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Kindle Notes & Highlights
by
Luc Ferry
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November 2 - November 30, 2022
mais sublime espetáculo pode tornar-se um sofrimento se não temos a sorte de ter alguém com quem partilhá-lo.
Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão as diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas da Antiguidade grega.
é preciso que ele reflita bem sobre o que deve fazer de sua curta vida.
tudo o que é da ordem do “nunca mais” pertence ao registro da morte.
Conhecemos inúmeras encarnações de morte no próprio seio da existência, e essas múltiplas faces acabam nos atormentando sem que o percebamos inteiramente.
Para viver bem, para viver livremente, com alegria, generosidade e amor, precisamos, antes de tudo, vencer o medo — ou, melhor dizendo, “os” medos, tão diversas são as manifestações do Irreversível.
se as religiões se definem como “doutrinas da salvação” por um Outro, pela graça de Deus, as grandes filosofias poderiam ser definidas como doutrinas da salvação por si mesmo, sem a ajuda de Deus.
a irreversibilidade do curso das coisas, que é uma forma de morte no interior mesmo da vida, ameaça-nos de sempre nos arrastar para uma dimensão do tempo que corrompe a existência: a do passado, onde se instalam os grandes corruptores da felicidade que são a nostalgia e a culpa, o arrependimento e o remorso.
os filósofos gregos pensavam no passado e no futuro como dois males que pesam sobre a vida humana, dois centros de todas as angústias que vêm estragar a única e exclusiva dimensão da existência que vale a pena ser vivida, simplesmente porque é a única real: a do instante presente. O passado não existe mais, e o futuro ainda não existe, insistiam eles; e, no entanto, vivemos quase toda a nossa vida entre lembranças e projetos, entre nostalgia e esperança.
Mas de tanto lamentar o passado ou ter esperança no futuro, acabamos por perder a única vida que vale ser vivida, a que depende do aqui e do agora, e que não sabemos amar como ela certamente merece.
ser sábio, por definição, não é amar ou querer ser amado, é simplesmente viver sabiamente, feliz e livre, na medida do possível, tendo enfim vencido os medos que a finitude despertou em nós.
filosofia é, ainda nesse aspecto, contrariamente à opinião comum e falsamente sutil, muito mais a arte das respostas do que a das perguntas.
É preciso que você se habitue a verificar se o que lhe disseram é verdade ou não.
Para os estoicos, de fato, a the-oria consiste exatamente em esforçar-se por contemplar o que é “divino” no real que nos cerca.
se nos limitamos a olhar nosso cantinho do mundo, não veremos a beleza do conjunto.
Diz-se que uma coisa é imanente ao mundo, quando se situa em relação apenas a ele. Do contrário, diz-se que ela é transcendente.
dois males que pesam, na opinião dos estoicos, sobre a existência humana, os dois freios que a paralisam e a impedem de alcançar a plenitude, são a nostalgia e a esperança, o apego ao passado e a preocupação com o futuro.
Que a imagem de tua vida inteira não te perturbe jamais. Não sonhes com todas as coisas dolorosas que provavelmente te aconteceram,
cada momento presente, pergunta: o que há de insuportável e de irreversível neste acontecimento? Lembra-te então de que não é nem o passado nem o futuro, mas o presente que pesa sobre ti.
não são apenas os “males antigos” que estragam a vida presente daquele que peca por falta de sabedoria, mas, paradoxalmente, e talvez mais ainda, a lembrança dos dias felizes que perdemos irremediavelmente e que não voltarão “nunca mais”: never more.
“Esperar um pouco menos, amar um pouco mais”
esperança é, contrariamente ao lugar-comum segundo o qual não se poderia “viver sem esperança”, a maior das adversidades. Porque ela é, por natureza, da ordem da falta, da tensão insaciada.
nossa felicidade depende da realização completa de fins medíocres ou grandiosos, pouco importa, que estabelecemos para nós mesmos.
cedemos sempre à miragem de uma felicidade adiada, de um paraíso ainda a ser construído, aqui ou no além.
a posse de bens tão ardentemente desejados não nos torna nem melhores nem mais felizes do que antes.
“enquanto se espera viver, a vida passa”.
é preciso aprender a viver como se o instante mais importante da vida fosse aquele que você está vivendo no exato momento, e as pessoas que mais contassem fossem as que estão diante de você.
Quando ascende a esse grau de vigilância, o sábio pode viver “como um deus”, na eternidade de um instante que nada mais relativiza, na completude de uma felicidade que nenhuma angústia poder vir a corromper.
a doutrina cristã da salvação, embora fundamentalmente não filosófica, até mesmo antifilosófica, vai competir com a filosofia grega. Vai, por assim dizer, aproveitar-se das lacunas que enfraquecem a resposta estoica sobre a questão da salvação para subvertê-la internamente.
valor moral de um ser humano não depende de seus dons ou de seus talentos naturais, mas do uso que ele faz deles,
os cristãos inventaram respostas para as nossas interrogações sobre a finitude, que não têm equivalência entre os gregos; respostas, se ouso dizer, tão “eficientes”, tão “tentadoras”, que se impuseram a uma boa parte da humanidade como literalmente incontornáveis.
é simplesmente a passagem de uma doutrina da salvação anônima e cega à promessa de que vamos ser salvos não apenas por uma pessoa, o Cristo, mas também enquanto pessoa.
Não se trata mais tanto de pensar por si mesmo, mas de ter confiança num Outro. Sem dúvida, é nisso que reside a diferença profunda e significativa entre filosofia e religião.
“bem-aventurados os pobres de espírito”, diz o Cristo nos Evangelhos, pois eles acreditarão e verão a Deus. Ao passo que os “inteligentes”, os “soberbos”, como diz Santo Agostinho ao se referir aos filósofos, atarefados com seus raciocínios, passarão, com orgulho e arrogância, à margem do essencial...
Centenas de milhões de pessoas se reconhecem, ainda hoje, na estranha força dessa fraqueza.
no plano moral, essas desigualdades não têm nenhuma importância. Porque importa apenas o uso que fazemos das qualidades recebidas no início, não as qualidades em si.
O que é moral ou imoral é a liberdade de escolha, o que os filósofos vão chamar de “livre-arbítrio”,
com o cristianismo, saímos do universo aristocrático para entrar no da “meritocracia”, quer dizer, num mundo que vai, inicialmente e antes de tudo, valorizar não as qualidades naturais da origem, mas o mérito que cada um desenvolve ao usá-las. Assim, saímos do mundo natural das desigualdades para entrar no mundo artificial, no sentido em que é construído por nós, da igualdade.
Você pode fazer dos seus dons naturais o uso que quiser, bom ou mau. Mas é o uso que é moral ou imoral, não os dons em si!
constatamos ainda hoje o quanto as civilizações que não conheceram o cristianismo têm dificuldade em dar à luz regimes democráticos, porque a ideia de igualdade, em especial, não é evidente para elas.
É porque o cristianismo concede esse enorme lugar à consciência, ao espírito, mais do que à letra, que ele não vai impor praticamente nenhuma juridicidade à vida cotidiana.
paixão, no mínimo, não é conveniente para o sábio, e os laços familiares, quando se tornam muito “apertados”, devem ser, se necessário, afrouxados.
“a vontade fala ainda quando a natureza se cala”.
A capacidade de resistir às tentações às quais ele nos expõe é exatamente o que Kant chama de “boa vontade”,
Se fôssemos naturalmente bons, naturalmente orientados para o bem, não haveria necessidade de recorrer a ordens imperativas.
na maior parte do tempo, não temos nenhuma dificuldade em saber o que seria necessário fazer para agir bem,
mas nos concedemos sempre exceções, simplesmente porque nos pr...
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Há, pois, mérito em agir bem, em preferir o interesse geral ao interesse particular, o bem comum ao egoísmo. Nisso a ética moderna é fundamentalmente uma ética meritocrática de inspiração democrática.
Enquanto a desigualdade reina sem restrição no que diz respeito aos talentos inatos — a força, a inteligência, a beleza e muitos outros dons naturais são desigualmente repartidos entre os homens —, em se tratando do mérito, estamos todos em igualdade.
essa negação do real em nome de um ideal que Nietzsche chama de “niilismo”.