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A totalidade dos animais, a esmagadora maioria dos homens vive sem jamais sentir a menor necessidade de justificação. Vivem porque vivem, e mais nada, é assim que raciocinam; depois, suponho que morrem porque morrem, e que isso, a seu ver, conclui a análise.
Talvez seja impossível, para pessoas que viveram e prosperaram em determinado sistema social, imaginar o ponto de vista dos que, nunca tendo tido nada a esperar desse sistema, encaram sua destruição sem nenhum terror especial.
Agora, a maioria dessas células estava apagada. Eu não tinha, mais que a maioria daquelas pessoas, verdadeira razão para me matar. Tinha até mesmo, pensando bem, nitidamente menos motivos: minha vida fora marcada por autênticas realizações intelectuais, e eu estava num certo meio — sem dúvida extremamente restrito — reconhecido e até respeitado. No plano material, não havia do que me queixar: tinha a garantia, até minha morte, de me beneficiar de uma renda elevada, duas vezes maior que a média nacional, sem precisar realizar em troca o menor trabalho. No entanto, eu sentia muito bem que me
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Estava claro que a simples vontade de viver já não bastava para que eu resistisse ao conjunto de dores e aborrecimentos que balizam a vida de um ocidental médio. Eu era incapaz de viver para mim mesmo, e para quem mais iria viver?
Nietzsche enxergara muito bem, com seu faro de puta velha, que o cristianismo era no fundo uma religião feminina.
Os fascismos sempre me pareceram uma tentativa espectral, uma visão de pesadelo, falsa, para tornar a dar vida a nações mortas; sem a cristandade as nações europeias não eram mais que corpos sem alma — zumbis.
a nostalgia nada tem de sentimento estético, tampouco está ligada à lembrança de uma felicidade, somos nostálgicos de um lugar simplesmente porque ali vivemos, bem ou mal, pouco importa, o passado é sempre bonito, e o futuro também, aliás, só o presente é que faz mal, é que transportamos conosco como um abscesso de sofrimento que nos acompanha entre dois infinitos de felicidade
tantos intelectuais no século XX tinham apoiado Stalin, Mao ou Pol Pot sem que jamais tivessem sido criticados por isso; o intelectual na França não precisava ser responsável, isso não fazia parte de sua natureza.
Ao envelhecer, eu mesmo me aproximava de Nietzsche, como é sem dúvida inevitável quando a gente tem problemas de hidráulica.

