto mostra desde logo que é errada a ideia segundo a qual Portugal terá estado sempre em decadência desde os Descobrimentos, apesar de amplamente difundida por muitos, como por exemplo Lúcio de Azevedo e Antero de Quental.[145] No entanto, existiu sem dúvida um período de notável catástrofe económica, mas isso aconteceu mais tarde: entre a década de 70 do século xviii e meados do xix. Nessa altura, o rendimento por pessoa caiu a pique, eliminando todos os ganhos dos três séculos anteriores. Uma análise fina da evolução desta série mostra que algumas das supostas causas do declínio ou decadência da economia portuguesa que frequentemente ouvimos não podem estar corretas. Um exemplo é o Terramoto de 1755 que, como se vê, não esteve associado a qualquer queda significativa do rendimento por pessoa. Outros dois casos são as Invasões Francesas, ou ainda a perda do Brasil – estes dois últimos eventos aconteceram tarde demais, quando o declínio acentuado da economia já estava a verificar”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“Em suma, a grande mudança institucional em Inglaterra ocorreu a partir de meados do século xvii, o século das grandes reformas constitucionais desse país. Na Península Ibérica, não só esta transformação não aconteceu, como as instituições políticas fizeram o caminho inverso. Essa evolução aconteceu em Espanha ainda durante o século xvi, agravando-se durante o xvii, enquanto em Portugal surgiu de forma mais tardia no século xviii, depois de ter até havido uma recuperação institucional com a Restauração de uma dinastia nacional em 1640.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“Enquanto, no século xvi, as Coroas de Portugal e Espanha pagavam taxas de juro mais baixas que os privados, nos séculos seguintes, essa situação inverteu-se: tornou-se mais arriscado emprestar ao rei, pois não era possível levar o rei a tribunal caso não pagasse ou se atrasasse no pagamento.[129] A Inglaterra fez o caminho contrário: a partir de meados do século xvii, o juro pago para empréstimos à Coroa passou a ser mais baixo do que o pago a privados.[130]”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“De facto, as Cortes de Castela estavam já esvaziadas de poder em meados do século xvii, tendo deixado de se reunir depois de 1664 a não ser raramente e apenas por motivos cerimoniais.[124] Em Portugal, durante o século xviii as Cortes não se reuniram uma única vez, ao contrário do que tinha acontecido com alguma regularidade na segunda metade da centúria anterior. Por contraste, em Inglaterra, com a Guerra Civil de meados do século xvii, o parlamento ganhou bastante poder, que manteve com a Restauração da Monarquia em 1660, e expandiu na sequência da Revolução Gloriosa de 1688-1689.[125] O parlamento inglês passou a funcionar de forma permanente no início do século xviii, por altura do Ato de União com a Escócia, em 1707. A partir desse momento, viriam a ser tomadas em Westminster as decisões mais importantes do reino, como por exemplo as relativas não apenas às receitas, mas também à despesa pública.[126] Em termos políticos, foi este o pilar fundamental que sustentou a força económica (e até por via fiscal, a força militar) do Reino Unido, apoiando o processo que veio a ser conhecido como a Revolução Industrial, e abrindo as portas de grande parte do mundo ao seu domínio no século seguinte.[127]”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“Em suma, entre finais do século xiv e inícios do xvii, as Cortes portuguesas e, em menor medida, as castelhanas, rejeitaram liminarmente alguns pedidos de contribuições por parte das suas respetivas Coroas – o que nunca aconteceu em Inglaterra durante a mesma época. No entanto, a situação mais comum não era tanto uma completa rejeição, mas antes a autorização de um montante inferior ao que tinha sido pedido pelo monarca. E nesta matéria também os limites efetivos ao poder executivo foram mais frequentes, numa primeira fase, em Portugal e Castela do que em Inglaterra. Os parlamentos ibéricos viriam a perder esta capacidade no século xviii (no caso de Castela, ainda no xvii), interrompendo séculos de negociações tensas, mas politicamente saudáveis, entre o poder executivo e as Cortes. Este contraste na evolução registada – uma perda gradual do poder das Cortes de Castela e Portugal, à medida que o parlamento inglês fazia o caminho inverso, ganhando poder e esvaziando o da Coroa – pode também ser verificado noutras matérias.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“não é verdade que, antes de 1820, nunca tivessem existido em Portugal instituições parlamentares ou um Estado Constitucional.[57] Tudo isto tinha existido, de facto, ainda que tivesse desaparecido no século xviii, por razões que discutirei.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“O papel decisivo nas Cortes não estava no Clero e na Nobreza mas cabia antes aos «Povos» que reuniam os representantes dos principais concelhos.[55] Estes, decidindo em nome das comunidades que os elegiam, eram conhecidos como procuradores – de uma forma aproximada, e sem grande salto de imaginação nem de violência à História, podemos comparar estes procuradores com os deputados dos atuais parlamentos. Mais, na sua forma de funcionamento, as Cortes seguiam normas, algumas escritas, outras não. Ou seja, as Cortes cumpriam, e faziam cumprir, o que na prática era uma Constituição, ainda que esta não estivesse codificada.[56] O exemplo contemporâneo do Reino Unido – que não tem uma Constituição escrita, embora tenha regras constitucionais que deverão ser cumpridas – ajuda a compreender o Portugal dos séculos xiv a xvii.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“O século xix, à primeira vista, surge como uma época de profunda rutura institucional. Depois da vitória definitiva dos ditos «liberais» em 1834, tudo aparenta ter mudado: a nível legal, administrativo, e fiscal era um país novo e radicalmente diferente do anterior que aparentava ter surgido. Ou, pelo menos, assim o afirmaram gerações de historiadores, influenciados por grandes figuras do Liberalismo como Alexandre Herculano.[51] No entanto, demonstrarei que as amplas mudanças institucionais e legais do século xix e início do seguinte não tiveram efeitos significativos na sociedade portuguesa. Pelo menos, as suas consequências apenas aconteceram a prazo e de forma indireta. Estou consciente de que, ao defender esta ideia, entro em contradição com as convicções de grande parte da historiografia existente sobre esse período. Mas a verdade é que uma sociedade que chegou ao século xix decadente, em termos tanto políticos como económicos, nunca poderia ter sido fácil de reformar. Devido a este peso do passado, o século xix acabou por ser muito mais traumatizante do que tinha de ser. E o radicalismo político que se instalou em certas épocas, que disso foi consequência, não resolveu os bloqueios fundamentais do país. O fracasso não decorreu apenas da má conceção das leis e instituições, mas do facto de muitas das reformas se terem feito apenas por decreto – ou seja, de jure. Faltou a sua implementação de facto, como aliás já tinha acontecido com algumas «reformas» do século anterior.[52] E o mesmo voltaria a acontecer um século depois, com a Primeira República, tanto no que toca à difícil relação com o Clero, como à questão da alfabetização, num país que era pobre e profundamente religioso. Acabou por ser a ditadura socialmente conservadora que governou o país a partir de 1926, sem cortar com muitas das alterações institucionais anteriores – como a secularização do Estado ou a natureza republicana do regime – que foi capaz de modernizar o aparelho estatal, alfabetizar as novas gerações, e implementar reformas fundamentais que, a seu tempo, dariam frutos. Beneficiando também, sem dúvida, da conjuntura externa favorável do pós-guerra, o país finalmente convergiu, num processo que depois continuou durante a democracia, ainda que de forma variável no tempo e com resultados medíocres nas últimas décadas.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“Nenhuma sociedade consegue prosperar sem a existência de um Estado que consiga impor justiça e ordem por meio da oferta de bens públicos, como tribunais e forças armadas.[41] No entanto, qualquer governo suficientemente forte para manter a ordem também é capaz, ipso facto, de utilizar a sua força para expropriar os cidadãos em benefício da pequena elite politicamente dominante. Este é um dilema fundamental de todas as sociedades humanas: como construir um Estado simultaneamente poderoso, mas também justo e contido?[42] Era um problema que Platão já referia e continuou a preocupar todos os pensadores destas matérias ao longo dos séculos, como John Locke e Montesquieu. Foram as sociedades que melhor conseguiram obter esse difícil equilíbrio que mais cedo se desenvolveram, com destaque para a Inglaterra a partir da segunda metade do século xvii.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“O erro fundamental dos que tentam atribuir ao Estado Novo as culpas do atraso português é desconhecerem a profundidade histórica desse atraso. O essencial pode ser repetido: as raízes do atraso de Portugal são muito anteriores ao Estado Novo, tanto a nível económico como a nível político ou institucional. Como veremos, em termos económicos, o declínio de Portugal começa décadas antes das Guerras Napoleónicas. Em meados do século xix, Portugal já era o país mais pobre da Europa Ocidental. Em 1900, era o que tinha a maior percentagem de analfabetos (75%). Em termos institucionais, as Cortes deixaram de se reunir em Portugal a partir de finais do século xvii. Só voltaram a reunir-se no século xix, em moldes diferentes, mas o sistema político manteve-se disfuncional, como explico em detalhe mais à frente. Durante a Monarquia Liberal do século xix, o atraso do país agravou-se, e a Primeira República não foi capaz de inverter essa tendência. Por tudo isto, o Estado Novo herdou um país profundamente atrasado, não apenas em termos económicos, mas também políticos ou institucionais. Não é, portanto, surpreendente que em meados do século xx – ou mesmo em 1974 – vários indicadores de bem-estar, como a mortalidade infantil ou os níveis de educação, estivessem piores do que os de outros países da Europa Ocidental.”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português
“Uma tese deste livro é a de que o atraso não era inevitável. Portugal estava numa trajetória histórica favorável na segunda metade do século xvii, na sequência da Restauração e da paz alcançada com o Tratado de Lisboa (1668). Ou seja, por volta dos reinados de D. Afonso VI e D. Pedro II, o atraso relativo do país não era ainda previsível. Tudo viria a mudar com a descoberta das minas de ouro no Brasil. As consequências foram profundas, tanto para a economia como para o sistema político do país, tendo tido enormes implicações a prazo – por exemplo, para o processo educativo – que continuaram a assombrar o país nos séculos seguintes, chegando de forma indireta aos nossos dias. Mas a lição não foi aprendida, e os fundos europeus que nos são hoje transferidos configuram um novo caso de recursos chegados do exterior que, a prazo, atrasam o nosso desenvolvimento”
Nuno Palma, As Causas do Atraso Português