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August 30 - September 4, 2024
Que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida, Em que nos distraímos de outra coisa – Que coisa, não sabemos – Livres porque brincamos se jogamos, Presos porque tem regras cada jogo; Inconscientemente? Feliz o a quem surge a consciência Do jogo, mas não toda, e essa dele Em a saber perder.[139]
Façamos de nós mesmos o retiro Onde esconder-nos, tímidos do insulto Do tumulto do mundo. Que quer o amor mais que não ser dos outros? Como um segredo dito nos mistérios, Seja sacro por nosso.[141]
Severo narro. Quanto sinto, penso. Palavras são ideias. Múrmuro, o rio passa, e o que não passa, Que é nosso, não do rio. Assim quisesse o verso: meu e alheio E por mim mesmo lido.
A vida seja como o sol, que é dado, Nem arranquemos flores, que, tiradas, Não são nossas, mas mortas.[142]
Para quê complicar inutilmente, Pensando, o que impensado existe? Nascem Ervas sem razão dada Para elas olhos, não razões, são a alma.
Vive sem horas. Quanto mede pesa, E quanto pensas mede. Num fluido incerto nexo, como o rio Cujas ondas são ele, Assim teus dias vê, e se te vires Passar, como a outrem, cala.
Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.[145]
Aos que a felicidade É sol, virá a noite. Mas ao que nada spera Tudo que vem é grato.
Cada dia sem gozo não foi teu (Dia em que não gozaste não foi teu)[146]: Foi só durares nele. Quanto vivas Sem que o gozes, não vives.
Amanhã não existe. Meu sòmente É o momento, eu só quem existe Neste instante, que pode o derradeiro Ser de quem finjo ser?[148]
Aqui, neste misérrimo desterro Onde nem desterrado estou, habito, Fiel, sem que queira, àquele antigo erro Pelo qual sou proscrito. O erro de querer ser igual a alguém Feliz, em suma – quanto a sorte deu A cada coração o único bem De ele poder ser seu.
Amo o que vejo porque deixarei Qualquer dia de o ver. Amo-o também porque é. No plácido intervalo em que me sinto, Por amar, mais que ser, Amo o haver tudo e a mim.
Tenho mais almas que uma. Há mais eus do que eu mesmo. Existo todavia Indiferente a todos, Faço-os calar: eu falo.
Cada um é um mundo;
Colhendo flores ou ouvindo as fontes A vida passa como se temêssemos. Não nos vale pensarmos No futuro sabido
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre. Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de sê-lo. Não tenhamos melhor conhecimento Do que nos coube que de que nos coube. Cumpramos o que somos. Nada mais nos é dado.
Meu gesto que destrói A mole das formigas, Tomá-lo-ão elas por de um ser divino; Mas eu não sou divino para mim. Assim talvez os deuses Para si o não sejam, E só de serem do que nós maiores Tirem o serem deuses para nós. Seja qual for o certo, Mesmo para com esses Que cremos serem deuses, não sejamos Inteiros numa fé talvez sem causa.
Sob a leve tutela De deuses descuidosos, Quero gastar as concedidas horas Desta fadada vida. Nada podendo contra O ser que me fizeram, Desejo ao menos que me haja o Fado Dado a paz por destino. Da verdade não quero Mais que a vida; que os deuses Dão vida e não verdade, nem talvez Saibam qual a verdade.