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o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem.
mulher, que no pequeno cais do mercado esperava o saveiro onde vinha o seu amor, começou a tremer, não do frio do vento, não do frio da chuva, mas de um frio que lhe vinha do coração amante cheio dos maus presságios da noite que se estendia repentinamente.
tempestade é a falsa noite.
vento arrancou a vela do saveiro e levou-a para o cais como uma notícia trágica.
O amor é bom nas noites de temporal e a carne de Maria Clara tinha gosto de mar.
Só então ela sente toda a dor de Judith, se sente totalmente sua irmã, irmã também de Maria Clara, de todas as mulheres do mar, mulheres de destinos iguais: esperar numa noite de tempestade a notícia da morte de um homem.
Os homens da beira do cais só têm uma estrada na sua vida: a estrada do mar. Por ela entram, que seu destino é esse. O mar é o dono de todos eles.
Lívia pensa com raiva em Iemanjá. Ela é a mãe-d’água, é a dona do mar, e por isso, todos os homens que vivem em cima das ondas a temem e a amam. Ela castiga. Ela nunca se mostra aos homens a não ser quando eles morrem no mar. Os que morrem na tempestade são seus preferidos.
a mãe-d’água é loira e tem cabelos compridos e anda nua debaixo das ondas, vestida somente com os cabelos que a gente vê quando a lua passa sobre o mar.
veio a lua e os cabelos de Janaína se estenderam no mar. Então veio música dos saveiros, do forte velho, das canoas, do cais, saudando a mãe-d’água, a dona do mar, que todos temiam e todos desejavam. Aquela era mãe e mulher. Só ela sabia dos desejos deles e só ela consolava todos.
Só há uma mãe que pode ser ao mesmo tempo esposa: é Iemanjá e por isso ela é tão amada dos homens do cais.
também, do pai, um senhor de bigodes e voz sonora, que morrera antes de tudo ser tão feio no mundo da sua casa.
substituir uma solteirona de palmatória e gritos histéricos e
terra de Chico era muito longe com certeza, era para as bandas do sem-fim e ele se fora.
A música do mar era triste e falava em morte e em amor perdido. Na cidade tudo era claro e sem mistério como a luz das lâmpadas. No mar tudo era misterioso como a luz das estrelas. As estradas da cidade eram muitas e bem calçadas. No mar só havia uma estrada e essa oscilava, era perigosa. As estradas da cidade já estavam há muito conquistadas.
Princesa de Aiocá (assim chamam os negros a Iemanjá)
vida: viajar sobre as ondas, ter um saveiro seu, beber no Farol das Estrelas, fazer um filho que seguisse seu destino e ir um dia com Iemanjá.
As ondas corriam umas sobre as outras. Isso dentro da baía, antes mesmo do quebra-mar. Como não estariam então lá fora, adiante da barra, onde o mar fosse livre?
vem um apito triste do navio, um pedido de socorro e a lei do cais manda que se atenda aos que no mar pedem socorro. Assim, Iemanjá ficará satisfeita com ele, e, se voltar com vida, ela lhe dará a mulher que pediu.
Não era ainda ogã do seu candomblé, não cantava ainda os seus cânticos, não podia levar no pescoço a sua pedra verde.
Iemanjá, que é dona do cais, dos saveiros, da vida deles todos, tem cinco nomes, cinco nomes doces que todo o mundo sabe.
Iemanjá,
chamam de Inaê, com devoção, ou fazem suas súplicas à Princesa de Aiocá, rainha dessas terras misteriosas que se escondem na linha azul que as separa das outras terras.
não há no mundo nada mais bonito (os marinheiros dos grandes navios que viajam todas as terras sempre dizem) que a cor que sai da mistura dos cabelos de Iemanjá com o mar.
Eu me chamo Ogum Delê Não nego meu naturá Sou filho das águas claras Sou neto de Iemanjá…
Iemanjá vem… Vem do mar…
Eh, a sereia A sereia vem brincar na areia…
Sereia do mar levantou… Sereia do mar quer brincar.
Foi o caso que Iemanjá teve de Aganju, deus da terra firme, um filho, Orungã, que foi feito deus dos ares, de tudo que fica entre a terra e o céu.
um dia, não resistiu e a violentou. Iemanjá fugiu e na fuga seus seios romperam, e assim, surgiram as águas, e também essa Bahia de Todos-os-Santos. E do seu ventre, fecundado pelo filho, nasceram os orixás mais temidos, aqueles que mandam nos raios, nas tempestades e trovões.
súditos da Princesa de Aiocá, estão todos desterrados em outras terras e por isso vivem no mar procurando alcançar as terras da sua rainha.
Iemanjá vem… Vem do mar…
Primeiro deram a todas elas um banho com as folhas sagradas, rasparam-lhes os cabelos da cabeça, das axilas, do púbis, para que o santo mais livremente possa penetrar, e então veio o efun.
A odê ressê Ôssi é Iemanjá Acota guê leguê a oiô É ró fi rilá.
É iná ará uê Ô iná marabô Mabô xarê num Mabô xarê uá.
Sou mulato e não nego Ai, meu Deus, de mim tem pena! Embora eu queira negá, Meu cabelo me condena.
Inda querendo sê branco O cabelo me crimina…
Há uma canção do cais que diz que desgraçado é o destino das mulheres dos marítimos. Dizem também que o coração dos marítimos é volúvel como o vento, como os barcos que não se fixam em nenhum porto. Mas todo o barco tem o nome do seu porto na proa. Pode andar por outros, pode viajar muitos anos, mas não esquece o seu porto, voltará a ele um dia. Assim o coração dos marinheiros. Nunca eles esquecem aquela mulher que é a deles só.
As mulheres riem muito, riem mesmo sem ter de quê, só para agradar.
eram homens do mar, pois vinham naquele passo largo e inseguro dos que vivem nas embarcações. Os corpos gingavam como se houvessem apanhado vento forte.
Um marítimo não tem o direito de sacrificar uma mulher. Não por causa da pobreza da vida deles, da miséria das casas, do peixe diário, da falta eterna de dinheiro. Isso qualquer uma delas suportaria, que em geral estão acostumadas, ou são do cais mesmo ou são filhas de operários, de trabalhadores miseráveis também.
À pobreza elas estão acostumadas, muitas vezes a coisas piores que a pobreza. Mas a que não estão acostumadas é a esta morte repentina, a ficar de repente sem seu homem, sem teto, sem abrigo, sem comida, a serem logo engolidas ou por uma fábrica ou pela prostituição, quando são mais novas.
Iemanjá tem ciúmes, então ela é Inaê e desencadeia as tempestades.
Falar em higiene onde só há miséria, falar em conforto onde só há perigo de morte…
Cava no chão é buraco, Gancho de pau é forquia, Desate e torne a marra, E marre o cabelo, Maria.
Foi ele que me ensinou Namorá — qui eu não sabia. A onça pega no sarto E a cobra pega no bote. E o vaqueiro pra sê bom Tira a novia do lote.
Há no cais qualquer coisa ainda pior que a miséria das fábricas, a miséria dos campos: há a certeza de que o fim será a morte no mar, numa noite inesperada, numa noite de repente.
Elas eram do cais, traziam os corações já tatuados.
Ele a deitou na cama, amassou seus lábios com a pressa que sempre tinha, a pressa dos homens que não sabem onde estarão amanhã.
E quero lá filho de negro. Estou precisando de um filho de gente mais branca do que eu para melhorar a família…