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“Estava falando do tempo. É tão difícil para mim acreditar no tempo. Algumas coisas vão embora. Passam. Algumas coisas ficam. Eu pensava que era minha rememória. Sabe. Algumas coisas você esquece. Outras coisas, não esquece nunca. Mas não é. Lugares, os lugares ainda estão lá. Se uma casa pega fogo, desaparece, mas o lugar — a imagem dela — fica, e não só na minha rememória, mas lá fora, no mundo. O que eu lembro é um quadro flutuando fora da minha cabeça.
mesmo que eu morra, a imagem do que eu fiz, ou do que eu sabia, ou vi, ainda fica lá.
“Nada nunca morre”,
Para uma mulher que era escrava, amar alguma coisa tanto assim era perigoso, principalmente se era a própria filha que ela havia resolvido amar. A melhor coisa, ele sabia, era amar só um pouquinho; tudo, só um pouquinho, de forma que quando se rompesse, ou fosse jogado no saco, bem, talvez sobrasse um pouquinho para a próxima vez.
Mas quando começou a contar dos brincos se descobriu querendo falar, gostando de falar.
“Bom, sinta o seguinte, faça o favor. Sinta como é sentir que tem uma cama para dormir e ninguém lá para infernizar sobre o que você precisa fazer todo dia para merecer isso. Sinta como é sentir isso. E se isso não adiantar, sinta como é se sentir uma mulherpreta vagando pelas estradas com qualquer coisa que Deus resolver deixar pular em cima de você. Sinta isso.”
“Ele viu aqueles rapazes fazerem aquilo comigo e deixou eles continuarem respirando?
Eu estava com a cabeça cheia do que eu tinha visto do Halle um pouco antes. Não estava nem pensando no freio. Só em Halle e antes dele no Seiso, mas quando vi o Míster entendi que era eu também. Não só eles, eu também. Um louco, um vendido, um sumido, um queimado e eu lambendo o ferro com as mãos amarradas para trás. O último homem da Doce Lar.
“Míster podia ser e continuar sendo o que era. Mas eu não podia ser nem continuar a ser o que eu era. Mesmo que cozinhassem ele, iam cozinhar um galo chamado Míster. Mas eu de jeito nenhum ia ser Paul D outra vez, vivo ou morto. O professor me transformou. Eu era uma outra coisa e essa outra coisa era menos que um galo pousado numa banheira debaixo do sol.”
“Aqui”, dizia ela, “aqui neste lugar, nós somos carne; carne que chora, ri; carne que dança descalça na relva. Amem isso. Amem forte. Lá fora não amam a sua carne. Desprezam a sua carne. Não amam seus olhos; são capazes de arrancar fora os seus olhos. Como também não amam a pele de suas costas. Lá eles descem o chicote nela. E, ah, meu povo, eles não amam as suas mãos. Essas que eles só usam, amarram, prendem, cortam fora e deixam vazias. Amem suas mãos! Amem. Levantem e beijem suas mãos. Toquem outros com elas, toquem uma na outra, esfreguem no rosto, porque eles não amam isso também. Vocês
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Notas longas até a harmonia de quatro partes estar perfeita para sua carne profundamente amada.
Não existe má sorte no mundo sem gente branca.”
Sethe tinha vivido então vinte e oito dias — o trajeto de uma lua inteira — de vida não escrava. Da saliva clara que a sua filhinha babara em seu rosto até seu sangue oleoso foram vinte e oito dias. Dias de cura, facilidade e conversa de verdade. Dias de companhia: de saber os nomes de quarenta, cinquenta outros negros, suas ideias, seus hábitos; onde tinham estado e o que tinham feito; de sentir a alegria e a tristeza deles junto à dela, que deixavam tudo melhor. Uma lhe ensinou o alfabeto; outra, um ponto. Todos lhe ensinaram como era acordar de manhã e escolher o que fazer do dia.
Libertar-se era uma coisa; reclamar a propriedade desse eu libertado era outra.
Naquele momento, foi por si própria. Agora está chorando porque não tem eu. A morte é uma refeição perdida comparada com isso.
Nem um passo a anuncia, mas ali está ela, parada onde antes não havia ninguém quando Denver olhou. E sorrindo.
Amada focaliza os olhos. “Ali. O rosto dela.” Denver olha para onde vão os olhos de Amada; não há nada além da escuridão. “Rosto de quem? Quem é?” “Eu. Sou eu.” Ela está sorrindo de novo.
Se o professor estivesse certo, isso explicava como ele havia se transformado em uma boneca de trapos — pegada e jogada em qualquer lugar a qualquer momento por uma menina tão nova que podia ser sua filha.
Mas era mais que apetite o que o humilhava e o fazia perguntar se o professor tinha razão. Era ele se mudar, ver-se colocado onde ela queria que ficasse, e não havia nada que pudesse fazer a respeito.
o perigo era perder Sethe porque ele não era homem o bastante para romper, então precisava que ela, Sethe, ajudasse, ficasse sabendo daquilo, e era uma vergonha para ele ter de pedir ajuda para fazer aquilo à mulher que ele queria proteger, demônio dos infernos.
Como isso é forte: a figura do homem atormentado que entrega à mulher a responsabilidade de ajudá-lo. Ele está vitimizado pelas circunstâncias e ela é a sua redenntora.
Amada enfiou o polegar na boca, junto com o indicador, e puxou um dente do fundo. Não saiu quase nenhum sangue, mas Denver disse: “Aaaaaah, não doeu?”. Amada olhou o dente e pensou: é isto. Em seguida, seria seu braço, sua mão, um dedo do pé. Pedaços dela começariam a cair, talvez um de cada vez, talvez todos de uma vez. Ou
Levantou a cabeça e olhou em torno. Atrás dela, alguns metros para a esquerda, Sethe estava agachada entre os feijões-trepadores.
Mas, de repente, viu suas mãos e pensou com uma clareza tão simples como surpreendente: estas mãos me pertencem; são minhas mãos.
mas ficou com meu filho e eu estou toda quebrada. Vai continuar alugando ele para pagar minha liberdade muito depois de eu ir para a Glória.
Todos testemunhando o resultado do que se podia chamar de uma pequena liberdade imposta a pessoas que precisavam de toda orientação e cuidado no mundo para mantê-las longe da vida canibal que preferiam.
Parece que amei eles mais depois que cheguei aqui. Ou quem sabe eu não podia amar eles direito em Kentucky porque eles não eram meus para amar.
esses “homens” que faziam até as raposas darem risada podiam, se você deixasse, impedir você de ouvir os pombos ou de gostar do luar. Então você se protegia e amava pequeno. Escolhia as menores estrelas do céu para serem suas; deitava com a cabeça virada para ver a amada por cima da beira do fosso antes de dormir.
Ele sabia exatamente do que ela estava falando: chegar a um lugar onde você podia amar qualquer coisa que quisesse — sem precisar de permissão para desejar —, bom, ora, isso era liberdade.
Aquela Sethe ali falava sobre segurança com um serrote. Aquela Sethe ali não sabia onde o mundo terminava e ela começava.
Ele tinha agido pelas costas dela, como alguém furtivo. Mas ser furtivo era o seu trabalho — a sua vida; embora sempre com um propósito claro e sagrado.
Trabalhar bem; trabalhar mal. Trabalhar um pouco; não trabalhar nada. Fazer sentido; não fazer nenhum. Dormir, acordar; gostar de alguém, desgostar de outros. Não parecia lá um jeito de viver muito bom e não lhe trazia nenhuma satisfação. Ele então ampliou essa ausência de dívida a outras pessoas, ajudando-as a pagar e ir embora sempre que elas deviam na miséria.
Ele não podia negar aquilo. O próprio Jesus Cristo não tinha ficado, então Selo comeu um pedaço da carne de porco em conserva de Ella para mostrar que não guardava ressentimentos e foi procurar Paul D. Encontrou-o nas escadas do Sagrado Redentor, segurando os pulsos entre os joelhos e com os olhos vermelhos.
Esperto, mas o professor bateu nele mesmo assim para mostrar que as definições pertencem aos definidores — não aos definidos.
Todo mundo ria daquilo — menos Seiso. Ele não ria de nada. Mas eu não ligava. O professor enrolou aquela fita na minha cabeça toda, no meu nariz, no meu traseiro. Contou meus dentes. Achei que ele era um tonto. E as perguntas que ele fazia era a maior bobagem.
Agora só vejo é as costas deles indo pelo trilho do trem. Para longe de mim. Sempre para longe de mim.
“Com quem vocês estão fazendo?”. E um dos rapazes respondeu: “Com a Sethe”. Foi quando eu parei porque ouvi meu nome e aí eu dei uns passos até onde dava para ver o que eles estavam fazendo. O professor estava de pé do lado de um deles, com a mão nas costas dele. Lambeu o dedo umas vezes e virou umas páginas. Devagar. Eu estava quase virando para ir embora e ir lá buscar o véu, quando escutei ele dizer: “Não, não. Não é desse jeito. Falei para você colocar as características humanas dela à esquerda; as animais à direita. E não esqueça de alinhar todas”.
“Ele é branco, não é?”.
“Isso não interessa, Sethe. O que eles falam é a mesma coisa. Duro ou manso.”
O professor disse para eu parar com isso. Disse que não está mais certo esse trabalho. Que eu devia fazer hora extra era aqui na Doce Lar.”
“Eu não sei. Alguma coisa. Mas ele não quer que eu saia mais da Doce Lar. Disse que não paga a pena eu trabalhar fora daqui com os meninos ainda pequenos.”
Ele levantou o corpo e virou para mim, tocou meu rosto com os nós dos dedos. “A questão agora é: quem vai comprar você? Ou eu? Ou ela?” E apontou para o lugar onde você estava. “O quê?” “Se o meu trabalho é na Doce Lar, até as horas extras, o que eu tenho para vender?”
Nessa hora a gente devia ter começado a planejar. Mas não começou. Não sei o que pensamos — mas ir embora era uma coisa de dinheiro para nós. Comprar a liberdade. Fugir era coisa que não existia na nossa cabeça.
Além de usarem a cabeça para progredir, tinham o peso da presença de uma raça inteira. Era preciso duas cabeças para isso.
Quanto mais a gentepreta gastava suas forças tentando convencer os brancos de que eram bons, inteligentes, amorosos, humanos, quanto mais usavam a si mesmos para convencer os brancos de alguma coisa que os negros achavam que não podia ser questionada, mais profunda e mais impenetrável crescia a selva interior. Mas não era a selva que os pretos tinham trazido com eles para aquele lugar do outro lugar (onde se podia viver). Era a selva que a gentebranca plantara neles. E que crescia. Se expandia.
babuíno gritador vivia por baixo de sua própria pele branca; as gengivas vermelhas eram deles mesmos.
podem pegar e matar a mãe.”