O povo brasileiro Quotes

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O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil by Darcy Ribeiro
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“A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“Faltou sempre, e falta ainda, clamorosamente, uma clara compreensão da história vivida, como necessária nas circunstâncias em que ocorreu, e um claro projeto alternativo de ordenação social, lucidamente formulado, que seja apoiado e adotado como seu pelas grandes maiorias. Não é impensável que a reordenação social se faça sem convulsão social, por via de um reformismo democrático. Mas ela é muitíssimo improvável neste país em que uns poucos milhares de grandes proprietários podem açambarcar a maior parte de seu território, compelindo milhões de trabalhadores a se urbanizarem para viver a vida famélica das favelas, por força da manutenção de umas velhas leis. Cada vez que um político nacionalista ou populista se encaminha para a revisão da institucionalidade, as classes dominantes apelam para a repressão e a força.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“Nessas condições é que começa a surgir um novo tipo de liderança
indígena, sem nenhuma submissão diante dos missionários, de seus
protetores oficiais ou de quaisquer agentes da civilização. Sabem que
a imensa maioria da sociedade nacional é composta de gente
miserável que vive em condições piores que a deles próprios.
Percebem ou suspeitam que seu lugar na sociedade nacional, se nela
quisessem incorporar-se, seria mais miserável ainda. Tudo isso
aprofunda seu pendor natural a permanecerem índios.

Em certas circunstâncias, a alternidade entre os índios e o
contexto nacional com que eles convivem chega a ser tão agressiva
que se torna assassina. É ela que leva jovens índios ao suicídio, como
ocorre com os Guarani, por não suportarem o tratamento hostil que
lhes dão os invasores de suas terras. Além de transformarem todo o
meio ambiente, derrubando as matas, poluindo os rios,
inviabilizando a caça e a pesca, esses vizinhos civilizados lançam
sobre os índios toda a brutalidade de um consenso unânime sobre
sua inferioridade insanável, que acaba sendo interiorizada por eles,
dando lugar às ondas de suicídios. Nessas condições, as próprias
tradições indígenas se redefinem, às vezes, já não para lhes dar
sustentação moral e confiança em si mesmos, mas para induzi-los ao
desengano. Esse é o caso dos mitos heroicos guaranis referentes à
criação do mundo, que se converteram em mitos macabros, em que a
própria terra apela ao criador que ponha um fim à vida porque está
cansada demais de comer cadáveres.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“A sociedade resultante tem incompatibilidades insanáveis. Dentre
elas, a incapacidade de assegurar um padrão de vida, mesmo
modestamente satisfatório, para a maioria da população nacional; a
inaptidão para criar uma cidadania livre e, em consequência, a
inviabilidade de instituir-se uma vida democrática. Nessas
condições, a eleição é uma grande farsa em que massas de eleitores
vendem seus votos àqueles que seriam seus adversários naturais. Por
tudo isso é que ela se caracteriza como uma ordenação oligárquica
que só se pode manter artificiosa ou repressivamente pela
compressão das forças majoritárias às quais condena ao atraso e à
pobreza.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“O conflito interétnico se processa no curso de um movimento
secular de sucessão ecológica entre a população original do território
e o invasor que a fustiga a fim de implantar um novo tipo de
economia e de sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma guerra
de extermínio. Nela, nenhuma paz é possível, senão com um
armistício provisório, porque os índios não podem ceder no que se
espera deles, que seria deixar de ser eles mesmos para ingressar
individualmente na nova sociedade, onde viveriam outra forma de
existência que não é a sua.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“Mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a
negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos
índios deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles
têm o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o
futuro possível seria a negação mais horrível do passado, uma vida
indigna de ser vivida por gente verdadeira.

Sobre esses índios assombrados com o que lhes sucedia é que caiu a
pregação missionária, como um flagelo. Com ela, os índios souberam
que era por culpa sua, de sua iniquidade, de seus pecados, que o bom
deus do céu caíra sobre eles, como um cão selvagem, ameaçando
lançá-los para sempre nos infernos. O bem e o mal, a virtude e o
pecado, o valor e a covardia, tudo se confundia, transtrocando o belo
com o feio, o ruim com o bom. Nada valia, agora e doravante, o que
para eles mais valia: a bravura gratuita, a vontade de beleza, a
criatividade, a solidariedade. A cristandade surgia a seus olhos como
o mundo do pecado, das enfermidades dolorosas e mortais, da
covardia, que se adonava do mundo índio, tudo conspurcando, tudo
apodrecendo.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“...o objetivo jamais foi criar um povo autônomo, mas cujo resultado principal foi fazer surgir como entidade étnica e configuração cultural um povo novo, destribalizando índios, desafricanizando negros, deseuropeizando brancos.

Ao desgarrá-los de suas matizes, para cruzá-los racialmente e transfigurá-los culturalmente, o que se estava fazendo era gestar a nós brasileiros tal qual fomos e somos em essência. Uma classe dominante de caráter consular-gerencial, socialmente irresponsável, frente a um povo-massa tratado como escravaria, que produz o que não consome e só se exerce culturalmente como uma marginália, fora da civilização letrada em que está imersa.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa, "democracia racial", raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô‐lo, porque se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alternidade.”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil
“A 
mais 
terrível 
de 
nossas 
heranças é 
esta 
de 
levar 
sempre 
conosco 
a cicatriz 
de 
torturador 
impressa 
na alma 
e 
pronta 
a 
explodir 
na brutalidade racista 
e 
classista. 
Ela 
é que 
incandesce, 
ainda 
hoje, 
em 
tanta autoridade brasileira 
predisposta 
a torturar, 
seviciar 
e 
machucar 
os pobres 
que 
lhes caem 
às 
mãos. 
Ela, porém, 
provocando 
crescente indignação 
nos 
dará forças, 
amanhã, para 
conter 
os 
possessos 
e 
criar aqui 
uma
 sociedade solidária.
”
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil