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Escritores são basicamente egoístas, orgulhosos e muito competitivos. Se dois escritores estiverem juntos, a chance de eles não se darem bem será muito alta.
Em outras palavras, o romance se parece com um ringue de luta livre onde qualquer um pode entrar como quiser. O espaço entre as cordas é largo, e tem até um banquinho à disposição. O ringue é bem amplo. Nenhum segurança fica tentando impedir a entrada,
não é restritivo. Subir no ringue pode ser fácil, mas permanecer nele por muito tempo, não. Os romancistas sabem disso. Escrever um ou dois romances não é muito difícil, mas continuar escrevendo por muito tempo e viver disso é uma tarefa árdua. Talvez seja impossível para pessoas normais. Pois, digamos assim, é necessário algo especial. É claro que é necessário certo nível de talento e também de determinação. Além disso, a sorte e a coincidência são fatores importantes, nesse e em muitos outros acontecimentos da vida. Mas, acima de tudo, é necessário ter algum tipo de competência. Algumas
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Em minha opinião, escrever romances não é um trabalho apropriado para pessoas
muito inteligentes e de mente afiada. Naturalmente é necessário certo nível de esperteza, cultura e conhecimento para escrevê-los, e acho até que sou dotado de um nível mínimo desses fatores. Provavelmente. É, talvez. Mas, se alguém me perguntar, “É mesmo? Tem certeza?”, vou ficar na dúvida. Porém, penso que as pessoas muito perspicazes ou dotadas de um conhecimento vasto e extraordinário não são as mais adequadas para escrever romances. Essa atividade — de narrar uma história — deve ser executada a uma velocidade baixa, em marcha lenta. A sensação que tenho é de que a velocidade da escrita é
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Ao fazer um romance, os escritores geralmente convertem em narrativa o que existe no interior da sua consciência. O que existe na consciência e o que foi expresso são diferentes, e eles usam essa diferença como uma alavanca para criar o dinamismo da ...
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Eu entendo esse sentimento. Escrever romances é de fato algo extremamente ineficiente. É uma repetição do “por exemplo”.
Se o tema inicial pudesse ser verbalizado de forma fácil, clara e compreensível, as paráfrases seriam desnecessárias. No limite, e com certo exagero, podemos dizer que “o escritor é aquele que tem necessidade de fazer o que é desnecessário”.
Mas, para os romancistas, a verdade está escondida justamente nessa parte desnecessária, cheia de rodeios.
Quando o livro for lançado, talvez ninguém no mundo perceba a precisão daquela linha. Escrever romances é isso. Dá muito trabalho e é bastante tedioso.
Romancistas são como alguns peixes: acabam morrendo se não se moverem constantemente dentro d’água.
Por mais que o slogan seja correto, que a mensagem seja bela, essas palavras se tornarão vazias se a força da alma e a força da moral não forem capazes de sustentá-las. Foi isso que eu aprendi nessa época por experiência própria, e tenho certeza disso até hoje. As palavras possuem uma força concreta, mas essa força precisa ser correta. Ou, pelo menos, imparcial. As palavras não podem ser vazias, privadas de conteúdo e contexto.
A sensação agradável e o prazer que sentia enquanto escrevia o meu primeiro romance continuam praticamente inalteráveis. Acordo de manhã cedo, preparo o café na cozinha, coloco-o em uma caneca grande, levo-a para a minha mesa e ligo o computador (de vez em quando sinto saudades do papel e da grossa caneta-tinteiro da Montblanc que usei por muito tempo). E penso: E agora, o que vou escrever? Sinto uma grande felicidade nessa hora. Para ser sincero, escrever nunca foi um sofrimento para mim. Nunca me vi em apuros sem conseguir produzir (felizmente). Na verdade, acho que não tem sentido escrever
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Eu também pensava que, se dedicasse mais tempo a essa atividade, teria condições de escrever algo bem melhor. Talvez fosse muita prepotência para quem, até pouco tempo antes, nem imaginava que escreveria um romance. Concordo. Mas, sendo bem sincero, é só quem tem esse tipo de prepotência que normalmente consegue se tornar escritor.
Toda vez que me perguntam sobre prêmios (por alguma razão ouço esse questionamento tanto no Japão como no exterior), procuro responder: “O mais importante é que se tenha bons leitores. Nenhum prêmio literário, nenhuma medalha, nenhuma resenha favorável possuem significado substancial se comparados com os leitores que compram os meus livros com o próprio dinheiro”. Já dei essa resposta várias vezes, cansei de tanto repeti-la, mas quase ninguém me leva a sério. Na maioria das vezes sou ignorado.
Atualmente, fala-se de afastamento da leitura, da diminuição da quantidade de pessoas que leem, e acho que em parte isso deve ser verdade. Porém, imagino que esses cinco por cento vão continuar lendo mesmo que sejam proibidos por ordens superiores. Assim como os personagens do livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, eles vão fugir da perseguição, esconder-se na floresta e decorar os livros... Mesmo que não cheguem a esse ponto, creio que vão continuar lendo escondidos em algum lugar. Claro que eu serei um deles. Uma vez que o hábito de ler é adquirido — na maioria das vezes isso ocorre quando
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lo. Por mais acessíveis que sejam o YouTube ou os games 3-D, a pessoa vai pegar um livro por iniciativa própria quando tiver tempo (e até sem tê-lo). Enquanto um entre vinte indivíduos no mundo continuar fazendo isso, não vou me preocupar seriamente com o futuro dos livros ou dos romances. No momento também não estou particularmente preocupado com os livros eletrônicos. A leitura pode ser feita em papel ou na tela (ou até oralmente, como em Fahrenheit 451), não importa por qual meio ou qual seja a sua forma. Se aqueles que gostam de ler continuarem lendo, para mim já é o suficiente.
Então a originalidade perde o seu brilho com o passar do tempo? Depende do caso. O impacto inicial da originalidade muitas vezes se perde com a aceitação e a familiarização mas, por outro lado, a obra será promovida a clássico (ou quase clássico) — é claro que isso só vai acontecer se ela for excelente, e tiver sorte. Assim, passará a ser respeitada por muitas pessoas. A plateia dos dias de hoje não fica confusa quando ouve A sagração da primavera, mas é possível que sinta a inovação e o vigor que transcendem o passar dos tempos.
Quando a originalidade está viva e em movimento, dificilmente conseguimos captar a sua forma corretamente.
apenas opinião minha, mas, para um determinado artista ser considerado original, ele precisa preencher os seguintes requisitos básicos: 1. Possuir um estilo próprio que seja visivelmente diferente do de outros criadores (pode ser som, estilo de escrever, forma ou cor). Só de vê-lo (ouvi-lo) um pouco, deve se reconhecer (quase que) instantaneamente que se trata de uma expressão sua. 2. Conseguir renovar o seu estilo por conta própria. O estilo precisa se desenvolver com o tempo. Não pode se manter no mesmo lugar para sempre. E deve possuir uma força de reinvenção espontânea. 3. Com o tempo esse
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Ou precisa se tornar uma rica fonte de citação para os...
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Ou seja, a originalidade de um criador ou de uma obra só pode ser avaliada corretamente depois de eles terem passado pelo teste do tempo.
forças para continuar e para se reinventar. Independentemente da qualidade do seu estilo, se o artista não produzir um considerável volume, ele nem sequer será avaliado. Certo número de amostras precisa ser reunido e observado de diferentes ângulos para que a originalidade do seu criador seja visualizada tridimensionalmente.
A decisão sobre qual obra é original ou não deve ser delegada ao conjunto de pessoas que vão usufruir dela — os leitores — e à passagem apropriada de tempo.
O poeta polonês Zbigniew Herbert disse o seguinte: “Para chegar à fonte, é preciso nadar contra a correnteza. Somente o lixo desce rio abaixo”. São palavras bem encorajadoras.
Acho que um critério bem simples é perguntar a si mesmo: “Eu me sinto feliz fazendo isso?”. Se você está realizando uma atividade que considera importante para si mesmo, mas não consegue sentir prazer nem alegria com isso, não consegue sentir empolgação, provavelmente há algo errado, algo em desarmonia. Nesse caso, é preciso voltar à estaca zero e eliminar um por um os elementos desnecessários e artificiais que estiverem impedindo sua alegria.
Eliminar da mente todo conteúdo desnecessário, simplificar e reduzir fazendo a subtração, talvez não seja tão fácil de colocar em prática, apesar de parecer simples. Desde o começo eu não tinha a aspiração específica de escrever um romance, e talvez graças a essa falta de ambição eu tenha tido facilidade para escrever.
Originalidade, em outras palavras, nada mais é do que a forma resultante do impulso de querer transmitir ao maior número de pessoas essa alegria sem restrições, essa sensação de liberdade, da forma mais natural possível.
Apenas uma opinião pessoal: se você deseja expressar algo livremente, talvez seja melhor mentalizar “Como será o eu que não busca nada?” em vez de pensar “O que eu busco?”. Tentar encontrar a resposta para a questão “O que eu busco?” será sempre uma tarefa árdua. E, quanto mais pesado for o assunto, menos liberdade e menos agilidade haverá.
E, sem agilidade, o texto perderá o vigor. Um texto sem vigor não atrai as pessoas — nem o próprio autor.
Em contrapartida, o “eu que não busca nada” é livre, ágil e leve como uma borboleta. Basta abrirmos as mãos e deixarmos que ela voe. Assim, o texto também ficará livre e ágil. As pessoas podem passar a vida inteira sem nunca se expressar. Mesmo assim, há algumas que desejam expressar algo. É dentro desse conte...
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“Ser novo, enérgico e claramente característico.”
Em minha opinião, quem quer ser escritor precisa ler muito, antes de qualquer coisa. Peço desculpas pela resposta bastante trivial, mas acho que a leitura é o treinamento mais importante e indispensável para quem quer escrever. Para fazer um romance é preciso compreender, de forma quase física, como eles são formados. É uma coisa óbvia; é o mesmo que dizer: “Para fazer uma omelete, é preciso quebrar os ovos”.
Em seguida — provavelmente antes de começar a escrever de fato —, acho que é importante adquirir o hábito de observar detalhadamente os acontecimentos e fenômenos à sua frente. Olhar com cuidado e atenção as pessoas, enfim, tudo à volta. E refletir sobre tudo. Falei “refletir”, mas não há necessidade de julgar as coisas, avaliar se estão corretas ou não.
Os que têm aptidão para ser romancistas são aqueles que, apesar de concluírem ou estarem prestes a concluir na própria mente que “aquilo é assim”, precisam de um tempo para pensar melhor: “Não, espere um pouco. Talvez seja só impressão minha”. Eles pensam também: “Acho que as coisas não podem ser definidas tão facilmente. Se surgir um novo fator no futuro, a conclusão vai mudar 180 graus”.
James Joyce afirmou de forma sucinta que “imaginação é memória”. Eu concordo. Ele está corretíssimo. Imaginação é, de fato, uma combinação de memórias fragmentadas e fora de contexto. E isso pode parecer semanticamente contraditório, mas, combinadas de forma eficaz, as memórias fora de contexto possuem intuição própria e previsibilidade. E elas deveriam ser a força motriz da narrativa.
Minha experiência me faz pensar que, quando a gente parte do princípio de que não tem nada para escrever, o motor do veículo leva um tempo para ligar, mas depois que ele adquire força motriz e começa a avançar o resto fica mais fácil. Isso porque não ter assunto sobre o qual escrever significa conseguir escrever qualquer coisa, de forma livre. Mesmo que você só tenha materiais leves em quantidade limitada, se aprender a mágica das combinações, conseguirá criar quantas narrativas desejar, de forma ilimitada. E conseguirá construir coisas surpreendentemente pesadas e profundas —
Em comparação, escritores que conseguem criar a própria narrativa sem depender do peso dos materiais talvez não passem por tantas dificuldades. Basta que eles explorem a imaginação, incorporando os episódios que acontecem naturalmente à sua volta, as cenas que veem no dia a dia e as pessoas com quem se encontram como material. É uma energia naturalmente renovável. Esses escritores não precisam lutar na guerra, participar de touradas ou caçar guepardos e onças.
Dependendo da abordagem, pode-se extrair uma força incrível de uma pequena experiência, por mais insignificante que ela pareça ser.
Eles só estão esperando que você os perceba, recolha e utilize. Através da ação humana, mesmo os materiais que parecem mais insignificantes podem servir como fonte infinita de criação. O mais importante, vou repetir, é não perder o nível saudável de ambição. Essa é a chave.
A originalidade do romance é alcançada na correlação entre o material e o veículo. Cada geração possui uma forma própria de encarar a realidade. Mas acho que reunir e acumular cuidadosamente os materiais necessários para uma narrativa continuará sendo um trabalho extremamente importante para o escritor, independentemente da época.
Existe uma profissão mais fascinante do que essa?
Quando tento escrever algo que terá um grande significado para mim, ou seja, quando procuro criar uma narrativa abrangente que pode provocar uma revolução dentro de mim, necessito de um espaço amplo e livre, sem restrições. Primeiro, verifico se possuo esse espaço, em seguida certifico-me de que a energia acumulada dentro de mim é suficiente para preenchê-lo e só então começo o trabalho de longo prazo. Abrindo a torneira o máximo possível, por assim dizer. A sensação de plenitude que sinto nessa hora é inigualável. É algo especial que só sinto quando começo a escrever
o espaço da vida pessoal e do trabalho. Como é uma empreitada de longo prazo que exige uma quantidade extraordinária de energia, preciso criar uma estrutura sólida. Caso contrário, posso acabar perdendo o fôlego no meio do caminho. A primeira coisa que faço quando vou escrever um romance é deixar minha área de trabalho completamente limpa (em
Crio uma estrutura que me permite “não fazer nada além de escrever um romance”.
Quando escrevo um romance, imponho uma regra a mim mesmo: produzir cerca de dez páginas de 400 caracteres de manuscrito japonês por dia. No computador isso equivale a cerca de duas folhas e meia,
Pois, para um trabalho de longo prazo, a regularidade é muito importante. Não conseguirei alcançar isso se escrever um grande volume de forma impulsiva quando estiver inspirado e descansar quando não me sentir inspirado. Então escrevo cerca de dez páginas manuscritas por dia, como se eu tivesse que bater o cartão de ponto.
Não preciso ser um artista, nos sentiremos bem mais leves. Um escritor deve ser uma pessoa livre antes de ser um artista. Fazer o que gosta, quando gosta, do jeito que gosta: essa é a definição de pessoa livre para mim. Prefiro ser uma pessoa comum e livre a me tornar um artista e me preocupar com a opinião dos outros, sujeitando-me a formalidades inconvenientes.
Quando termino de escrever a primeira versão do original, dou um tempo (a duração varia, mas geralmente descanso cerca de uma semana) e então começo a primeira revisão. Reescrevo tudo desde o começo. Nessa fase faço grandes alterações em toda a obra. Por mais longo e complexo que seja o romance, não faço um planejamento inicial; desenvolvo a narrativa na base do improviso, escrevendo o que me vem à cabeça sem saber como será o desenvolvimento ou o final. É bem mais divertido assim. Mas escrevendo dessa forma surgem muitas incoerências.
Acontece haver contradições cronológicas. Na revisão preciso corrigir cada uma dessas incoerências para tornar a narrativa consistente e lógica. Às vezes corto uma grande parte do texto, expando outra e acrescento novos fatos aqui e ali. No