O Sol e o Peixe
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Read between January 4 - February 1, 2023
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Dizer a verdade sobre si mesmo, descobrir a si mesmo de tão perto, não é coisa fácil.
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Há, em primeiro lugar, a dificuldade de expressão. Entregamo-nos, todos, ao estranho e agradável processo que chamamos “pensar”, mas quando se trata de dizer, mesmo a alguém que esteja à nossa frente, aquilo que pensamos, quão pouco, então, somos capazes de transmitir! O fantasma atravessa a mente e salta pela janela antes que tenhamos chance de tomar-lhe as rédeas, ou então afunda e regressa à profunda escuridão que, com luz bruxuleante, iluminou por um momento.
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Pois, para além da dificuldade de comunicar aquilo que se é, há a suprema dificuldade de ser aquilo que se é. Esta alma, ou a vida dentro de nós, não combina absolutamente com a vida fora de nós.
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Pois Montaigne vê a si mesmo como “acanhado, insolente, casto, luxurioso, falador, taciturno, laborioso, delicado, engenhoso, estúpido, melancólico, bonachão, mentiroso, sincero, sábio, ignorante, e liberal e avaro e pródigo”
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O homem que está consciente de si mesmo é, a partir daí, independente; e nunca está entediado, e a vida é apenas curta demais, e ele está impregnado de uma ponta a outra de uma profunda – ainda que comedida – felicidade.
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Observe a si próprio: num momento, você está todo animado; no seguinte, um copo quebrado deixa-o à beira de um ataque de nervos. Todos os extremos são perigosos. É melhor ficar no meio da estrada, nas trilhas costumeiras, por mais lamacentas que sejam. Ao escrever, escolha as palavras comuns; evite a rapsódia e a eloquência – mas, é verdade, a poesia é deliciosa; a melhor prosa é aquela que está mais plena de poesia.
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“Trata-se de existir, mas manter-se preso e obrigado por necessidade a uma única trilha não é viver”
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a alma vomita maravilhas a cada segundo.
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Movimento e mudança são a essência de nosso ser; a rigidez é morte; o conformismo é morte: vamos dizer o que nos vem à cabeça, vamos nos repetir, nos contradizer, deitar fora o mais insensato dos absurdos, e seguir as mais fantásticas fantasias sem nos importarmos com o que o mundo faz ou pensa ou diz. Pois nada importa a não ser a vida; e, naturalmente, a ordem.
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Comunicar é a nossa principal tarefa; a associação e a amizade são nossos principais prazeres; e ler, não para adquirir conhecimento, não para ganhar a vida, mas para ampliar nossa interação para além de nossa época e de nossa província.
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Esses ensaios são uma tentativa para fazer uma alma entrar em comunicação. Sobre esse ponto, ao menos, ele é explícito. Não é fama que ele quer; não é que os homens o citem pelos séculos afora; ele não está erigindo nenhuma estátua no meio da praça; ele quer apenas que sua alma entre em comunicação. Comunicação é saúde; comunicação é verdade; comunicação é felicidade. Compartilhar é nosso dever; mergulhar energicamente e trazer à luz aqueles pensamentos ocultos que são os mais mórbidos; não esconder nada; não fingir nada; se somos ignorantes, dizê-lo; se gostamos de nossos amigos, fazer com ...more
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Todas as estações são desfrutáveis, e dias úmidos e dias lindos, vinho tinto e vinho branco, companhia e estar só. Mesmo o sono, essa deplorável redução do prazer da vida, pode ser pleno de sonhos; e as ações mais comuns – uma caminhada, uma conversa, ficar só no seu próprio pomar – podem ser intensificadas e iluminadas pela associação da mente. A beleza está por toda parte, e a beleza está a apenas dois dedos de distância da bondade.
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Observem como a alma está sempre projetando suas próprias luzes e suas próprias sombras; como torna oco o substancial e substancial o frágil; enche a plena luz do dia com sonhos; é tão animada por fantasmas quanto pela realidade; e, no momento da morte, diverte-se com uma bobagem qualquer. Observem, também, sua duplicidade, sua complexidade. Fica sabendo da perda de um amigo e se solidariza, mas tem um malicioso e agridoce prazer nas desgraças de outros. Ela crê; ao mesmo tempo, não crê.
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“[...] quanto mais me percorro e me conheço, mais minha deformidade me surpreende, menos compreendo a mim mesmo.”
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Mas, quando observamos com intenso interesse o absorvente espetáculo de uma alma vivendo abertamente diante dos nossos olhos, uma questão se impõe: É o prazer o fim de tudo? De onde vem esse avassalador interesse pela natureza da alma? Por que esse desejo avassalador para se comunicar com os outros? É a beleza do mundo suficiente ou existe, em algum outro lugar, alguma explicação desse mistério? A isso que resposta pode haver? Nenhuma. Apenas mais uma questão: “Que sçay-je?” [“Que sei eu?”].
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Mas se liberdade significa o direito de ter os seus próprios pensamentos e seguir as suas próprias metas, então ninguém respeitava a liberdade – na verdade, insistia nela – mais completamente do que ele.
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Ler o que a gente gostava porque gostava, nunca para fazer de conta que admirava o que a gente não admirava – esta era sua única lição sobre a arte da leitura. Escrever com o mínimo possível de palavras, tão claramente quanto possível, exatamente o que se queria dizer – esta era sua única lição sobre a arte da escrita.
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Mas talvez se possa dizer que nossa primeira obrigação para com um livro é que devemos lê-lo pela primeira vez como se o tivéssemos escrevendo. Para começar, devemos nos sentar no banco dos réus e não na poltrona do juiz. Devemos, nesse ato de criação, não importa se bom ou ruim, ser cúmplices do escritor. Pois cada um desses livros, não importando o gênero ou a qualidade, representa um esforço para criar algo. E nossa primeira obrigação como leitores é tentar entender o que o escritor está fazendo, desde a primeira palavra com que compõe a primeira frase até a última com que termina o livro. ...more
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E os escritores que mais têm para nos oferecer são, muitas vezes, os que mais violentam os nossos preconceitos, particularmente se são nossos contemporâneos, de maneira que precisamos de toda a imaginação e compreensão se quisermos tirar o máximo proveito daquilo que eles podem nos oferecer.
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É só depois que formamos nossa opinião que as opiniões dos outros se mostram mais esclarecedoras. É quando podemos defender nosso próprio julgamento que obtemos o máximo do julgamento dos grandes críticos – os Johnson, os Dryden e os Arnold.
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Para que possamos tomar nossa decisão, a melhor forma de ajudarmos a nós mesmos é, primeiro, compreender tão completa e exatamente quanto possível a impressão que o livro deixou e, depois, comparar essa impressão com as impressões que formulamos no passado. Elas estão ali, penduradas no armário da mente – as formas dos livros que já lemos, como roupas que tiramos e penduramos à espera da estação adequada.
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Assim, pois, quando os moralistas nos perguntam o que ganhamos quando nossos olhos percorrem essa pilha de páginas impressas, podemos responder que estamos fazendo nossa parte como leitores no processo de colocar obras-primas no mundo. Estamos fazendo nossa parte na tarefa criativa – estamos estimulando, encorajando, rejeitando, mostrando nossa aprovação ou desaprovação; e estamos, assim, testando e incentivando o escritor.
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A real razão continua inescrutável – a leitura nos dá prazer. É um prazer complexo e um prazer difícil; varia de época para época e de livro para livro. Mas ele é suficiente. Na verdade, o prazer é tão grande que não se pode ter dúvidas de que sem ele o mundo seria um lugar muito diferente e muito inferior ao que é. Ler mudou, muda e continuará mudando o mundo.
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O verdadeiro eu é este que está na rua em janeiro ou é aquele que se debruça sobre o terraço em junho? Estou aqui ou estou lá? Ou o verdadeiro eu não é nem este nem aquele, não está nem aqui nem lá, mas é algo tão variado e errante que é apenas quando damos rédea aos seus desejos e o deixamos seguir seu caminho livremente que somos verdadeiramente nós mesmos?
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“O que fizemos hoje”, disse eu, “foi isto: a beleza; a morte do indivíduo; e o futuro.
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“Fora daqui!”, disse para meus eus ali reunidos. “A tarefa de vocês terminou. Estão dispensados. Boa noite.” E o resto da viagem se passou na deliciosa companhia de meu próprio corpo.
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Mas não é apenas de uma língua nova que precisamos, mais primitiva, mais sensual, mais obscena, mas de uma nova hierarquia das paixões; o amor deve ser deposto em favor de uma febre de quarenta graus;
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Se os seus filhos, carregados como já estão de tanta desgraça, fossem assumir também esse peso, acrescentando, em imaginação, as dores de outros às suas próprias, edifícios deixariam de ser erguidos, as rodovias regrediriam a trilhas cobertas de grama; seria o fim da música e da pintura; apenas um único e longo suspiro se ergueria ao Paraíso, e as únicas atitudes possíveis de homens e mulheres seriam as do horror e do desespero.
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Não conhecemos a nossa própria alma e muito menos a dos outros. Os seres humanos não vão de mãos dadas por toda a extensão do caminho. Há, em cada um de nós, uma floresta virgem, emaranhada, inexplorada; um campo nevado onde não se veem nem pegadas de pássaros. Aqui caminhamos sozinhos, e preferimos assim. Ser sempre alvo de solidariedade, estar sempre acompanhado, ser sempre compreendido seria algo intolerável. Mas, na saúde, é preciso manter o cordial fingimento e reavivar o esforço – para comunicar, civilizar, compartilhar, cultivar o deserto, educar o selvagem, trabalhar juntos de dia e ...more
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Mas com a fisgada da vida ainda dentro de nós, temos que continuar nos mexendo. Não podemos nos transformar pacificamente em montículos rígidos e vitrificados.
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viver e continuar vivendo até termos vivido inteiramente aquelas vidas embrionárias que ficam ao nosso redor na adolescência até serem suprimidas pelo “Eu”.
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Um escritor tem, assim, necessidade de um terceiro olho cuja função é acudir os outros sentidos quando eles gritam por socorro.
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Mas os pintores perdem sua capacidade assim que tentam falar. Eles precisam dizer o que têm para dizer mudando os verdes em azuis, pondo uma camada em cima da outra. Eles precisam trançar seus feitiços como uma cavala atrás do vidro de um aquário, em silêncio, misteriosamente.
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Pois o cineasta deve se tornar dono de sua convenção, tal como os pintores e os escritores e os músicos fizeram antes dele. Ele deve nos fazer acreditar que aquilo que ele nos mostra, por fantástico que pareça, tem alguma relação com as grandes veias e artérias de nossa existência. Ele deve conectá-lo com o que gostamos de chamar de realidade. Ele deve nos fazer acreditar que nossos amores e ódios também estão nesse caminho. Pode-se facilmente adivinhar como um processo desses está destinado a ser lento e tratado com aflição e ridículo e indiferença quando lembramos quanto qualquer novidade ...more