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Eu já te disse.
É o fim da linha. Tudo sempre guiou para ali: lugar nenhum.
O que ela pensou a respeito foi em como, se ela não tivesse deixado o dever de francês no carro, não teria precisado correr para o estacionamento entre as aulas, e poderia ter chegado ao elevador dois minutos antes e não encontrado Shara. Se tivesse apertado o botão “fechar portas” mais rápido, elas teriam se fechado na cara de Shara. Pareceu tão acidental, um acaso tão bobo e passageiro que ela e Shara tivessem acabado no mesmo elevador.
Se ela soubesse disso tudo na época, não teria se permitido ser largada em um elevador. Teria puxado Shara de volta e a obrigado a encarar essa porra toda.
— Mas uma ideia não pode querer você de volta. E estou começando a pensar que essa era meio que a intenção.
e, de todas as lembranças idiotas, a que vem à sua mente é Ace na festa gritando sobre “Mr. Brightside”: Ele nunca diz de qual dos dois tem inveja.
E se Willowgrove sempre tivesse sido seu mundo, e as pessoas responsáveis por ele, que deixavam as portas das salas de aula abertas para ela e faziam piadas com ela como se a vissem como uma pessoa, lhe falassem de maneira gentil, mas firme que ela era errada? Que havia algo dentro dela — mesmo que não conseguisse dar um nome — que precisava ser consertado?
Talvez seja difícil ser Shara e amar uma menina. Mas por que ela tem o direito de fugir? Por que não precisa passar por esse mesmo inferno?
Eu… não consigo nem explicar como eu me sinto, e parece errado dizer isso sem as palavras certas, então não digo nada, mas aí ninguém fica sabendo, e fico brava que ninguém saiba, por mais que eu não queira que saibam.
— Você ainda não está entendendo. Eu não consigo. Não consigo estar com Smith. Não consigo ser o que todo mundo quer que eu seja. Não consigo ir pra Harvard. Tudo o que consigo é ganhar essa última coisa, pra que essa seja a forma como todos vão se lembrar de mim, e eles nunca vão precisar saber do resto. E você está na minha frente, então fiz o que precisava fazer. É só com isso que eu me importo.
Mas você… você entra na escola todo dia como se soubesse de tudo e fosse melhor do que todo mundo, e é por isso que sei que você está apavorada. Você precisa decidir que está muito segura sobre tudo, porque a insegurança mata você de medo.
Às vezes, quando entro numa igreja, não sei se deveria estar lá, embora eu me sinta em casa. Casa nem sempre foi um bom lugar para mim.
Mas Chloe conhece a verdadeira história porque o nome dessa menina é Valerie Green.
Há aquela dorzinha inicial, e há o momento em que ela passa pela porta de casa e sente a dor passar, mas existe todo esse tempo entre as duas coisas, em que ela luta para manter a média lá no alto na base do ódio, em que marcha pelos corredores e viola pequenas regras para sentir que fez algo para merecer a maneira como as pessoas olham para ela.
Acho que talvez eu precisasse de tantos segredos pra manter esse outro escondido, e agora que não está mais escondido, não preciso do resto.
Fiz tudo isso pra chamar a atenção dela, e disse a mim mesma que era porque queria ganhar dela, mas, na verdade, queria saber que ela estava olhando para mim. Essa parte não deve ser uma surpresa pra ela… ela descobriu isso antes de mim.
— Na verdade, acho que tanto eu quanto ela somos gays.
Sério, o plano original de Shara de partir o coração de Chloe não era ruim. Pena que ela o desperdiçou.
— Não! — Chloe vocifera. — Fala na minha cara! Faz isso pra valer! Me chama pra sair como todo mundo que já gostou de alguém na história do universo!
Esta é a verdadeira tragédia: tudo de extraordinário sobre ela está preso atrás de um mito.
É uma merda como eles nos fazem nos sentir em relação a nós mesmos, e aguentamos isso porque não achamos que existe alguma coisa que possamos fazer a respeito. Aguentamos por tanto tempo que nem sabemos mais quem nós somos, só o que eles querem que a gente seja. E não quero mais aturar isso.
Em meia hora, ao menos cinco dezenas de veteranos se reuniram dentro da Belltower como um protesto improvisado, quase um terço da turma formanda. Alguns até trouxerem amigos e irmãos mais novos.
Chloe olha a seu redor na Belltower e vê coisas que nunca tinha visto antes. Uma menina do softball se dando bem com uma menina do clarinete. Benjy perguntando o tamanho dos bíceps de Ace. Brooklyn sem jeito enquanto conversa com April, que está sentada numa mesa à frente dela parecendo profundamente entretida e cutucando o joelho de Brooklyn com a ponta do tênis. Há algo no ar, como um alívio coletivo de tensão.
Mas, em vez disso, Shara entrou no e-mail do pai e imprimiu todas as provas que conseguiu encontrar. Ela cobriu a escola com elas para garantir que ele não tivesse como esconder tudo aquilo.
Ela fez isso mesmo sabendo que ela própria cairia junto com ele.
Shara não joga as coisas fora porque não são importantes para ela. Joga as coisas fora porque são importantes demais.
Shara não é um monstro dentro de uma menina bonita, nem uma menina bonita dentro de um monstro. Ela é as duas coisas, uma dentro da outra dentro da outra.
Nenhuma delas fez tudo aquilo por um título. Era isto que Chloe tinha medo de que seus amigos enxergassem. Era a isto que a trilha levava. É por isto que ela não conseguia deixar a história acabar.
— Porque eu estava tentando criar coragem pra fazer do jeito certo, mas você ficava agindo como se ainda fosse um jogo. — Sua voz está como a letra dela no postscriptum amassado: desgastada.
— Que minhas melhores manhãs são as em que chego à escola logo depois de você, porque sei que você vai ter que me ver passar pelo seu carro.
Descobri o número do seu armário na primeira semana todos os anos, pra saber exatamente quantas vezes por dia eu passava por ele.
Queria que alguém me visse, e queria que fosse você, porque acho que sempre soube que você era a única que poderia ser.
É a noite do baile que elas nunca tiveram, e ela encontrou a única pessoa igual a ela em uma cidadezinha do tamanho do mundo, e elas estão sozinhas em um quarto silencioso se beijando na frente de Deus e de todos.
Shara não é boazinha. Shara é coisas muito mais importantes do que boazinha.
Ela está feliz que é com Shara. Ninguém mais teria parecido importante o suficiente.
Shara pensa que ela é A Poderosa? Mas Shara é A Poderosa. O que você diz quando A Poderosa fala que você é A Poderosa aos olhos dela?
Primeiro Georgia, agora Shara — venham para a casa Green, adolescentes lgbtqiap+ de False Beach, para o primeiro vislumbre não deprimente do seu futuro.
Aprendi que muitos de nós, muitos mais do que eu imaginava, estão fazendo o possível pra sobreviver num lugar que parece não nos querer. Aprendi que sobreviver é pesado pra muitos de nós.
Uma garota do Alabama transformou sua vida em caos com um beijo.
— Então, é basicamente isso que quero dizer — Chloe continua. — E também quero agradecer a algumas pessoas. Aos meus amigos, Georgia, Benjy, Ash, obrigada por serem meu lugar aqui quando eu não tinha mais para onde ir. A Smith e Rory: nunca vou parar de me sentir sortuda por poder ter conhecido vocês.
— E à garota que me beijou — ela diz. — Fiz alguns dos melhores trabalhos da minha vida por sua causa. E sei que você fez alguns dos melhores trabalhos da sua por minha causa. Não sei uma maneira melhor de explicar o que o amor quer dizer para pessoas como nós.
Shara dizendo a palavra “namorada” pela primeira vez em cima do capô do carro de Chloe, nas montanhas que dão para o lago Martin, sob um céu lindíssimo.