More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Aqui também reescrevo tudo desde o início. Só que presto mais atenção nos detalhes e reescrevo com maior cuidado. Por exemplo, incluo descrições detalhadas do cenário e ajusto o tom
dos diálogos. Verifico se há alguma parte que não combina com o desenrolar do enredo e torno mais compreensíveis as partes difíceis, para que fiquem mais fluidas e naturais na leitura. Essa fase não é uma grande operação, mas sim uma série de pequenas cirurgias. Depois descanso mais um pouco e então começo outra revisão, na qual não faço mais cirurgias, somente correções. Nessa fase é importante determinar quando a amarra será apertada ou afrouxada.
O romance é uma história longa e, se a amarra ficar apertada do começo ao fim, os leitores vão se sentir sufocados. Por isso é importante...
This highlight has been truncated due to consecutive passage length restrictions.
Depois de deixar o romance de molho por tempo suficiente, a obra fica com um aspecto bem diferente. Então começo novamente a revisar os pequenos detalhes, e os defeitos antes despercebidos ficam bem mais nítidos. Consigo distinguir se há ou não profundidade nela. Isso significa que, assim como a obra, a minha cabeça passou pela “cura”.
Assim, a obra ficou tempo suficiente na “cura” e foi reescrita. Na fase seguinte, a opinião de outra pessoa se torna muito importante. No meu caso, quando o livro já assumiu certa forma, mostro-o primeiro para a minha esposa. É assim praticamente desde que comecei a escrever. Para mim a opinião dela é como o tom de referência
Por isso estipulei uma regra pessoal para o processo de introduzir outra opinião: sempre reescrever a parte em que foi apontado algum defeito, seja ele qual for. Mesmo que eu não concorde com as críticas, reescrevo todas as partes em que foi apontado algum defeito. Se não concordo com alguma sugestão, reescrevo mesmo assim, mas de forma completamente diferente da sugerida.
Ou seja, o fluxo do romance está de alguma forma obstruído, em maior ou menor grau. O meu trabalho é eliminar essa obstrução. É o escritor quem decide como eliminá-la. Mesmo que eu pense: Esse trecho está perfeito. Não há necessidade de reescrevê-lo, eu me sento à mesa, em silêncio, e o reescrevo. Porque na realidade um texto nunca está “perfeito”.
para verificar o fluxo geral e fazer ajustes. Faço correções quando percebo que o tom se perdeu por causa das alterações.
O que quero dizer aqui é que todo texto possui margem para aprimoramentos. Por mais que o autor pense que está bem escrito e perfeito, o trecho pode ser melhorado.
Mas quando estou escrevendo preciso acatar com humildade e coração aberto as críticas e os conselhos que recebo de pessoas próximas. Essa sempre foi minha teoria.
Ou seja, o importante é o ato de reescrever. E acima de tudo, a decisão do escritor é fundamental. Pensar vou reescrever essa parte para que fique melhor, sentar-se à mesa e se concentrar para mexer no texto. Comparado a isso, a forma como ele é reescrito talvez seja secundária.
poucos até que atinja a temperatura adequada. A opinião das pessoas representa a sociedade, e quem vai ler o seu livro, no final das contas, é a sociedade. Se você tentar ignorá-la, provavelmente ela também irá ignorá-lo. Se você pensa Tudo bem, não me importo, eu também não me importo. Mas, se você é um escritor que quer manter uma relação relativamente boa com a sociedade (creio que é o caso da maioria), é importante garantir um ou mais “pontos fixos” à sua volta, aqueles que irão ler as suas obras.
O escritor Raymond Carver, que eu respeito muito, também gostava desse trabalho de “bater com o martelo”. Ele escreveu o seguinte, citando as palavras de outro escritor: “Sei que terminei um conto quando me pego tirando as vírgulas das frases e em seguida colocando todas elas de volta, no mesmo lugar”. Eu entendo muito bem o que ele quis dizer. Afinal, também já fiz isso muitas vezes, em dado momento chegamos a esse ponto sutil. Já cheguei ao meu limite. Se mexer mais, vai piorar. Carver indicou esse ponto com precisão tomando as vírgulas como exemplo.
O tempo é um fator muito importante para que uma obra seja criada. Mais do que qualquer outra coisa, a preparação é importante. É um período de silêncio em que cultivo dentro de mim o embrião do romance que está para ser escrito e desenvolvo o desejo de “escrever um romance”. O tempo gasto nessa preparação; o período em que escrevo o manuscrito de fato; o período em que ele é deixado para “cura” em um lugar frio e escuro, para depois ser exposto à luz natural, ser analisado detalhadamente quando ficar duro e ser “martelado”... Só o autor consegue saber se gastou tempo suficiente nesses
...more
Acredito que, para que o tempo seja nosso aliado, precisamos controlá-lo um pouco. Não podemos ser sempre controlados por ele. Caso contrário, acabamos em uma posição de passividade.
O que posso dizer é que passei muito tempo escrevendo romances e, usando as palavras de Carver, me esforcei para escrever “da melhor maneira dando o máximo de mim”. Não penso que teria feito melhor se tivesse mais tempo. Se não consegui escrever bem, significa que ainda me faltava habilidade como escritor no momento em que a escrevi, só isso.
A falta de habilidade pode ser compensada mais tarde, com esforço. Mas a oportunidade perdida não pode ser recuperada.
Acredite na sua sensação mais do que em qualquer outra coisa. Não importa o que os outros digam; a opinião alheia não tem importância. Tanto para o escritor como para o leitor, a sensação é o melhor critério.
Escrever romances é um ato bastante individual que é realizado em uma sala fechada. O escritor senta-se à mesa do seu escritório e inventa (na maioria das vezes) uma história, transformando-a em uma narrativa. Ele converte coisas sem forma e subjetivas em algo com um formato específico e objetivo (ou que pelo menos busca a objetividade) — podemos resumir assim o trabalho que nós, romancistas, realizamos no dia a dia.
E, independentemente do motivo inicial, quando os escritores começam a escrever um romance, eles ficam sozinhos. Não há ninguém que possa ajudá-los.
Sei que a definição é banal, mas escrever é um trabalho solitário, principalmente no caso de romances longos. Às vezes me sinto como se estivesse sentado sozinho no fundo de um longo poço. Ninguém me ajuda, ninguém dá tapinhas nas minhas costas e me elogia: “Parabéns, hoje você fez um bom trabalho”. Às vezes (quando dá certo) a obra resultante desse trabalho recebe elogios, mas, enquanto escrevo, ninguém reconhece o que faço. É um peso que o escritor precisa carregar sozinho, em silêncio.
O que é necessário para realizar esse trabalho com paciência e de forma incansável? Nem preciso dizer que é necessário ter força para persistir. “Mas três dias consecutivos
A combinação de exercício físico e trabalho intelectual no dia a dia influencia positivamente o trabalho criativo.
Talvez ninguém busque um escritor que more em um bairro residencial pacato do subúrbio, leve uma vida saudável acordando cedo e dormindo cedo, corra todos os dias, goste de preparar saladas e escreva todos os dias no seu escritório no mesmo horário. Será que não estou apenas jogando um inútil balde de água fria na imagem romântica que as pessoas têm?
Cada coisa tem o seu momento e, uma vez que o perdemos, é provável que ele não se repita. A vida muitas vezes é caprichosa, injusta e cruel. Por acaso consegui agarrar uma oportunidade. Olhando para trás, percebo que foi pura sorte.
As coisas que permanecem no coração e que não desaparecem com o tempo são muito mais importantes. Isso parece óbvio, não é? Mas esse tipo de conhecimento não possui utilidade imediata. Demora muito até que ele manifeste o seu valor real.
Muitas vezes os personagens das minhas obras são criados de forma natural, conforme o desenrolar do enredo. Exceto em alguns poucos casos, nunca decido de antemão a personalidade do personagem que vou criar. À medida que vou escrevendo, o eixo das características dos personagens vai sendo criado naturalmente e vários detalhes surgem com espontaneidade.
A narrativa progride quando personagens de diferentes tipos agem de formas variadas, colidindo uns com os outros e modificando a situação. Por isso, mesmo quando deparamos com uma pessoa desagradável, não devemos desviar os olhos dela; é importante notar seus pontos principais, observar quais características são desagradáveis e por que o são.
Naturalmente quem cria os personagens é o autor, mas personagens com vida, no sentido literal da palavra, são aqueles que agem de forma autônoma a partir de determinado momento, tornando-se independentes do seu criador. Não sou o único a dizer isso; com frequência muitos escritores de ficção reconhecem isso. Se esse tipo de fenômeno não ocorresse, escrever ficção seria uma tarefa amarga, árdua e sofrida.
Quando o romance começa a deslanchar, os personagens começam a se mover por conta própria, o enredo se desenvolve sozinho e, como resultado, tem início uma situação bastante feliz em que o autor simplesmente escreve o que está se passando na sua frente, diante dos seus olhos. E,
Em resumo: quando o escritor cria uma obra, em certo sentido, uma parte dele também está sendo simultaneamente criada.
Como citei antes, é a própria narrativa que decide o tipo de personagem que será criado. Não sou eu quem pensa a respeito e decide. Eu, o autor, sigo apenas as instruções da narrativa, como seu escritor fiel.
Afinal, todo e qualquer ato criativo visa, em maior ou menor grau, a uma autocorreção. Em outras palavras, através dele fazemos uma relativização de nós mesmos, inserindo a nossa alma em um recipiente de formato diferente do atual e, assim, procuramos eliminar (ou sublimar) a contradição, a distorção e a deformação que inevitavelmente surgem ao
Independentemente do que escreva e do estilo de escrita, sempre haverá alguém para criticar. Por exemplo, quando escrevi um longo romance,
O pianista de jazz Thelonious Monk disse o seguinte: “Toque do seu jeito, e não do jeito que o público quer. Toque do jeito que você quer e deixe que o público entenda o que você está fazendo — mesmo que isso demore quinze, vinte anos”. Nem
Portanto, na medida do possível, quero dedicar toda a minha energia a essa atividade. A vida é curta e o meu tempo e a minha energia são limitados. Não quero perder o meu tempo com assuntos que não tenham a ver com a minha ocupação principal.