More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido.
porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.
E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.
Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.
tão jovem e já com ferrugem.
Ela era de leve como uma idiota, só que não o era. Não sabia que era infeliz.
Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu é que posso dizer assim: “que é que você me pede chorando que eu não lhe dê cantando”?
Bem sei que é assustador sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta.
Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente.
Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo, mesmo alma rala como a sua.
por pior que fosse sua situação, não queria ser privada de si, ela queria ser ela mesma.
passa. Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar.
Mas eu, que não chego a ser ela, sinto
saudade do que poderia ter sido e não foi.
através dessa jovem dou o meu grito de horror à vida. À vida que tanto amo.
já que sou, o jeito é ser.
a realidade era demais para ser acreditada.
Rezava mas sem Deus, ela não sabia quem era Ele e portanto Ele não existia.
É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
Se a moça soubesse que minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza e que tristeza era uma alegria falhada. Sim, ela era alegrezinha dentro de sua neurose. Neurose de guerra.
sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.
A datilógrafa vivia numa espécie de atordoado nimbo, entre céu e inferno. Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso.
Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um ato que é um fato.
A nordestina não acreditava na morte, como eu já disse, pensava que não – pois não é que estava viva?
Mas nunca se sabe, quem espera sempre alcança.
“Arrepende-te em Cristo e Ele te dará felicidade.”
Vivia de si mesma como se comesse as próprias entranhas.
Quando ia ao trabalho parecia uma doida mansa porque ao correr do ônibus devaneava em altos e deslumbrantes sonhos.
Não sabia que meditava pois não sabia o que queria dizer a palavra. Mas parece-me que sua vida era uma longa meditação sobre o nada.
Talvez fosse assim para se defender da grande tentação de ser infeliz de uma vez e ter pena de si.
De nada sei. Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só.
e constatava então que todos os dias à mesma hora fazia exatamente a mesma hora.
pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão.
Encontrar-se consigo própria era um bem que ela
até então não conhecia.
Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra.
E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura,
Ela: – Falar então de quê? Ele: – Por exemplo, de você. Ela: – Eu?! Ele: – Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente. Ela: – Desculpe mas não acho que sou muito gente.
Eles disseram que se devia ter alegria de viver. Então eu tenho. Eu também ouvi uma música linda, eu até chorei.
O mergulho na vastidão do mundo musical que não carecia de se entender. Seu coração disparara.
– Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu sou até alegre. É tão bom viver, não é?
– Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer.
Sabe o que eu mais queria na vida? Pois era ser artista de cinema. Só vou ao cinema no dia em que o chefe me paga.
Pensar era tão difícil, ela não sabia de que jeito se pensava.
E “amor” ela não chamava de amor, chamava de não sei o quê.
Não sabia que ela própria era uma suicida embora nunca lhe tivesse ocorrido se matar.
cozido. Ah pudesse eu pegar Macabéa, dar-lhe um bom banho, um prato de sopa quente, um beijo na testa enquanto a cobria com um cobertor.
– É para eu não me doer. – Como é que é? Hein? Você se dói? – Eu me doo o tempo todo. – Aonde? – Dentro, não sei explicar.

