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Quando engenheiros me disseram que iriam usar a tecnologia para recuperar o rio Doce, perguntaram a minha opinião. Eu respondi: “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida”. Então um deles me disse: “Mas isso é impossível”. O mundo não pode parar. E o mundo parou.
Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade.
Só que viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades. De modo que há uma sub-humanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela — e isso também foi naturalizado.
O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise.
Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. Desde pequenos, aprendemos que há listas de espécies em extinção. Enquanto essas listas aumentam, os humanos proliferam, destruindo florestas, rios e animais. Somos piores que a Covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos.
Tudo é natureza. O cosmos é natureza.
Quando a Covid-19 ataca os pulmões, o doente precisa de um respirador, um aparelho para alimentação de oxigênio, senão ele morre.
A nossa mãe, a Terra, nos dá de graça o oxigênio,
A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: “Silêncio”. Esse é também o significado do recolhimento.
Governos burros acham que a economia não pode parar. Mas a economia é uma atividade que os humanos inventaram e que depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ter importância.
Dizer que a economia é mais importante é como dizer que o navio importa mais que a tripulação. Coisa de quem acha que a vida é baseada em meritocracia e luta por poder. Não podemos pagar o preço que estamos pagando e seguir insistindo nos erros.
essa sociedade de mercado em que vivemos só considera o ser humano útil quando está produzindo.
Temos de parar de vender o amanhã.
Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.