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Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
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Eu não aplico o proibido mas eu o liberto. As coisas obedecem ao sopro vital. Nasce-se para fruir. E fruir já é nascer.
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Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade.
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Eu queria iniciar uma experiência e não apenas ser vítima de uma experiência não autorizada por mim, apenas acontecida. Daí minha invenção de um personagem. Também quero quebrar, além do enigma do personagem, o enigma das coisas.
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O instante já é feito de fragmentos. Não quero dar um falso futuro a cada vislumbre de um instante. Tudo se passa exatamente na hora em que está sendo escrito ou lido.
E acho, portanto, que já nasci o suficiente para poder tentar me expressar mesmo que seja em palavras rudes.
Se ela não estivesse tão abismada e paralisada pelo seu existir, ver-se-ia também de fora para dentro – e descobriria que era uma pessoa voraz: come com um desregramento que beira a completa sofreguidão como se lhe tirassem o pão da boca. Mas ela pensa que é apenas delicada.
tenho preguiça moral de viver.
Pois em vez de seguir pela estrada já aberta enveredei por um atalho. Os atalhos são perigosos.
“eu pelo menos tenho a vantagem de ser eu, e não uma outra pessoa estranha qualquer”.
A sensação é a alma do mundo. A inteligência é uma sensação? Em Ângela é.
Que esforço eu faço para ser eu mesma. Luto contra uma maré em nau onde só cabem meus dois pés em frágil equilíbrio ameaçado.
Eu me transfiguro em energia que tem dentro dela o atômico nuclear.
Porque o que se fala se perde como o hálito que sai da boca quando se fala e se perde aquela porção de hálito para sempre.
A resposta: consegue – consegue o quê? A resposta: consegue o “o quê”. “O quê” é o sagrado sacro do universo.
– Estou em agonia: quero a mistura colorida, confusa e misteriosa da natureza. Que unidos vegetais e algas, bactérias, invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos concluindo o homem com os seus segredos.
Eu gosto tanto do que não entendo: quando leio uma coisa que não entendo sinto uma vertigem doce e abismal.
Quando eu era uma pessoa, e ainda não um rigoroso pleno de palavras, eu era mais incompreendido por mim.
Você talvez desconheça que tem um centro de si mesma e que é duro como uma noz de onde se irradiam tuas palavras fosforescentes.
Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás. Se eu desse um passo para a frente eu seria enfocada pelo amarelado de esplendor que quase cega.
“Conseguir” não é o meu forte. Alimento-me do que sobra de mim e é pouco. Sobra porém um certo secreto silêncio.
Luto não contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espírito.
Minha vida é um reflexo deformado assim como se deforma num lago ondulante e instável o reflexo de um rosto. Imprecisão trêmula.
Eis um momento de extravagante beleza: bebo-a líquida nas conchas das mãos e quase toda escorre brilhante por entre meus dedos: mas beleza é assim mesmo, ela é um átimo de segundo, rapidez de um clarão e depois logo escapa.
Tenho tal tendência à felicidade. Sinto-me esses últimos dias irradiante e radiosa por viver.
Senti a pulsação da veia em meu pescoço, senti o pulso e o bater do coração e de repente reconheci que tinha um corpo. Pela primeira vez da matéria surgiu a alma. Era a primeira vez que eu era una. Una e grata. Eu me possuía. O espírito possuía o corpo, o corpo latejava ao espírito. Como se estivesse fora de mim, olhei-me e vi-me. Eu era uma mulher feliz. Tão rica que nem precisava mais viver. Vivia de graça.
o milagre existe: o milagre é uma sensação. Sensação de quê? de milagre. Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente sua abundante corola para o sol. O milagre é a simplicidade última de existir. O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule, corola e raiz – e ser apenas uma semente. Semente que contém o futuro.
Eu gosto um pouco de mim porque sou adstringente. E emoliente. E sucupira. E vertiginosa. Estrugida. Sem falar que sou bastante extrógina. Atirei o pau no gato-to-to mas o gato-to... Meu Deus, como sou infeliz. Adeus, Dia, já anoitece. Sou criança de domingo.
Eu me dou melhor comigo mesma quando estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranquilo. Tenho tanta vontade de ser corriqueira e um pouco vulgar e dizer: a esperança é a última que morre.
O futuro é um passado que ainda não se realizou.
Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura loucura do corpo. Letargia.
O sofrimento por um ser aprofunda o coração dentro do coração.
Estou esgarçada e leve como se da negra África eu ressurgisse e me erguesse branca e pálida. O negro não é uma cor, é a ausência de cor.
Quando dá uma crise de “mulherice” em Ângela, ela espia o mundo pelo buraco da fechadura da cozinha.
Essa alma terá crescido? e crescido tranquilamente ou através da dor de duvidar?
Quantas vezes eu minto, meu Deus. Mas é para me salvar. Mentira também é uma verdade, só que sonsa e meio nervosa. Minta quem puder, e que minta com paz de espírito. Porque a verdade exige longa escadaria a subir como se eu fosse uma condenada a nunca parar.
Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.
Eu adivinho coisas que não têm nome e que talvez nunca terão. É. Eu sinto o que me será sempre inacessível. É. Mas eu sei tudo. Tudo o que sei sem propriamente saber não tem sinônimo no mundo da fala mas enriquece e me justifica. Embora a palavra eu a perdi porque tentei falá-la. E saber-tudo-sem saber é um perpétuo esquecimento que vem e vai como as ondas do mar que avançam e recuam na areia da praia.
Raízes retorcidas e contorcidas, expostas, imobilização da dor de terem crescido.
Eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando – até que não caibo em mim e estouro em palavras. Quando eu escrevo, misturo uma tinta a outra, e nasce uma nova cor.
Eu penso por intermédio de hieróglifos (meus). E para viver tenho que constantemente me interpretar e cada vez a chave do hieróglifo, estou certo que o sonho – coisa (minha) (nula), não realizado – é a chave do mesmo.