Mars Club

by Rachel Kushner

Sinto o ar de outro planeta. Rostos afáveis que se voltavam para mim agora somem na escuridão.

A minha ficha é a seguinte: irrecuperável. TDO. Quer dizer, Transtorno Desafiador de Oposição.

Todos os quartos foram pintados com bolas de tênis. As bolas eram encharcadas de tintas de cores variadas e depois eram atiradas e ricocheteavam pelos cômodos — paredes, piso, teto, um motim de tiras coloridas em forma de espaguete que davam ao lugar uma uniformidade que passava longe de ser apaziguante. Eram os rabiscos de um cérebro em estado de caos projetando sua imagem nas paredes, um tipo de sujeira ambiente.

“Pra estar aqui a pessoa tem que ser feia pra cacete, banguela e redonda que nem um rocambole”,

No Ensino Médio ele se apaixonou por Dostoiévski, uma literatura que combinava com o seu ceticismo sombrio. Dostoiévski não era a crença em algo e sim a vida suja e mundana pela qual os seres humanos vagavam, brigavam, se corrompiam e matavam.

Ele queria poder dizer que não aconteceu nada. Até porque aconteceu tão pouco, e ele achou que foi injustiçado. Depois de fechar a porta, ela se aproximou dele. Os lábios deles se tocaram. Sim, ele beijou a mulher, e não foi só. As mãos dele roçaram a parte da frente da camiseta dela e depois roçaram de leve entre as pernas dela, para ver como ela responderia, e a resposta foi a correta, foi a resposta de quem está interessada, e você pode chamar aquilo de pensar, escolher, continuar, mas Gordon não chegou a tanto. Aquilo não era pensar.

“Elas não sabem o que aconteceu”, Laura Lipp disse. “Sobre ele e sobre o que ele fez comigo… comigo e com o bebê. Nenhuma de vocês tem o direito de me julgar. Vocês não sabem de nada. Assim como eu não sei nada sobre vocês.”

Tudo na prisão é pensado para a mulher a quem se destina a cunha pintada de vermelho no mostrador do relógio, a imbecil. Nunca encontrei essa mulher. Muitas que conheci na prisão não sabiam ler e algumas não sabiam ver as horas, mas isso não significava que essas pessoas não fossem perspicazes e criaturas superiores que poriam muito intelectual no chinelo.

Os anos 70 foram o fim dos carros americanos bacanas. A gente fazia picapes neste país. Agora a gente faz truck nuts, aqueles escrotos de plástico, e pendura na picape.”

Os homens não tiram folga dos seus vícios. As festas são uma época agitada, porque eles precisam fugir de suas vidas reais para suas vidas verdadeiramente reais com a gente, as fantasias deles.

Eles conseguem o que querem ou veem alguma coisa melhor, outra mulher, e te mandam embora. Com um cliente fixo, esse momento não chega. Eu era a escolha de alguém antes mesmo de entrar em cena, antes que ele chegasse. A escolha do Kennedy.

Dinheiro é dinheiro. O grande neutralizador: isto é trabalho e isto é pagamento. Eu queria deixar sua bunda vermelha. Ah, meu deus, deixar vermelha de brilhar. Batendo devagarinho com a mão áspera dele. A leveza do tapa dele: ele estava perdido em pensamentos. Se é que dava pra chamar aquilo de pensamentos.

Eu era sua máquina de realidade virtual, forçando minha bunda contra sua calça para esvaziar a sua carteira.

As necessidades são a caixa de câmbio da voz. As necessidades mudam a abordagem, ajustam o tom para que a voz fique mais aguda, mais simpática. Não foi calculado, mas tudo tinha mudado pra mim desde que eu tinha visto ele pela última vez.

Sammy era uma cronista ambulante de todo mundo que enfrentou adversidades na prisão e conseguia se lembrar de exemplos de funcionários, até guardas, que se ofereceram e criaram filhos de mulheres presas.

“Isso foi antes do encarceramento em massa”, disse, como se o encarceramento em massa fosse uma espécie de desastre natural. Ou um cataclismo, tipo o Onze de Setembro, como um divisor de águas. Antes do Encarceramento em Massa.

A pobre Soneca provavelmente pensou que se pudesse morar no coração da Sammy ela conseguiria viver. Aquilo me deixou tão deprimida que eu queria rasgar a foto quando a Sammy não estivesse olhando.

Conan era forte e musculoso — não à toa tinha esse nome — e me fazia rir. Parei de rir quando acabei no beliche dele naquela noite, e o exército macio da língua dele começou a trabalhar. Jesus Cristo, eu sussurrava. Em vez de responder da maneira cômica de sempre, ele foi mais fundo. A gente ainda estava naquilo quando ouvi um baque tremendo.

Ah, a sensação é tão boa”, disse, “de ter um lugar onde despejar a raiva, punir alguém do mesmo jeito que você sofreu. Essa é a verdade e toda mulher como eu sabe. A que bate no filho com um cabide ou com um cinto ou que sacudiu um bebê, é tudo a mesma coisa. Você faz isso porque a sensação é boa.

Eu estava atenta ao tom da minha voz, à expressão do meu rosto, à sensação de que eu ia atacar esse cara, o mensageiro, como se a notícia que ele me contava fosse culpa dele, mas eu não conseguia evitar que minha urgência tomasse conta da atmosfera.

Grand Ole Opry.

Evento Com música ao vivo emTenesse!

Ele tinha em mente algo que Nietzsche disse sobre a verdade. Que cada homem tem direito ao tanto de verdade que consegue tolerar.

Guardem a inocência do sentimento mais saudável que vocês já tiveram na vida. Parte de você permanece inocente para sempre. Essa parte vale mais do que o resto.

“Ah, não seja assim, existe muita esperança”, Alex podia ter respondido, dando uma de Kafka, “não há falta de esperança, apenas não há esperança pra você, Gordon.”

Havia limites reais, epistemológicos, para o conhecimento. Também para o juízo.

Só posso conhecer a mim mesmo, se é que posso conhecer alguém. Só posso julgar a mim mesmo.

Parte da intimidade com a natureza consiste no aguçamento dos sentidos.

Toda essa conversa sobre remorso. Eles fazem você moldar sua vida em torno de uma coisa, a coisa que você fez, e você tem que crescer a partir do que não tem como ser desfeito: querem que você faça algo a partir do nada. Eles te levam a ter ódio por eles e por você mesmo. Fazem parecer que eles são o mundo e que você os traiu, mas o mundo é tão maior.