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August 30 - September 4, 2024
Mestre, são plácidas Todas as horas Que nós perdemos. Se no perdê-las, Qual numa jarra, Nós pomos flores.
O tempo passa, Não nos diz nada. Envelhecemos. Saibamos, quase Maliciosos, Sentir-nos ir.
Colhamos flores. Molhemos leves As nossas mãos Nos rios calmos, Para aprendermos Calma também.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Mais longe que os deuses.
Só o ter flores pela vista fora Nas áleas largas dos jardins exactos Basta para podermos Achar a vida leve.
Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo, E ao beber nem recorda Que já bebeu na vida, Para quem tudo é novo E imarcescível sempre.
Não consentem os deuses mais que a vida.
As nossas dores, não, Neera, vêm Das causas naturais Datam da alma e do infeliz fluir Da vida com os homens.
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. Não florescem no Inverno os arvoredos, Nem pela Primavera Têm branco frio os campos.
Só esta liberdade nos concedem Os deuses: submetermo-nos Ao seu domínio por vontade nossa. Mais vale assim fazermos Porque só na ilusão da liberdade A liberdade existe.
Que serão os meus sonhos Mais que a obra dos deuses?
Que, assim como há deuses Dos campos, das flores Das searas, Agora eu quisera Que um deus existisse De mim.[44]
Nada, no alheio mundo, Nossa vista grandeza reconhece Ou com razão nos serve.
Tentemos pois com abandono assíduo Entregar nosso esforço à Natureza E não querer mais vida Que a das árvores verdes.
Se aqui, à beira-mar, o meu indício Na areia o mar com ondas três o apaga, Que fará na alta praia Em que o mar é o Tempo?[48]
Tirem-me os deuses Em seu arbítrio Superior e urdido às escondidas O Amor, glória e riqueza. Tirem, mas deixem-me, Deixem-me apenas A consciência lúcida e solene Das coisas e dos seres. Pouco me importa Amor ou glória. A riqueza é um metal, a glória é um eco E o amor uma sombra. Mas a concisa Atenção dada Às formas e às maneiras dos objectos Tem abrigo seguro. Seus fundamentos São todo o mundo, Seu amor é o plácido Universo, Sua riqueza a vida. A sua glória É a suprema Certeza da solene e clara posse Das formas dos objectos. O resto passa, E teme a morte. Só nada teme ou sofre a visão clara E
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Prefiro rosas, meu amor, à pátria, E antes magnólias amo Que a glória e a virtude.
E o resto, as outras coisas que os humanos Acrescentam à vida, Que me aumentam na alma? Nada, salvo o desejo de indif’rença E a confiança mole Na hora fugitiva.
Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias.
A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-próprios.
Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta Está além dos deuses. Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração. Os deuses são deuses Porque não se pensam.
Deixa passar o vento Sem lhe perguntar nada. Seu sentido é apenas Ser o vento que passa...
Sofro, Lídia, do medo do destino. A leve pedra que um momento ergue As lisas rodas do meu carro, aterra Meu coração. Tudo quanto me ameace de mudar-me Para melhor que seja, odeio e fujo.
Cedo vem sempre, Cloe, o inverno, e a dor. É sempre prematuro, inda que o spere Nosso hábito, o esfriar Do desejo que houve.
Nem temo o influxo inúmero futuro Dos tempos e do olvido; Que a mente, quando, fixa, em si contempla Os reflexos do mundo, Deles se plasma torna, e à arte o mundo Cria,
Em vão procuro o bem que me negaram. As flores dos jardins dadas aos outros Como hão-de mais que perfumar de longe Meu desejo de tê-las?[64]
Pequeno é o espaço que de nós separa O que havemos de ser quando morrermos. Não conhecemos quem será então Aquele que hoje somos. Só o passado, a ele e nós comum, Será indício de que a nossa alma Persiste e como antiga ama, conta Histórias esquecidas...
Se pudéssemos pôr o pensamento Com exacta visão adentro à vida Que havemos de ter naquela hora, Estranhos olharíamos O que somos, cuidando ver um outro E o spaço temporal que hoje habitamos Luz onde nossa alma nasceu Perdida antes de a termos.[67]
Não terei mais desgosto Que o contínuo da vida, Vendo que com os dias Tarda o que spera, e é nada.[69]
A flor que és, não a que dás, eu quero.
Pequena vida consciente, sempre Da repetida imagem perseguida Do fim inevitável, a cada hora Sentindo-se mudada, E, como Orfeu volvendo à vinda esposa O olhar algoz, para o passado erguendo A memória pra em mágoas o apagar No báratro[83] da mente.[84]
Folha após folha nem caem, Cloe, as folhas todas. Nem antes que para elas, para nós Que sabemos que morrem Assim, Cloe, assim, Antes que os próprios corpos, que empregamos No amor, ele envelhece; E nós, diversos, somos inda jovens, Uma memória mútua. Ah, se não hemos que ser mais que este Saber do que ora fomos, Ponhamos ao amor haver toda a vida, Como se, findo o beijo Único, sobre nós ruísse a súbita Mole do total mundo.[88]
Tão cedo passa tudo quanto passa! Morre tão jovem ante os deuses quanto Morre! Tudo é tão pouco! Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe E cala. O mais é nada.[89]
Não tens mais reino do que a própria mente. Essa, em que és dono, grato o Fado e os Deuses, Governa, até à fronteira, Onde mora a vontade.
Terei razão, se a alguém razão é dada, Quando me a morte conturbar a mente E já não veja mais Que à razão de saber porque vivemos Nós nem a achamos nem achar se deve, Impropícia e profunda. Sábio deveras o que não procura, Que encontra o abismo em todas coisas E a dúvida em si-mesmo.[113]
Floresce em ti, ó magna terra, em cores A vária primavera, e o verão vasto, E os campos são de alegres. Mas dorme em cada campo o outono dele E o inverno espreita a açucena que ignora E a morte é cada dia.[116]
Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa Se é para nós que cessa. Aquele arbusto Fenece, e vai com ele Parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo, Nem distingue a memória Do que vi do que fui.
Se recordo quem fui, outrem me vejo, E o passado é o presente na lembrança. Quem fui é alguém que amo Porém sòmente em sonho. E a saudade que me aflige a mente Não é de mim nem do passado visto, Senão de quem habito Por trás dos olhos cegos. Nada, senão o instante, me conhece. Minha mesma lembrança é nada, e sinto Que quem sou e quem fui São sonhos diferentes.[128]
Quando, Lídia, vier o nosso Outono Com o Inverno que há nele, reservemos Um pensamento, não para a futura Primavera, que é de outrem, Nem para o Estio, de quem somos mortos, Senão para o que fica do que passa – O amarelo actual que as folhas vivem E as torna diferentes.[129]
No breve número de doze meses O ano passa, e breves são os anos, Poucos a vida dura. Que são doze ou sessenta na floresta Dos números, e quanto pouco falta Para o fim do futuro! Dois terços já, tão rápido, do curso Que me é imposto correr descendo, passo. Apresso, e breve acabo. Dado em declive deixo, e invito apresso[131] O moribundo passo.
Não sei de quem recordo meu passado Que outrem fui quando o fui, nem me conheço Como sentindo com minha alma aquela Alma que a sentir lembro. De dia a outro nos desamparamos. Nada de verdadeiro a nós nos une – Somos quem somos, e quem fomos foi Coisa vista por dentro.[132]
Quem fui é externo a mim. Se lembro, vejo; E ver é ser alheio. Meu passado Só por visão relembro. Aquilo mesmo que senti me é claro. Alheia é a alma antiga; o que em mim sinto Veio hoje e isto é estalagem. Quem pode conhecer, entre tanto erro De modos de sentir-se, a própria forma Que tem para consigo?[133]
O que sentimos, não o que é sentido, É o que temos. Claro, o Inverno triste Como à sorte o acolhamos. Haja Inverno na terra, não na mente. E, amor a amor, ou livro a livro, amemos Nossa lareira breve.
Ser livre é ser a própria imposta norma Igual a todos, salvo no amplo e duro Mando e uso de si mesmo!
Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre. O mesmo amor que tenham Por nós, quer-nos, oprime-nos.
Sim, sei bem Que nunca serei alguém. Sei de sobra Que nunca terei uma obra. Sei, enfim, Que nunca saberei de mim. Sim, mas agora, Enquanto dura esta hora, Este luar, estes ramos, Esta paz em que estamos, Deixem-me me crer O que nunca poderei ser.[136]
Breve o dia, breve o ano, breve tudo. Não tarda nada sermos. Isto, pensando, me de a mente absorve Todos mais pensamentos. O mesmo breve ser da mágoa pesa-me, Que, inda que mágoa, é vida.[138]
Não te percas, dando Aquilo que não tens. Que vale o César que serias? Goza Bastar-te o pouco que és. Melhor te acolhe a vil choupana dada Que o palácio devido.
E se o muito no pouco te é possível, Mais ampla liberdade de lembrança Te tornará teu dono.