Tudo é rio

by Carla Madeira

Na loucura do tanto, na insensatez do sempre e do nunca.

O amor é uma verdade à prova do tempo.

Insistiram na bobagem de pôr no caminho deles a estrada dos outros.

Mas era tarde, não comandava o curso do rio.

Muito asseio, muita igreja, muito obrigada, muito por favor, muita decência.

Daria ao jornalista um furo ou dois. Ao professor, uma lição. Aos políticos, as piores sacanagens debaixo do pano. Deixaria o padeiro assado. Riu do padeiro assado, mas teve um pouco de medo quando pensou no padre de joelhos. Sobre o inferno nunca teve certezas.

Lucy estava na arrogância das certezas,

A beleza tem poderes de arrancar o sim.

amor demais é um despreparo para a dor.

A dor sem tamanho afasta a coragem de não crer. Aceitam esse Deus imperfeito feito à imagem e semelhança dos homens.

E como o rio corre para o mar,

a alegria sempre dava um jeito de amanhecer com Aurora.

Sofria a insuportável saudade de ter um pai que nunca teve.

Presos no desamor, viviam acorrentados como quem ama.

Desencontrou a coragem.

a ansiedade tomou conta. Nunca tinha sentido aquilo, uma vontade de correr nas duas direções, a que junta e a que separa.

As palavras sumiram todas juntas, traidoras.

A espera por aqueles segundos em que se olhavam era longa, como se toda graça de viver fosse a conta apertada de chegar até aquele momento, quando se abasteceriam de um novo fôlego para suportar mais uma separação.

Ia querer ver a filha sacudir a poeira. Quem deita demais o sofrimento monta.

Um dia feliz tem mais poder que a tristeza de uma vida inteira. Nele moram as reviravoltas.

O amor, quando nasce forte, tem pressa de ser eterno.

Os dois foram vivendo aquele desejo despreparado de limites, cada vez mais esquecidos das regras, dos outros, das satisfações exigidas.

firmar, é lá que o rio vai desaguar.

Conquistou todo mundo com seu jeito discreto. Mas, como nada neste mundo tem um lado só, a grande fraqueza de Venâncio mostrou sua força.

Se torturava inseguro, sufocado de contradições.

esse fogo de querer controlar tudo passa.

A gente acaba aprendendo que pode muito pouco.

O amor não é incondicional coisa nenhuma, tem suas fragilidades de matéria orgânica. Estraga, esgarça, rasga, inflama, acaba. E como acaba. É feito gente, depende do que vive.

fazendo suposições, distribuindo sentenças.

Era como se esse direito fosse só dela, como se, em meio a toda a raiva, sobrasse espaço para querer protegê-lo.

Tudo ia se ajeitar, o tempo nunca falha em suas habilidades.

Afirmam que é destino da intimidade abrir passagem para a indelicadeza, que a disponibilidade afasta o desejo e a convivência mina o afeto, como se essas fossem leis imutáveis.

É o que é, aceito, rejeito, mas não escolho mais tirar de mim esse amor entranhado, pertence a lugares em mim que não mando mais.

Não quero viver sem Antônio, me caso todos os dias com ele, acordo e caso, depois faço o café.

É tão bom o que nós fizemos juntos, você, seus irmãos, nossa casa, nossa família. Não é bom todo dia, mas é bom toda a vida.

Não se apresse, se deite no sol ali no alpendre. Demore. Namore.

Mas é o seu coração que conta. O que você fizer, minha filha, pra mim, sempre vai poder desfazer.

sob protestos alegremente ignorados.

O véu longo, como um rio em queda livre,

atentos a cada expressão de seu rosto sereno, como se a rotação da vida estivesse mais lenta e fosse possível ver a dança suave de todas as coisas.

Beleza de choro, pensou com ela, que bom que escorreu, quem segura essas águas morre afogado, arrebentado por dentro.

A lua foi de mel e inesquecível como o vestido de Dalva.

O que mais existe no mundo são pessoas que nunca vão se conhecer.

o acaso não fará com que se cruzem.

Por um triz o paralelo nos obriga ao desencontro eterno.

Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado.

tinha treino em refletir, herdou do pai a habilidade com as palavras. Aprendeu que a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho, tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece; o que a gente tem de buscar é a alegria, essa se esconde delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada.

tudo sendo dito ali, no silêncio das palavras, até a explosão final tragar cada um na paz violenta de ser só corpo.

Os primeiros anos de casados foram tudo o que se espera do amor.

Quem via testemunhava: nasceram um para o outro, é um amor de muitas vidas, abençoado.