Luminol Quotes

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Luminol Luminol by Carla Piazzi
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“Quando larguei a endemoniada, ela tremelicou os braços, botou aquele olho em mim e desandou a falar e foi bem assim: ‘Ajeitei um buraco grande naquela cabeça que não prestava, pra ver se entrava o que aquela infeliz não entendia: a fome do meu filho. Vai começar a chover, homem de Deus, toma seu rumo e volta logo, que meu menino tem fome.”
Carla Piazzi, Luminol
“Pra mim, pelo menos, o desespero é de quem escreve, e não de quem lê. Eu posso até encontrá-lo (e encontro) em meus livros de cabeceira, mas nunca li motivada pela desesperança. Que façam suas leituras, isso não é comigo.”
Carla Piazzi, Luminol
“Mas se decidi soltar um tanto de minha história, e se em torno dela voassem outras, por que eu haveria de querê-la aprisionada em um relicário? Há de se preparar pra nudez pública? Pro escrutínio da intimidade? Não, não existe preparo, isso é uma escolha. Ninguém encostou em mim, eu mesma arranquei minhas roupas. No fim das contas, a única coisa que ficou comigo e que me faz continuar é o desespero; é ir até minha escrivaninha a cada manhã com a convicção de que não me resta nada, é a renovação diária da contradição: entrar, de bom grado, num beco sem saída.”
Carla Piazzi, Luminol
“Não consigo pensar agora em nenhum guarda-roupa mais entulhado que o da intuição. Qualquer tentativa de vislumbrar a nudez dessa percepção misteriosíssima, que dizem ser a ponte entre o humano e o divino, culmina numa indumentária. Cresci olhando pra essa ponte vestida de anjo da guarda. Posso ler o que for, buscar outras estéticas, outros símbolos, expurgar superstições, matar Deus e desencantar o mundo, que a imagem e o toque do anjo não se desfazem.”
Carla Piazzi, Luminol
“Toda tentativa de pulverização do eu que sofre só me deixa mais ciente de sua solidez. Nunca estive tão consciente da utopia que é viver no presente (que, pra mim, só existe assombrado pelo passado e pelo futuro, que sempre estiveram aqui e agora, mas raramente notados). Essa consciência é a parte maravilhosa de meditar e, por enquanto, é só isso.

Como questionar a realidade da assombração, algo que vem do passado e acossa o presente querendo dizer algo sobre o futuro, quando seus contornos se tornam cada vez mais nítidos? Como não prestar atenção a uma situação na qual não resta dúvida de que me tornei um fantasma pra minha filha e ela se tornou um fantasma pra mim? É como se eu tivesse uma rede de pesca em minhas mãos e não conseguisse fazer nada com ela, porque fui hipnotizada por seus buracos.”
Carla Piazzi, Luminol
“Otto faz isso comigo. Coisas tão corriqueiras como vê-lo sem óculos fitando o armário, ou sua ligação com Ernesto e a fábula do tambor, ou, hoje, ele lá em cima do telhado, provocam em mim uma estranheza como se, ao focar um fragmento, eu pudesse acessar outra totalidade. E aí a familiaridade com ele se desfaz. É o oposto do que acontece com as outras pessoas daqui: no nosso trato cotidiano, quando acesso uma faceta que ainda não conhecia de alguém, sinto que isso aprofunda a intimidade, algo se acrescenta, mas no caso de Otto é subtração, e ele reaparece como um desconhecido.

Ele percebeu que eu o olhava. A gente sabe, até de costas, quando tem alguém nos observando, e os meus desvios rápidos do olhar, esse reflexo que só piora tudo, devem ter reforçado a sua percepção de que, sim, eu media cada gesto seu, cada expressão. O que será que ele deve ter imaginado? O que pensar quando uma pessoa que mora com você (e não só mora, mas também trabalha, estuda, festeja, discute, conhece o som dos seus passos, dos espirros, do bater da porta, divide o banheiro, o cuidado com a criança, com as heranças) começa, do nada, a te olhar descaradamente?”
Carla Piazzi, Luminol