As intermitências da morte
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Não sou competente para formular juízos dessa natureza, eminência, viver com os meus próprios erros já me dá trabalho suficiente,
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À igreja nunca se lhe pediu que explicasse fosse o que fosse, a nossa outra especialidade, além da balística, tem sido neutralizar, pela fé, o espírito curioso,
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Antes a morte, senhor primeiro-ministro, antes a morte que tal sorte.
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As religiões, todas elas, por mais voltas que lhes dermos, não têm outra justificação para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca.
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Tem razão, senhor filósofo, é para isso mesmo que nós existimos, para que as pessoas levem toda a vida com o medo pendurado ao pescoço e, chegada a sua hora, acolham a morte como uma libertação, O paraíso, Paraíso ou inferno, ou cousa nenhuma, o que se passe depois da morte importa-nos muito menos que o que geralmente se crê, a religião, senhor filósofo, é um assunto da terra, não tem nada que ver com o céu, Não foi o que nos habituaram a ouvir, Algo teríamos que dizer para tornar atractiva a mercadoria, Isso quer dizer que em realidade não acreditam na vida eterna, Fazemos de conta.
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Melhor então seria não fazer nada, disse um dos filósofos optimistas, os problemas do futuro, o futuro que os resolva, O pior é que o futuro é já hoje,
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Porque a filosofia precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que morreremos, monsieur de montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a morrer.
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Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas.
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Já pensaste se a morte será a mesma para todos os seres vivos, sejam eles animais, incluindo o ser humano, ou vegetais, incluindo a erva rasteira que se pisa e a sequoiadendron giganteum com os seus cem metros de altura, será a mesma a morte que mata um homem que sabe que vai morrer, e um cavalo que nunca o saberá.
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Em que momento morreu o bicho-da-seda depois de se ter fechado no casulo e posto a tranca à porta, como foi possível ter nascido a vida de uma da morte da outra, a vida da borboleta da morte da lagarta, e serem o mesmo diferentemente, ou não morreu o bicho-da-seda porque está vivo na borboleta.
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Aí está uma palavra que soa bem, cheia de promessas e certezas, dizes metamorfose e segues adiante, parece que não vês que as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não são as cousas, nunca saberás como são as cousas, nem sequer que nomes são na realidade os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os nomes que lhes deste,
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Porque cada um de vós tem a sua própria morte, transporta-a consigo num lugar secreto desde que nasceu, ela pertence-te, tu pertences-lhe,
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Como já alguém disse, tudo o que possa suceder, sucederá, é uma mera questão de tempo, e, se não chegámos a vê-lo enquanto por cá andávamos, terá sido só porque não tínhamos vivido o suficiente.
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A propósito, não resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem.
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que é isso, senhor director, porque as palavras, se o não sabe, movem-se muito, mudam de um dia para o outro, são instáveis como sombras, sombras elas mesmas, que tanto estão como deixaram de estar, bolas de sabão, conchas de que mal se sente a respiração, troncos cortados,
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A morte conhece tudo a nosso respeito, e talvez por isso seja triste.
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Momentos de fraqueza na vida qualquer um os poderá ter, e, se hoje passámos sem eles, tenhamo-los por certos amanhã.
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talvez as cousas que sucedem no mundo se expliquem pela ocasião, por exemplo, o luar deslumbrante que o músico recorda da sua infância teria passado em vão se ele estivesse a dormir,
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a arte é assim, tem cousas que parecem de todo impossíveis ao profano e afinal de contas não o eram.
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No fundo, no fundo, manda a verdade que se diga, aos olhos da morte todos somos da mesma maneira feios, inclusive no tempo em que havíamos sido rainhas de beleza ou reis do que masculinamente lhe equivalha.
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Não consigo compreender o que está a passar-se entre nós, creio que o melhor é não nos vermos mais, Ninguém o poderá impedir, Nem sequer você, que sempre leva a sua avante, perguntou o músico, esforçando-se por ser irónico, Nem sequer eu,
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As palavras também têm a sua hierarquia, o seu protocolo, os seus títulos de nobreza, os seus estigmas de plebeu.
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Não vive aqui, Viver aqui, o que se chama viver, não vivo, Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela, Alguém escreveu que cada um de nós é por enquanto a vida, Sim, por enquanto, só por enquanto,
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Aprende, pensava, aprende de uma vez, pedaço de estúpido, portaste-te como um perfeito imbecil, puseste os significados que desejavas em palavras que afinal de contas tinham outros sentidos, e mesmo esses não os conheces nem conhecerás, acreditaste em sorrisos que não passavam de meras e deliberadas contracções musculares, esqueceste-te de que levas quinhentos anos às costas apesar de caridosamente to haverem recordado,