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Parecia-lhe que a regra básica do comportamento de um acusado era estar preparado para nunca ser surpreendido,
Sentiu-se tão livre quanto um sujeito costuma se sentir ao se dirigir a pessoas de nível social inferior em um país estrangeiro: esconde-se tudo o que diz respeito a si mesmo, falando apenas com indiferença sobre interesses alheios, aumentando diante de si a importância do outro, mas também podendo diminui-la à própria vontade.
As pessoas apenas estão cansadas e distraídas demais e, para substituir, confiam na superstição.
Repito, é uma superstição ridícula e, na maioria dos casos, completamente refutada pelos fatos, mas, quando se vive em um círculo social desses, é difícil escapar dessas opiniões. Pense em como essa superstição pode ser poderosa.
Quando às vezes surge a crença em um interesse comum num grupo, logo ela se revela um erro. Nada pode ser feito em conjunto contra o tribunal. Cada caso é examinado separadamente, esse é o tribunal mais cuidadoso que há. Portanto, não é possível realizar nada em conjunto, apenas um indivíduo isolado às vezes consegue algo secretamente; somente quando alcançado é que os outros descobrem, ninguém sabe como aconteceu.
— Apenas uma intervenção independente é inútil.
Leni acha que a maioria dos acusados são lindos, essa é sua peculiaridade. Ela se apega a todos, ama todos, e também parece ser amada por todos.
Mesmo assim, quem tem experiência sabe reconhecer, um por um, os acusados entre uma porção de gente.
Os acusados são realmente os mais bonitos. Não pode ser a culpa que os torna bonitos, porque, pelo menos é o que tenho a dizer como advogado, nem todos são culpados, não pode ser a justa punição que os embeleza agora, porque nem todos serão punidos, então só pode ser por causa dos processos que de alguma maneira se prendem a eles. Porém, entre os belos, há também os especialmente belos. Mas todos são bonitos, até mesmo Block, aquele verme miserável.
Nunca antes estive tão preocupado com o processo como desde que o senhor começou a me representar. Quando estava sozinho, eu não fazia nada pela minha causa, mas quase não o sentia; agora, com um representante, estava tudo arranjado para que algo acontecesse, esperei o tempo todo e com ansiedade crescente pela sua intervenção, mas ela não se concretizou.
Senti que, se não queria pecar contra meu cliente e o trabalho que havia assumido, não deveria deixar esse trabalho para mais ninguém.
— O senhor não fala abertamente comigo e nunca falou. Portanto, se for mal interpretado, ao menos em sua opinião, não deve reclamar. Eu sou aberto e, portanto, não tenho medo de ser mal interpretado.
muitas vezes é melhor estar acorrentado do que livre.
para o suspeito, o movimento é melhor que o repouso, porque quem está em repouso pode sempre, sem saber, estar no prato da balança e ser pesado com os seus pecados.
Aquilo não era mais um cliente, era o cachorro do advogado.
Não dá para começar uma frase sem que você olhe para ela como se sua sentença final estivesse chegando.
não queria ficar sem trabalho nem por um dia sequer, porque o medo de não ter permissão para voltar era muito grande — um medo que reconhecia como exagerado, mas que ainda assim o deprimia.
Sua memória, que costumava ser boa, parecia tê-lo abandonado por completo,
Pensou em como sempre dissera seu nome tão abertamente, mas como para ele já era um fardo fazia algum tempo, e agora havia pessoas com quem se encontrava pela primeira vez que já sabiam seu nome; como era bom se apresentar primeiro e só então se tornar conhecido!
o veredicto não vem de uma vez, o processo é que gradualmente se transforma em veredicto.
As mulheres têm grande poder. Se eu pudesse fazer com que algumas mulheres que conheço trabalhassem juntas para mim, eu me imporia. Principalmente com este tribunal, que consiste quase inteiramente de mulherengos. Mostre ao juiz de instrução uma mulher de longe, e ele vai atropelar a mesa do tribunal e o acusado só para chegar lá a tempo.
— Eu precisava falar com você primeiro a distância. Se não faço assim, deixo que me influenciem facilmente e esqueço o meu serviço.
— Nos escritos introdutórios à lei consta o seguinte sobre esse engano: um porteiro está diante da lei. Um camponês se dirige a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que não pode permitir que ele entre naquele momento. O homem pensa a respeito e pergunta se terá permissão para entrar mais tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas não agora.” Com a porta da lei aberta como sempre, e o porteiro se afastando, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando o porteiro percebe isso, ele ri e diz: “Se você está tão atraído, tente entrar apesar da minha
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O homem, que trouxera muitos equipamentos para sua jornada, usa de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre diz: “Só aceito para que você não pense que deixou de fazer alguma coisa”. Com o passar dos anos, o homem observa o porteiro quase continuamente. Ele esquece os outros porteiros, e esse primeiro parece para ele o único obstáculo para entrar na lei. Ele amaldiçoa em voz alta a infeliz coincidência nos primeiros anos, depois, quando envelheceu, apenas rosna para si mesmo. Ele se torna infantil, e como reconhecia até mesmo as pulgas na gola de
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“Todo mundo se esforça pela lei”, diz o homem, “como é que se explica que em todos esses anos ninguém pediu para ser admitido, exceto eu?”
“Ninguém mais podia ser admitido aqui, porque esta entrada estava destinada somente para você. Agora vou partir e fechá-la”.
O porteiro só fez a liberação quando ela não podia mais ajudar o homem.
lembre-se de que ele era apenas um porteiro e, como tal, cumpriu seu dever. — Por que você acredita que ele cumpriu seu dever? — perguntou K. — Ele não cumpriu. Talvez fosse seu dever afastar todos os estranhos, mas ele deveria ter deixado entrar este homem, para quem a entrada foi destinada.
Uma passagem diz que ele não podia permitir que o camponês entrasse naquele momento, e a outra que a entrada era destinada apenas a ele. Se houvesse uma contradição entre essas duas afirmações, você estaria certo, e o porteiro teria enganado o homem. Mas não há contradição. Pelo contrário, a primeira explicação inclusive sugere a segunda. Seria quase possível dizer que o porteiro foi além de seu dever, oferecendo ao homem uma perspectiva de entrada no futuro.
está muito ciente da importância do seu serviço, pois diz: “Eu sou poderoso”, teme seus superiores porque diz: “Sou apenas o porteiro mais inferior”, ele não fala muito, porque com o passar dos anos só faz, como se diz, “perguntas indiferentes”; não pode ser subornado porque fala de um presente: “Só aceito para que você não pense que deixou de fazer alguma coisa”, no que tange ao cumprimento do dever, não se comove ou se irrita, porque se diz do homem, “cansa o porteiro com seus pedidos”.
Dizem que ele não conhece o interior da lei, mas apenas o caminho que deve percorrer continuamente diante da entrada. As ideias que ele tem do interior são tidas como infantis, e presume-se que ele mesmo teme o que deseja apresentar para assustar o homem. Sim, ele teme mais que o homem, porque o homem não quer outra coisa senão entrar, mesmo depois de ter ouvido falar dos terríveis porteiros lá de dentro; o porteiro, por outro lado, não quer entrar, pelo menos não se sabe nada sobre isso.
Acima de tudo, o homem livre é superior ao homem preso a uma obrigação. Agora, o camponês está realmente livre, pode ir aonde quiser, apenas a entrada na lei lhe é proibida e, além disso, apenas por um indivíduo, o porteiro. Se ele se senta no banquinho ao lado da porta e fica lá por toda a vida, é voluntário, a história não fala de coerção. O porteiro, por outro lado, está vinculado por sua função ao posto, não pode sair, mas aparentemente também não pode entrar, mesmo que deseje. Além disso, embora esteja a serviço da lei, serve apenas a esta entrada, ou seja, apenas a este homem, a quem
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Até acreditam que, ao menos no final, ele também é subordinado ao homem naquilo que sabe, porque vê o brilho que irrompe desde a entrada da lei, enquanto o porteiro, por sê-lo, fica de costas para a entrada e não mostra, por nenhuma expressão, que notou uma mudança.
não é preciso considerar tudo como verdade, apenas tem que considerá-lo necessário. — Opinião triste — disse K. — A mentira se tornou a ordem mundial.
O sacerdote era como todo mundo, só queria falar sobre o caso de K. em termos vagos, talvez seduzi-lo para no fim se calar?
Não vou precisar mais de muita força, vou usar tudo o que tenho agora, pensou, lembrando-se das moscas que saem com as perninhas arrebentadas do pega-moscas. Esses senhores terão um trabalho árduo.
Sempre quis abraçar o mundo com vinte mãos e, além disso, com um propósito nada louvável. Isso estava errado. Devo agora mostrar que nem mesmo a experiência de um ano pôde me ensinar? Devo sair como um ignorante? Devo poder dizer que, no início do processo, eu queria encerrá-lo, e agora, no final, quero reiniciá-lo?
a responsabilidade por esse último erro cabia àquele que lhe havia negado o resto da força necessária para fazê-lo.
A lógica é, na verdade, inabalável, mas não resiste a uma pessoa que quer viver.
Era como se a vergonha devesse sobreviver a ele.
Costumava se deitar no sofá de seu escritório — não conseguia ir embora sem relaxar no sofá por uma hora
um estrangeiro, por exemplo, caminhava em uma antessala, vestido como toureiro, a cintura como que talhada por facas, o casaco muito curto e esticado que o envolvia consistia em rendas amareladas de fios grossos, e este homem, sem interromper o passo por um momento, deixava que K. o admirasse sem cessar. K. andou ao redor dele curvado e ficou maravilhado, com olhos arregalados. Conhecia todos os desenhos da renda, todas as franjas com defeito, todo o balançar do casaco, mas ainda não tinha visto o suficiente. Ou melhor, já tinha visto o suficiente muito tempo antes, ou, mais corretamente,
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agora, acima de sua cabeça abaixada, a metamorfose ocorreu. A luz que antes vinha da parte de trás mudou e irradiou pela frente de maneira ofuscante.
Sabia o que tinha acontecido com ele, mas estava tão feliz com isso que ainda não queria admitir para si mesmo.
K. percebeu que não deveria desistir; se recuasse, como os fatos poderiam exigir, havia o perigo de nunca fazer qualquer progresso.
o que ele não conseguira em dez tentativas, acreditava poder realizar na décima primeira, embora tudo sempre tivesse resultado, de forma invariável, em sua desvantagem.
Quando entra em campo, um jogador não costuma se lembrar de que o futebol surgiu em meados do século retrasado, que seu time tem outros dez jogadores e que o objetivo é fazer mais gols contra o adversário do que levá-los. Ele simplesmente entra em cena e joga — e, para ele, isso é a coisa mais natural do mundo. A mesma coisa faz o leitor quando abre um livro.
Essa obviedade, porém, é enganadora e acaba escondendo séculos de história, quilômetros de percurso.